Entenda o que está em jogo no julgamento do STF do marco temporal
São Paulo
20/09/2023 13h48Atualizada em 20/09/2023 14h08
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira, 20, o julgamento que pode derrubar a tese do marco temporal, que diz que povos indígenas só poderiam reivindicar áreas territoriais que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O placar já está quatro a dois contra a tese.
O relator do caso, Edson Fachin, se pronunciou contrário ao marco, assim como os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso.
Os quatro entendem que o direito das comunidades à terra que tradicionamente ocupavam não depende do fato de estarem instaladas no local em 1988.
Os ministros Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor da tese, afirmando que a data deve ser fixada.
Manifestações de grupos indígenas e apoiadores ocorrem em vários lugares do País, reforçando seu posicionamento contra a aprovação da tese.
Afirmam que o marco temporal dificultaria a demarcação de novas terras indígenas, pois muitas comunidades foram tiradas de seus territórios por ações do regime militar e de grilheiros, entre outros.
Ao mesmo tempo, o Senado Federal se articula para acelerar a votação do tema para se contrapor ao julgamento no STF. O texto - uma PEC que poderia transformar o marco temporal em lei - já foi aprovada na Câmara dos Deputados e está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça da Casa.
Nesta quarta-feira pela manhã, o senador Marcos Rogério (PL-RO) leu na CCJ do Senado seu relatório a favor do projeto de lei que institui um marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Em seguida, o colegiado concedeu vista (ou seja, mais tempo para a análise do texto) e adiou a votação da proposta para a próxima semana.
O que é o marco temporal?
A tese do marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição Federal que afirma: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens."
A tese defende uma espécie de linha de corte, entendendo que uma terra indígena só poderia ser demarcada com uma comprovação de que a comunidade estava no local requerido na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988.
Essa proposta recebeu atenção em 2009 ao aparecer no julgamento do STF a respeito da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na época, o entendimento foi o local poderia ser demarcado porque a comunidade indígena estava instalada no local no 5 de outubro de 1988. No entanto, essa decisão favorável abriu caminho para o uso da tese contra o interesse de povos indígenas que não estivessem em suas terras nessa data.
Segundo ambientalistas e defensores dos povos indígenas, a aprovação da tese poderia mudar o curso de pelo menos 303 pedidos em andamento, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que esse tenha sido concluído. Essas terras somam 11 milhões de hectares (equivalente a 1,30% do território brasileiro), onde vivem cerca de 197 mil indígenas (0,20% da população do País).
De acordo com monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA) com base em publicações feitas no Diário Oficial da União, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas.
O andamento do marco temporal no STF
O Supremo julga a constitucionalidade da tese do marco temporal a partir de um caso específico que diz respeito a uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng.
Eles requerem a demarcação da terra indígena Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas das etnias Guarani e Kaingang. O STF iniciou a análise do caso em agosto de 2021, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, na época.
Ele voltou à pauta em agosto, mas foi suspenso no dia 31, depois do voto do ministro Roberto Barroso. Nesta quarta, ele volta à pauta com uma predominância da posição contrária ao marco. No entanto, os quatro ministros que votaram contra divergem no que diz respeito à indenização.
Em seu voto, Moraes defendeu que a União deve pagar uma indenização a fazendeiros que tenham ocupado os territórios de povos originários de boa-fé. Atualmente, já se prevê um pagamento pelas benfeitorias realizadas no local, mas o ministro defendeu que ele seja feito também pela terra em si e que seja prévio - assim, a indenização passaria a ser uma condicionante para a própria demarcação. As duas posições do ministro não estavam presentes no voto original do relator, Fachin.
Cristiano Zanin concordou parcialmente, mas definiu que a indenização não deveria ficar restrita à União, podendo ser paga também por estados e municípios. Além disso, opinou que o dever de indenizar não deveria interferir no procedimento de demarcação.
Já Luís Roberto Barroso chegou a discutir com Moraes na véspera do seu voto, sobre a questão da indenização. Em sua tese, disse que ela não pode impossibilitar a demarcação de uma terra indígena.