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SP tem alta de 91% de casos de vandalismo ou furto de fios de semáforos

Esse tipo de crime ganhou força durante a pandemia e com a crise econômica, que reduziu ou tirou a renda de milhões de brasileiros - Rafael Souza/UOL
Esse tipo de crime ganhou força durante a pandemia e com a crise econômica, que reduziu ou tirou a renda de milhões de brasileiros Imagem: Rafael Souza/UOL

Leon Ferrari

São Paulo

11/04/2022 15h36

Entre janeiro e março deste ano, 126 quilômetros de fiação elétrica precisaram ser reinstalados na capital paulista após furto ou vandalismo a semáforos. Mais de 1,8 mil ocorrências desses crimes foram registradas no 1º trimestre, conforme a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET): uma alta de 91% ante o mesmo período do ano passado (968 registros). Esse tipo de crime ganhou força durante a pandemia, com o esvaziamento das ruas por causa da quarentena, e também com a crise econômica, que reduziu ou tirou a renda de milhões de brasileiros nos últimos anos.

Além de trazer custos ao poder público, os danos à fiação elétrica e aos semáforos atrapalham o trânsito e aumentam os riscos de acidentes para veículos, ciclistas e pedestres. Em média, 21 equipamentos foram danificados diariamente. Os casos vêm crescendo desde 2019 e a região central da cidade, tradicionalmente, concentra grande parte das ocorrências. "Neste ano, entretanto, verifica-se um aumento significativo na zona Leste/Sudeste", diz a CET.

Comerciantes do centro relatam que o problema faz parte da rotina, ainda que eles não saibam dizer em quais situações houve furto, consequências das chuvas ou falhas de manutenção dos aparelhos. Cabeleireiro na Avenida Rio Branco, Isac Alves conta que, se um farol não funciona, cruzar a rua na hora do almoço ou da saída é um desafio. "Você depende da bondade dos motoristas."

Segundo ele, de 54 anos, parte dos motoristas remove os cones colocados pela CET quando há semáforos estragados, e o cruzamento vira uma "muvuca" em horários de pico. Alves também diz que o problema favorece a ação de ladrões. "Quanto mais bagunça, mais roubos", relata. Para os trabalhadores da região, os roubos de fios ocorrem de madrugada e o fato de estarem perto da Praça Princesa Isabel, agora conhecida como "nova Cracolândia", piora a situação.

Em menos de dois meses como atendente em uma assistência de celulares na Rio Branco, não foram poucas vezes que Thais Voltolin, de 24 anos, viu faróis piscando ou apagados. Já presenciou um furto à luz do dia, por volta das 9h, em um cruzamento com a rua dos Gusmões. Ela subia a rua, em direção ao trabalho, e viu uma grande confusão. "Eles usam bambus. Rodam (no fio) e puxam", conta.

Quem é motorista também reclama. Dilma Ferreira, de 43 anos, é recepcionista em um condomínio comercial da Avenida Ipiranga. Às 18 horas, o trajeto de volta para casa, em Osasco, é sempre tenso. "Nunca saí daqui para ir até a Marginal (Pinheiros), e todos (os semáforos) estavam funcionando. Pelo menos um está piscando", critica. "Fico com muito medo. Tem gente que vem com tudo."

Dona de uma banca de jornais perto da Praça da República, Ana Maria Domingos convive com o vandalismo nos semáforos das ruas do entorno e no seu próprio negócio. "Quebraram minhas lâmpadas, cortaram meus fios. Cortaram os fios das câmeras. Os fios da eletricidade." Para repor as lâmpadas, gastou cerca de R$890. "Quem está na rua, sabe que precisa ter um 'orçamentinho' a mais", afirma.

A recordista de ocorrências na cidade é a Avenida do Estado. Na altura do Parque Dom Pedro II, em encontro com a Rua Cavalheiro Basílio Jafet, a reportagem flagrou quatro semáforos inoperantes na sexta-feira, 8, entre 11h e 13h. Três piscavam o sinal amarelo e outro estava completamente apagado.

O segurança Fragundes Tavares, de 59 anos, relata nunca ter visto todos os semáforos em operação em um mesmo dia. "Nunca fica bom." Ele conta que, quando o movimento é mais intenso, transeuntes preferem andar algumas quadras a mais pela Cavalheiro Basílio Jafet, em busca de mais segurança para atravessar.

A CET, após contato da reportagem, vistoriou a região citada do Parque Dom Pedro II e "constatou semáforo embandeirado (duas luzes divergentes acesas)". O órgão informou ter acionado a equipe de manutenção.

CET e Segurança dizem combater crimes do tipo

Em nota, a CET ressalta que a cidade de São Paulo tem o maior parque semafórico do Brasil: 6.665 cruzamentos e travessias semaforizadas. Na avaliação da companhia, a pandemia impulsionou as ocorrências. "Com ruas mais vazias e menor fluxo de veículos em circulação, contribuiu para o aumento de furto de fios e atos de vandalismo nos equipamentos que controlam os semáforos", diz o órgão. "O vandalismo de um controlador pode afetar o funcionamento de até cinco cruzamentos semaforizados numa mesma região."

Além de equipes de manutenção trabalhando 24h, a CET informou fazer "o alteamento e reforço nas portas dos controladores semafóricos, a concretagem e soldagem das tampas das caixas de passagem da fiação, bem como das janelas de inspeção das colunas semafóricas". Destaca ainda ter ajuda da Secretaria de Segurança Pública (SSP), das polícias Militar e Civil e da Guarda Civil Metropolitana (GCM). Quem flagrar o crime pode denunciar pelos telefones 190 e 156.

Conforme a SSP, desde 2019, só a 3ª Delegacia de Polícia de Investigações sobre Crimes Patrimoniais contra Órgãos e Serviços Públicos apreendeu mais de 52 toneladas de fios e cabos de cobre, alumínio e fibra ótica, e prendeu 35 suspeitos em ações para coibir crimes dessa natureza. Também destacou que operações policiais fiscalizam estabelecimentos voltados à reciclagem, com apoio das subprefeituras.

Venda de fios de cobre é lucrativa, diz especialista

Pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Rafael Alcadipani afirma que o furto de fiação é "bastante lucrativo". "Muitos desses fios possuem cobre, um minério que aumentou muito seu valor, principalmente após a pandemia", explica.

"Se surge um mercado informal de compra de peças que estimula este tipo de furto, as pessoas que estão no desespero vão tender a entrar nesse mercado", afirma Jacqueline Sinhoretto, coordenadora do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que defende reforçar as políticas assistenciais na capital.

Ainda segundo Alcadipani, esses crimes dificilmente são orquestrados por facções. "Via de regra, são criminosos mais comuns, muitas vezes usuários de droga", diz ele, que também associa a alta à crise socioeconômica. Em dois anos, a população em situação de rua na cidade cresceu 31% e ultrapassou 31 mil pessoas.