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Coluna - Bonança após a tempestade

13/07/2020 17h45

A segunda-feira (13) marca o retorno de parte dos atletas da seleção brasileira paralímpica de tênis de mesa às atividades no Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo. Por enquanto, só o quarteto Israel Stroh, Jennyfer Parinos, Bruna Alexandre e Danielle Rauen - todos andantes (não dependem de cadeira de rodas para locomoção) e medalhistas nos Jogos Paralímpicos de 2016, no Rio de Janeiro - treinará no local, entre os esportistas da modalidade. Israel e Jennyfer reiniciaram os trabalhos na parte da manhã. Bruna e Danielle o farão no desenrolar da semana.

Liberado para ser reaberto em 1º de julho após 111 dias fechado devido à pandemia do novo coronavírus (covid-19), o CT foi adaptado para atender aos protocolos de saúde do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), com a instalação de um túnel de ozônio para desinfetar roupas e utensílios, e bloqueios orientando o caminho até os espaços de treino. Nesse primeiro momento, somente atletas medalhistas paralímpicos e nos Mundiais do ano passado, nas modalidades atletismo, natação e tênis de mesa, foram autorizados a voltar. Ou seja, cerca de um terço dos frequentadores habituais.

Todos são submetidos à verificação de temperatura ao chegarem ao CT, ainda dentro do carro. Seguindo o protocolo do CPB, caso o atleta apresente mais de 37,5 graus, não tem a entrada liberada. A utilização de máscaras é obrigatória, exceto, evidentemente, durante as atividades físicas.

A reabertura foi permitida pela prefeitura de São Paulo e o governo paulista pela capital estar na fase amarela do chamado Plano São Paulo. Trata-se do projeto de flexibilização de atividades no estado durante a quarentena, decretada em 22 de março. O plano é dividido em cinco etapas, e a amarela é a terceira. Quanto mais avançada a fase, maior é a liberação de atividades, por se entender que há um controle maior da disseminação do novo coronavírus nessas regiões.

CT Paralímpico reabre seguindo protocolo rígido de segurança - Ale Cabral/CPB/Direitos Reservados

Em comunicado, o Comitê justificou o momento de reabertura com base em trabalhos científicos e a "experiência prática do treinamento esportivo". Tendo em vista a realização dos Jogos Paralímpicos de Tóquio (Japão) em agosto do ano que vem, o entendimento é que os atletas precisariam de 12 a 15 meses de treino para alcançar os melhores resultados, isso em "condições normais", o que já não é exatamente a realidade do momento. Ou seja: para atingir o melhor possível nos Jogos, este seria o momento para volta às atividades presenciais, com todo cuidado necessário.

Além do aspecto físico e técnico, há outro impacto relevante do retorno aos treinos. A volta ao CT, ou pelo menos a perspectiva disso para quem ainda não foi liberado, mexe positivamente com a cabeça dos atletas, após quase quatro meses de incerteza. Vale lembrar que, se por um lado os Jogos de Tóquio estão com data definida, eventos internacionais fundamentais para a conquista da vaga paralímpica ainda não foram remarcados. Manter o equilíbrio durante tanto tempo sem a rotina, em um momento tão decisivo do ciclo e diante de um cenário extraordinário, não foi fácil.

"A primeira coisa foi entendermos o que é uma pandemia e quais os efeitos colaterais. O que esse atleta vai sentir? Ansiedade, medo, frustração, inclusive felicidade para alguns, foram sentimentos presentes", disse a psicóloga do CPB, Bruna Bardella, em live realizada pela entidade na última quarta-feira (8). "Em uma competição, temos uma expectativa do que vai acontecer com o atleta, de positivo ou negativo, mas, quando se vive um momento único, sem nada igual, é difícil saber como atuar. A partir dessa experiência ouvindo os atletas, acompanhando, ouvindo a equipe técnica, o que cada um tinha para trazer. É como se nos trouxessem várias fotos para criarmos um álbum e atuarmos da melhor forma", completou.

Para ter a dimensão do que foram os quase quatro meses longe do CT e o impacto do retorno, a Agência Brasil ouviu o depoimento de Phelipe Rodrigues. O nadador, um dos primeiros a voltar aos treinos no equipamento paralímpico, na última semana, relatou as dificuldades do período longe da piscina, a decisão de se isolar no interior paulista e a retomada da rotina de alto rendimento, adaptada, é claro, às restrições do novo normal.

Agonia na quarentena

Segundo Phelipe, o começo da quarentena não foi dos mais complicados, já que o momento coincidia com a realização de um torneio internacional no próprio CT, que seria seguido de um período de folga (a competição, que valia índices para Tóquio, foi cancelada devido à pandemia). "Nas três primeiras semanas, me sentia como se estivesse em férias antecipadas, digamos assim. Porém, não fiquei 100% parado. Estava fazendo exercícios em casa, muito abdominal e muito aeróbico, que era o que dava para fazer com o que tinha", declarou.

"A ficha caiu", conforme o nadador, com o anúncio de que os Jogos seriam transferidos para 2021. "Tudo começou meio que a desandar. Lembro que, na primeira semana [após o adiamento], a motivação estava meio que caindo. Na quinta para a sexta semana [de quarentena], já não estava com vontade de seguir a dieta. Porque é difícil. O atleta de alto rendimento está acostumado com uma carga de treino muito alta, então, do nada, você ter essa carga inteira e nada [de competição] para fazer por muito tempo, acaba sendo deprimente", afirmou o medalhista, que disse ter sofrido com insônia durante o período. "Costumava dormir, no máximo, meia-noite. Durante a quarentena, eu ia dormir 4h, 5h. Às vezes, dormia às 6h", contou.

O pernambucano, que complete na classe S10 (entre as categorias para deficiências físico-motoras, é a de menor grau de comprometimento), persegue a primeira medalha de ouro paralímpica. Em três participações, nos Jogos de Pequim (China), Londres (Reino Unido) e Rio de Janeiro, foram cinco pratas e dois bronzes. Realizar o sonho dourado em Tóquio foi o mantra que manteve Phelipe esperançoso. "Meu psicólogo sempre aconselhava a fazer o que podia no dia, não forçar. No fim de todas as conversas, sempre lembrávamos qual era a minha motivação: ser campeão paralímpico. Sempre ficava como se fosse aquela luz no fim do túnel", recordou.

A busca por alternativas que o colocassem em contato com o meio líquido outra vez levou o nadador, "por conta própria", a se isolar em Assis, no interior paulista. "Foi a melhor decisão que tomei. Não foi indicação de ninguém ou por obrigatoriedade. Sabia que precisava dessa mudança, de qualquer forma, a voltar a minha rotina", disse Phelipe. "A estrutura que tinha lá era uma piscina de 25 metros que era só para nós. A própria academia também era só para nós. Então, tínhamos completa segurança para fazer os treinos e o descanso", completou o atleta, que esteve com a também nadadora Carol Santiago, da classe S12 (atletas com baixa visão).

Retorno às atividades

Mas, não há lugar como o lar. No último dia 7 de julho, o medalhista pôde voltar à piscina do CT Paralímpico. Além dele, retornaram Carol Santiago, Ítalo Pereira e Wendell Belarmino. O processo até poder cair na água novamente, porém, foi extenso. "Tivemos que fazer o teste da covid-19 para voltar às atividades. Todos aqueles [da natação] que voltaram aos treinos testaram negativo, então, todos estavam em segurança. No CT, o contato é mínimo. Diariamente respondemos questionários para saber se estamos em condição [de treino] e se temos sintomas", declarou.

No caminho até a piscina, há a passagem pelo túnel de ozônio e as orientações para seguir o trajeto detalhado por setas distribuídas no chão. Não para por aí. "Na frente da piscina, foram demarcadas áreas de mais ou menos 10 metros quadrados para cada atleta ter seu espaço. A piscina tem 10 raias. Então, se uma tem atleta a outra fica vazia para termos a distância de segurança de dois metros no mínimo. Os técnicos têm de estar de máscara de proteção. Se, por ventura, for um tipo de treino que exige um grito mais alto, eles usam um face shield", descreveu.

A manutenção das atividades no CT, porém, depende de que a capital siga na fase amarela do Plano São Paulo. "Se voltarmos à laranja [segunda etapa, de mais restrição], os treinos serão suspensos", alertou Phelipe, que comemorou as condições para a retomada dos trabalhos. "A prioridade um do Comitê é nossa segurança, nossa vida. A dois é o alto rendimento. Sempre tivemos muita instrução deles sobre a higiene, desde a saída de casa. Particularmente, me sinto muito seguro no ambiente do CT. É uma vibe bem diferente. Mesmo com pouca gente, sentimos que estamos conseguindo voltar aos poucos", conclui.