Em Valência, o mundo dos mortos também é um lamaçal
Os destroços e o lamaçal que compõem a paisagem de muitos vilarejos valencianos continuam quando se passa pelos portões dos cemitérios, cuja capacidade de enterrar os mortos nas enchentes é quase nula.
A Justiça já autorizou a liberação dos corpos de mais de 80 das 219 pessoas que morreram nas chuvas catastróficas da semana passada para suas famílias.
No entanto, cemitérios como os de Catarroja e Massanassa, dois municípios vizinhos que foram muito danificados, acumulam lama e entulho.
"A destruição é monumental", disse à AFP Salvador Pons, funcionário do cemitério municipal de Catarroja, enquanto dava instruções a um grupo de pessoas que se ofereceram para fazer a limpeza.
"A água atingiu uma altura de 1,70 m e danificou muitos dos panteões", assim como os nichos, especialmente os mais baixos. A força da água chegou a deslocar os grandes portões de ferro que pesam 700 quilos desse cemitério de 1889.
Desde terça-feira (5), explicou ele, sete moradores morreram, três de causas naturais e quatro nas enchentes. Eles não conseguiram enterrar nenhum deles e, no caso dos últimos, é urgente enterrá-los rapidamente, porque suas condições não são boas.
- Eles precisam "estar juntos" -
Há a possibilidade de cremação ou sepultamento em Valência, onde as funerárias funcionam bem, mas na Espanha é muito comum que até três gerações compartilhem um nicho.
"Meus pais têm que ficar juntos", disse Juan Monrabal, morador de Catarroja, categoricamente ao jornal local Las Provincias.
Foi sugerido a Monrabal que enterrasse sua mãe, que morreu nas enchentes, em outro cemitério e depois a transferisse para outro cemitério com seu pai, mas a legislação não permite que isso seja feito antes de 10 anos, e ele, que tem 54 anos, teme morrer antes disso.
A Lápidas Casañ é uma empresa familiar que já está em sua segunda geração. Em seu estabelecimento em Catarroja, há uma agitação de pessoas arrumando-o após a passagem da água.
"O trabalho está parado, estamos limpando tudo", explica Arturo Casañ, 59 anos, filho do fundador. Houve uma certa demanda por lápides, mas até agora nenhuma foi entregue.
"Acho que levará duas, três ou quatro semanas para que as coisas sejam resolvidas. Primeiro são as casas e depois os cemitérios", diz ele compreensivo.
O reitor da igreja de Sant Miquel de Catarroja, Carles Pons, explica que, mais de uma semana após a tragédia, nenhuma missa fúnebre foi celebrada.
"Eles não nos pediram, e não seria fácil" realizar um enterro como em tempos normais, desabafa o pároco de 57 anos, que está concentrado em armazenar a ajuda que chega às vítimas.
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As funerárias de Valência têm ajudado as funerárias das localidades afetadas.
"Estamos ajudando-as com carros, funcionários, papelada, viagens ao hospital e até mesmo enterrando-os", explicou o funcionário de uma das agências funerárias da terceira maior cidade da Espanha, sob condição de anonimato.
"Os cemitérios nos vilarejos são terríveis e as pessoas se veem obrigadas a desistir de enterrá-los lá", diz ele.
No final, a catástrofe também reduziu as margens de decisão a escombros, e "se não houver escolha a não ser enterrá-los, isso terá de ser feito onde puder ser feito", resume laconicamente um homem de 69 anos, que não quis fornecer o nome e que veio dar uma mão na limpeza do cemitério de Catarroja.
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© Agence France-Presse
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