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Pneumologista da USP diz que kit covid é ‘uma perda de tempo injustificável’

Um exemplar do chamado kit covid distribuído pela Prevent Senior, segundo profissionais que denunciam a empresa por supostas irregularidades - Reprodução
Um exemplar do chamado kit covid distribuído pela Prevent Senior, segundo profissionais que denunciam a empresa por supostas irregularidades Imagem: Reprodução

Cristiane Segatto

São Paulo

06/02/2022 08h40Atualizada em 06/02/2022 09h57

O professor de pneumologia Carlos Carvalho, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e pesquisadores que ele coordena preparam pedido de revisão da nota técnica sobre o tratamento da covid-19 no Sistema Único de Saúde (SUS), assinada em janeiro pelo secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto.

O texto oficial, que defende medicamentos ineficazes contra a doença, como cloroquina, e nega a certeza de benefícios de vacinas, vai contra as diretrizes aprovadas em dezembro pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no SUS. Essas diretrizes são fruto de um trabalho de oito meses coordenado por Carvalho, que analisou evidências científicas sobre o tratamento hospitalar e ambulatorial da covid. Elas contraindicam o uso de remédios sem eficácia, como o chamado kit covid, foram aprovadas em dezembro.

Em entrevista ao Estadão, Carvalho avalia a decisão de Angotti Neto.

Qual foi o pedido do ministro da Saúde Marcelo Queiroga quando o senhor foi convidado para o grupo?

O ministro Marcelo Queiroga solicitou que fosse feita uma unificação das informações e orientações para familiares, pacientes e equipes de saúde que atendiam covid-19. Ele deixou bem claro que isso fosse feito com base na ciência, nos melhores conhecimentos científicos nacionais e internacionais. A primeira coisa que ele disse foi que não precisávamos discutir vacina porque isso era ponto pacífico, e ele queria ser reconhecido como o ministro que vacinou o Brasil.

Como foi composto esse grupo?

Mais de 150 pesquisadores de diferentes sociedades médicas e instituições participaram dessas diretrizes. O resultado do trabalho foi apresentado nas reuniões da Conitec.

O que aconteceu na reunião de outubro da Conitec, quando a votação acabou empatada por 6 a 6?

Quando geramos o documento do tratamento pré-hospitalar, alguns participantes da plenária da Conitec começaram a reclamar de coisas que, no passado, haviam elogiado. Como a metodologia que tínhamos usado e o cuidado que tivemos. A representante da Secretaria de Atenção Especializada em Saúde (Saes) do Ministério da Saúde, Maria Inez Gadelha, disse que o nosso grupo não tinha competência.

Como o senhor reagiu?

Rebati, mas isso nos deixou chateados. O grupo é composto de professores das melhores universidades do País. Se essas pessoas do ministério achavam que não tínhamos competência, deveriam ter avisado antes. Assim a gente não perderia tempo. A votação acabou empatada e foi para consulta pública. Revisamos o documento. Ele voltou para a Conitec, foi aprovado por 7 a 6, mas o secretário Hélio Angotti não publicou a diretriz. Resolveu pedir nova consulta, que ocorreu em 28 de dezembro, entre o Natal e o ano novo.

Como o senhor avalia a nota técnica publicada no final de janeiro?

O secretário rejeitou o nosso trabalho. O mais absurdo da nota técnica foi a tabela que menciona a vacina, algo que o ministro não havia pedido que fosse discutido. Nunca esteve na nossa pauta. O secretário compara cloroquina com vacina (uma forma de profilaxia) e técnicas como a ventilação não invasiva e a colocação dos pacientes graves na posição prona. Os estudos científicos que avaliam essas técnicas não são comparáveis com estudos de medicamentos. O secretário fez uma salada e incluiu uma tabela totalmente inadequada e absurda.

Vocês estão preparando contestação a essa nota?

Estamos fazendo uma resposta e um pedido de revisão. Solicitamos a publicação das diretrizes que contraindicam o uso de medicamentos sem eficácia. Quanto mais cedo isso ocorrer, a população e os profissionais de saúde poderão ser informados com um documento validado pelo Ministério da Saúde para servir de apoio ao tratamento.

Nesse episódio do kit covid, o que o Brasil não pode esquecer?

Não podemos esquecer como perdemos tempo discutindo um assunto injustificável. Faz um ano e meio que a ciência comprovou que o kit covid não seria útil. Mesmo assim, ficaram insistindo com tratamento alternativo sem sentido.