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'A sociedade acredita no carro', diz pequisador

Bruno Ribeiro

São Paulo

27/11/2017 11h00

O surgimento das megalópoles - como São Paulo - fez com que cientistas mundo afora passassem a estudar como tornar mais confortável a vida humana em espaços densamente povoados. As respostas mais plausíveis até aqui foram trazidas por quem pensa no assunto de forma interdisciplinar, sob o olhar de urbanistas, engenheiros de logística e informática. O pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Phil Tinn, que estará em São Paulo para o 1º Fórum de Mobilidade Urbana, promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo , é um dos que transitam por essas áreas.

Tinn já pensa em soluções para problemas que vão surgir com o compartilhamento de carros e bicicletas, sistemas que existem na capital há menos de cinco anos. Ele acredita que a tecnologia pode estimular a participação popular na organização dos sistemas de transporte público e, assim, desencorajar o uso do automóvel. O pesquisador estuda ainda modelos de transporte que podem tornar mais fácil tarefas do dia a dia, como ir ao supermercado, sem a dependência do carro. Ele conversou sobre saídas para uma vida melhor na cidade. Leia a seguir:

Quais são os principais desafios de transporte para uma grande metrópole como São Paulo?

Um dos desafios mais comuns das grandes cidades é o comportamento das pessoas com relação aos carros, essa mentalidade de preferir o carro, seja dirigindo você mesmo ou de Uber, porque ele oferece o mesmo conforto. Com o compartilhamento de veículos você não tem de achar uma vaga de estacionamento, ter uma garagem em casa. Só que não é o bastante. O desafio é fazer as pessoas migrarem do uso de carros, seja particular ou compartilhado, para o transporte público ou modos não motorizados.

Isso é mais do que oferecer alternativas de transporte. Como governantes podem mudar o comportamento das pessoas?

É um assunto interessante. Tem a ver com nosso sistema de valores. A sociedade acredita nos carros. Ter um carro é ter sucesso. Um exemplo interessante é Paris. Eles tratam do tema dizendo que não são contra carros, são contra a poluição. Porque não há uma perspectiva de curto prazo de troca dos carros a combustível por outros elétricos. Discutir a poluição é uma estratégia muito boa para fazer as pessoas saírem dos carros, encorajá-las a pensar na mobilidade ativa. As cidades norte-americanas também têm esse problema. Os usuários de carros representam uma forte força política.

São Paulo cidade tem uma rede de metrô e, nos últimos anos, criamos uma de ciclovias. Mas as pessoas preferem os carros. Como mudar isso?

Isso é parte do motivo de o Prêmio Nobel de Economia deste ano ter ido para estudos sobre o comportamento. Há intervenções comportamentais que podemos desenvolver. O carro é a razão das experiências ruins do trânsito, mas as pessoas preferem ficar em seu veículo, ouvindo rádio, em vez de ficar no ponto de ônibus. Tem a ver com a percepção do tempo. No carro, o tempo passa de um jeito menos doloroso. A percepção do tempo é muito interessante. Há intervenções comportamentais que podemos desenhar para melhorar a experiência do passageiro na espera.

Mas e o transporte público?

Às vezes, as pessoas usam automóveis simplesmente porque não há melhor alternativa, ou elas não sentem benefícios na outra opção. Um dos nossos estudos é sobre uma plataforma de engajamento das pessoas para participar do planejamento dos sistemas de transporte. Basicamente é pegar pessoas interessadas em criar coletivamente redes de transporte para que elas também entendam quais são os problemas. E o design do transporte é crucial. Por isso estamos trabalhando com o triciclo autônomo (que se move sozinho), o veículo elétrico persuasivo. Percebemos que tínhamos de desenhá-lo de forma atrativa. O compartilhamento de bicicletas tem um problema que é o balanceamento. Há lugares onde não há bikes quando você quer e outros em que você não consegue estacioná-las. Estamos construindo um modelo em que você pega como um Uber e depois outra pessoa usa.

Esse veículo seria para o fim da viagem?

O último quilômetro é o grande objetivo. Em São Paulo, vocês têm linhas de metrô e usam ônibus para ir até essas linhas. E, do ponto de ônibus, ainda há esse último quilômetro - tem gente que chama o táxi para ir para casa. Para esse último quilômetro poderíamos ter esse triciclo barato e sem espera, mas não precisa ser exatamente isso. Precisa ser um veículo pequeno e pessoal.

Parte do seu trabalho trata do que se chama ‘design centrado nas pessoas’. O que é isso?

O conceito de sistema de transporte é feito de infraestrutura. Quando a infraestrutura funciona bem, você nem nota que ela existe. Só percebe quando não funciona. Um exemplo é fornecer as informações para que, por exemplo, as pessoas saibam que horas o ônibus passa. Outro aspecto importante é tornar a experiência de transporte adaptada para você. Muitas vezes, quando as pessoas dirigem o carro, não é porque querem o carro, mas porque querem ter como transportar as sacolas de compras, por exemplo. Gosto de correr e, se quiser correr ao mercado e fazer compras, posso colocar as sacolas no triciclo, e ele vai me seguir. Isso que é personalizar, ajudar a viver o estilo de vida que você quer.

Os problemas do trânsito atingem quase todas as grandes cidades. As saídas encontradas para a mobilidade poderiam ser aplicadas em todo o mundo?

A questão maior é a densidade populacional da cidade, e é ela que determina como enfrentar o trânsito. Você pode servir Nova York muito bem com sistema de metrô, há uma densidade super alta. Mas se você traz uma abordagem com metrô para Los Angeles, você não terá um número de viagens que justifique o investimentos. O que pode funcionar em São Paulo pode também dar certo em cidades similares, como a Cidade do México. O transporte público, de qualquer forma, é o que oferece as melhores soluções para a mobilidade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.