Live que distorce informações sobre urnas é assistida por 415 mil pessoas
Uma live realizada nesta sexta-feira (4), por um canal argentino, divulgou dossiê apócrifo sobre supostas fraudes nas eleições brasileiras. O conteúdo é repleto de informações falsas e já está sendo usado por aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) para levantar dúvidas sobre o resultado das eleições.
A apresentação do dossiê foi publicada pelo canal La Derecha Diário, controlado por Fernando Cerimedo. Ele mesmo se encarregou de apresentar as informações falsas à audiência. Cerimedo é apoiador da família do presidente Bolsonaro e recebeu o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em Bueno Aires no dia 13 de outubro, pouco antes do segundo turno das eleições.
Em entrevista concedida ao site Noticias, publicada em 27 de outubro, Cerimedo disse manter amizade com Eduardo Bolsonaro desde 2010, quando se conheceram nos Estados Unidos. Na entrevista, o argentino é apresentado como "consultor do Bolsonaro pai no Brasil".
No vídeo, Cerimedo alega que recebeu o documento do Brasil, mas que ele não tem qualquer ligação com a campanha do presidente Jair Bolsonaro ou seu governo. Diz ainda que a transmissão foi feita da Argentina porque o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) considera crime levantar dúvidas sobre as urnas eletrônicas.
Eduardo já concedeu diversas entrevistas a representantes do canal. No Twitter, a principal publicação de Cerimedo é uma em que ele critica a esquerda e compartilha a foto de Jair Bolsonaro segurando uma bandeira com o nome do canal argentino.
O principal argumento apresentado no vídeo é de que cinco modelos de urnas eletrônicas usadas na eleição deste ano registraram mais votos para o petista Luiz Inácio Lula da Silva do que para o presidente Jair Bolsonaro (PL). Esses modelos, diz o dossiê, não teriam sido submetidos a teste de segurança. Apenas a urna 2020 teria passado pelo crivo de peritos de universidades federais e das Forças Armadas. Essa informação é falsa porque todos os modelos da urna já tinham sido submetidos a teste. Leia abaixo a íntegra da nota do TSE sobre a live de Cerimedo.
Quando os militares apresentaram mais de 80 questionamentos ao TSE sobre a urna eletrônica, uma das principais cobranças era que apenas o modelo 2020 não tinha sido submetido a testagem. Por isso, o Ministério da Defesa insistia que essa inspeção técnica fosse realizada. Os demais aparelhos, fabricados em outros anos e já utilizados inclusive na eleição de 2018 em que Jair Bolsonaro foi eleito, tinham sido submetidos ao chamado TPS (Teste Público de Segurança) em anos anteriores.
Diante da pressão dos militares, o TSE submeteu o modelo 2020 a análise de peritos de universidades federais. O vídeo mente ao dizer que os modelos antigos nunca foram testados.
A live chegou a ter mais de 415 mil visualizações simultâneas. Pouco depois, com internautas denunciando o conteúdo ao YouTube por causa das informações falsas, o próprio canal o tornou privado, impedindo o acesso geral à gravação. Apesar da restrição, o vídeo foi baixado e é disseminado em grupos bolsonaristas.
O deputado eleito Nikolas Ferreira (PL-MG) aderiu ao movimento de divulgar nas redes o conteúdo do dossiê apócrifo.
O dossiê do argentino é baseado em um relatório apócrifo que vem sendo compartilhado na internet há dias. Além disso, circulou em redes sociais de militantes extremistas um falso ofício do Ministério da Defesa dando um ultimato ao TSE. No ofício, é feita cobrança resposta para supostas fraudes até às 16h desta sexta-feira, dia 4. Além de ter erros de gramática, o documento é assinado pelo general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira,como comandante-geral do Exército, cargo que não ocupa desde 1º de abril. O Exército disse se tratar de montagem. Atualmente, o general é ministro da Defesa.
A narrativa falsa ganhou as redes bolsonaristas e mobilizou grupos que ainda se organizam para bloquear as estradas e se concentrar nas cercanias de instalações militares para pedir a intervenção do Exército em um golpe de Estado.
A live reproduzia um documento apócrifo de 70 páginas, que questionava dados da apuração. Intitulado "Fraude nas Urnas 2022", o material já havia chegado ao conhecimento de militares das Forças Armadas. Generais da ativa do Exército relataram que a live tem potencial de recrudescer as manifestações e concentrações em frente a unidades do Exército. Grupos permanecem acampados e pretendem virar a madrugada em frente ao QG em Brasília.
Procurado, o deputado Eduardo Bolsonaro ainda não se manifestou.
O que diz o TSE. Leia a seguir a íntegra da nota do tribunal sobre a live de Cerimedo.
"Não é verdade que os modelos anteriores das urnas eletrônicas não passaram por procedimentos de auditoria e fiscalização. Os equipamentos antigos já estão em uso desde 2010 (para as urnas modelo 2009 e 2010) e todos foram utilizadas nas Eleições 2018. Nesse período, esses modelos de urna já foram submetidos a diversas análises e auditorias, tais como a Auditoria Especial do PSDB em 2015 e cinco edições do Teste Público de Segurança (2012, 2016, 2017, 2019 e 2021).
Os resultados de todas as edições do TPS estão disponíveis para consulta no endereço abaixo: https://www.justicaeleitoral.jus.br/tps/#resultados
As urnas eletrônicas modelo 2020 que ainda não estavam prontas no período de realização do TPS 2021 foram testadas pelo Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP), além de ter o conjunto de softwares avaliado também pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Nas três avaliações, não foi encontrada nenhuma fragilidade ou mesmo indício de vulnerabilidade. O software em uso nos equipamentos antigos é o mesmo empregado nos equipamentos mais novos (UE2020), cujo sistema foi amplamente aberto para auditoria dentro e fora do TSE desde 2021. O relatório elaborado pela instituição pode ser encontrado no seguinte link:
https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Agosto/universidades-validam-nova-urna-e-codigos-fonte-dos-sistemas-eleitorais-357621
Por fim, ressalta-se que todas as urnas são auditadas e ela é um hardware, ou seja, é um aparelho. O que importa é o que roda dentro dela, ou seja, o programa, que ficou aberto por um ano para todas as entidades fiscalizadoras. O software da urna é único em todos os modelos, tendo sido divulgado, lacrado e assinado."
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