Numa América Latina em chamas, Uruguai recebe em paz resultado das eleições
Montevidéu, 28 Nov 2019 (AFP) - Na véspera das eleições presidenciais de domingo no Uruguai, partidários do governo e da oposição cantaram juntos o hino nacional em frente ao Rio da Prata, um ato espontâneo que viralizou e foi um prelúdio do que viria a seguir.
Políticos de todos os partidos comemoraram o episódio, repetindo uma tônica que acabou se estendendo muito após o dia de votação e até o candidato governista, Daniel Martínez, reconhecer a derrota para o adversário, Luis Lacalle Pou, nesta quinta-feira (28).
Em uma definição inédita, que ficou dependente de uma segunda contagem de votos, a Frente Ampla (esquerda, situação) e uma coalizão opositora liderada pelo Partido Nacional (centro-direita), ficaram a apenas 30.000 votos de distância a favor da oposição no segundo turno, e não se viu a tensão que poderia representar a espera pelo nome do futuro presidente.
A decisão de Martínez de não outorgar a vitória a uma coalizão ansiosa por festejar na noite de domingo, quando tecnicamente existia uma chance remota de que o resultado pudesse ser revertido, motivou duras críticas ao candidato governista, inclusive do próprio Lacalle Pou, mas a mensagem predominante foi a da calma e da paciência pelo pronunciamento oficial.
O compasso de espera terminou nesta quinta, quando Martínez publicou em sua conta no Twitter sua saudação "ao presidente eleito @LuisLacallePou", com quem se reunirá na sexta-feira.
Em Montevidéu, motoristas começaram a fazer buzinaços em sinal de comemoração e alguns partidários da coalizão opositora comemoraram nas ruas.
A Corte Eleitoral, que já alcançou em sua contagem um número de votos que torna irreversível a vitória do candidato de centro direita, não vai oficializar o nome do vencedor até terminada a apuração secundária, antecipou nesta quinta-feira à AFP o presidente do organismo, José Arocena.
Uma "sociedade amortecedora"
Em uma América Latina convulsionada, com protestos sociais no Chile e na Colômbia e antes no Equador, a violência pós-eleitoral na Bolívia e a crise econômica na Argentina, o Uruguai aparece como um oásis de paz política.
E os especialistas ensaiam explicações.
A democracia uruguaia se construiu desde muito cedo "com base em pactos entre os principais partidos", que criaram "um marco institucional muito sólido, muito consistente, que correspondia a um clima de tolerância e aceitação dos adversários" e até "de cooperação", explicou à AFP o historiador e escritor Gerardo Caetano.
Apesar das crises nos anos 1960 e 1970 por razões internas e externas, o Uruguai "tem um acordo de regime: um percentual gigantesco da população diverge em dezenas de coisas, mas tem um acordo de regime (e) aposta na democracia como plataforma onde se dirimem as diferenças. Quem arbitra as controvérsias é o povo, através das urnas", resumiu Caetano.
O historiador uruguaio Carlos Real de Azúa falava em uma "sociedade amortecedora", lembra a também historiadora Vania Markarian em declarações à AFP. É uma sociedade que "amortece os conflitos" por diversos fatores, explica.
O Uruguai tem um "sistema de partidos estável" e "continua sendo um país de proximidades" sociais e geográficas "e isso continua funcionando", destacou. Além disso, é um país que tem melhorado seus índices sociais sobre desigualdade e tem "movimentos sociais de uma responsabilidade e capacidade de controle surpreendentes".
"Aqui, qualquer ator político sabe com quem falar quando aparecem reivindicações", afirmou.
Mas o mais importante, concluiu, "temos uma enorme confiança em nosso processo eleitoral, que está cheio de garantias e controladores".
Para o cientista político Daniel Chasquetti, da estatal Universidade da República, uma distribuição de renda mais equitativa que em outros países da região e "políticas compensatórias" para mitigar desigualdades determinam um "grau de satisfação maior ou um mal-estar menor".
Mas existe também uma série de estruturas que "atam Estado, economia e sociedade: partidos políticos, sindicatos, instituições (públicas) que funcionam, com autoridades legítimas e (que) se reconhecem entre si como interlocutores válidos".
É uma combinação que gera um "bom equilíbrio", destacou. "Não é perfeito, mas funciona".
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