Integrante de grupo radical de direita na ditadura foi preso como louco
O nome Aladino Félix surge em documentos de investigação da ditadura ligado a um grupo radical de direita que praticou atentados em São Paulo para apoiar a manutenção do regime militar no Brasil. Antes informante, infiltrado na esquerda e próximo de militares, o homem que "salvara" a vida do presidente Costa e Silva ao revelar um possível ataque viu sua vida virar de pernas para o ar. Controverso, Félix passou a ser tratado como um doido. Após sua primeira prisão, a polícia o descreve como um místico que falava ter sido contatado por alienígenas e que se apresentava como o ungido que reunificaria as 12 tribos de Israel, enfim, um Messias.
À exceção do mentor general Trajano, que o conhecia havia cinco anos e intermediava contatos com altas fontes do governo para facilitar a operação do grupo radical ao qual Félix fazia parte, todas as outras autoridades militares ouvidas em inquérito do 2º Exército passaram a descrevê-lo como excêntrico. "Imaginação fértil e fantasiosa", disse, em 23 de outubro de 1968, o coronel Edgard Barreto Bernardes, da PF, designado para averiguar as denúncias sobre o plano de assassinato de Costa e Silva.
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"Pessoa com ideia fixa sobre subversão, atentados e conspiração", acrescentou o então chefe da PF no Rio, coronel Florimar Campello. O diretor-geral da PF, general Luiz Carlos Reis de Freitas, afirmou que era um "lunático esperto e oportunista, em busca de notoriedade". O delegado Alcântara o perfilaria como misto "de gênio e de louco".
Concatenadas, as declarações das autoridades, todas prestadas no mesmo dia, em depoimento que consumiu menos de uma lauda datilografada, levavam à desconstrução de Aladino Félix. O governo só não conseguiria explicar por que teria acreditado nos delírios de um místico a ponto de determinar a manobra militar, em janeiro de 1968, para inibir uma suspeita história de golpe contra o presidente.
Como a imprensa já estava sob censura, as mesmas autoridades que acreditaram no seu relato em janeiro e eram informadas diariamente pelo SNI (Sistema Nacional de Informações) nem se deram ao trabalho de esclarecer por que passaram a tratá-lo como lunático só sete meses depois da primeira investigação. Já no primeiro relatório sobre o caso, o delegado Alcântara afirmava que Aladino Félix "realmente" tinha contatos com autoridades do governo federal até ser preso.
Crime e perdão
Em 30 de setembro de 1970, a Segunda Auditoria da Justiça Militar de São Paulo afastou Trajano do processo por achar que "não era o caso" de investigá-lo.
Os quatro conselheiros, acatando o relatório do juiz Nelson Machado Guimarães (o único civil da turma e cuja atuação ficou marcada por sentenças implacáveis e duras com militantes da esquerda), consideraram que não havia provas sobre os atentados e condenaram Aladino Félix e o soldado Jessé Cândido de Moraes, pela Lei de Segurança Nacional, a cinco anos de reclusão por "terrorismo", apenas com base no furto de armas do Quartel-General da Força Pública, como se chamava na época a Polícia Militar. Os demais envolvidos foram condenados a penas mais baixas, entre um e três anos.
Com a abertura de inquérito militar contra o general Trajano, detentor de foro privilegiado, o processo subiria para o STM (Supremo Tribunal Militar). Lá, inconformado com a sentença, o advogado do grupo radical, Juarez de Alencar, sustentou toda a linha de defesa no perfil dos réus e nos objetivos políticos dos atentados, que, segundo ele, haviam sido desvirtuados no inquérito policial. Disse que Aladino Félix e os militares "estavam convictos, na sua posição de homens de direita, e de defensores da Revolução de Março, da absoluta legalidade revolucionária de suas ações".
Alencar lembra que Trajano, "companheiro e amigo" de Costa e Silva, deu ao regime "notícia indiscutível da intentona", argumentou que "quem está com o governo não pode ser condenado pelo próprio governo" e pediu não apenas a absolvição de todos, mas também que os militares liderados por Aladino Félix fossem perdoados, reincorporados à Força Pública e promovidos.
Foi atendido quase plenamente. Em outubro de 1970, seguindo parecer da procuradora Mary do Valle Monteiro no recurso de apelação, os ministros do STM absolveram todos os demais acusados e reduziram a pena de Aladino Félix para oito meses.
O STM descartou os atentados a bomba e os demais crimes, fixando a pena só pelo furto das armas, procedimento bem diferente do aplicado pela mesma Justiça aos militantes da esquerda armada.
Aladino Félix permaneceu preso, aguardando um exame de sanidade mental solicitado pelo Conselho Permanente de Justiça, este convencido pelos argumentos de que se tratava de um doido. O general Paulo Trajano da Silva, já absolvido, também estava livre de desconfortos.
Semi-imputável
O laudo assinado por dois psiquiatras forenses, José Roberto Belelli e Carlos Roberto Hojaij, definiu Aladino Félix como detentor de personalidade egocêntrica, com inteligência acima da média e domínio pleno dos temas sobre os quais era instado a falar, mas, no final, corroborou a tese das investigações.
"Não se trata de doente mental. Trata-se de portador de perturbação da saúde mental cuja capacidade de entendimento ao tempo dos fatos era apenas parcial", dizem, no documento encaminhado no dia 7 de outubro de 1971.
A procuradora Mary Valle Monteiro, que antes considerara que o processo inteiro era "tudo loucura", já esperava o resultado. "A conclusão de que é fronteiriço não nos decepciona. É um semi-imputável", afirma, pedindo a confirmação da sentença de oito meses de reclusão, plenamente acatada pela turma do STM, conforme despacho do ministro Lima Torres, em 12 de janeiro de 1972. "É, no mínimo, um lunático", acrescentou o ministro. Inconformado com o estigma de débil mental, Aladino Félix recorreu ao STF.
Sem que nenhum fato novo tenha ocorrido, o recurso de apelação dormitou 21 meses no STF até que o relator, ministro Rodrigo Alckmin (tio do presidenciável tucano Geraldo Alckmin), encerrasse o caso no dia 9 de outubro de 1973, com um despacho de cinco linhas, em que negava provimento à apelação.
Aladino Félix e os demais envolvidos já estavam em liberdade e o país, mergulhado na ditadura, vivia sob o AI-5 nos chamados "anos de chumbo".
Félix amargou uma longa temporada atrás das grades. Foi preso pela primeira vez em 22 de agosto de 1968, mas teve a prisão relaxada em 17 de outubro pelo juiz da 9ª Vara Criminal de São Paulo, responsável pelo processo relacionado ao roubo ao BMI (Banco Mercantil e Industrial) de Perus, que descobriu as ações do grupo. A soltura, na verdade, foi um cochilo dos militares responsáveis pelo inquérito do 2º Exército, que empreenderiam uma verdadeira caçada para prendê-lo novamente nove meses depois.
No dia 15 de setembro, ele conseguiu escapar pela porta da frente da Casa de Detenção, no Carandiru, mas acabou preso novamente uma semana depois.
Ironicamente, foi levado para o Presídio Tiradentes, onde teve de conviver com presos políticos de esquerda. Estava entre os detentos contados em um mutirão do Judiciário destinado a avaliar o cumprimento de penas no final de 1971. Só seria solto definitivamente em janeiro de 1972, depois de cumprir, em regime fechado, mais de três anos de cadeia, dois anos e quatro meses a mais do que o tempo previsto na sentença definitiva.
Aladino Félix morreu aos 68 anos, em circunstância prosaica (complicações geradas por medicamentos que havia ingerido para uma simples cirurgia de hérnia), no dia 11 de novembro de 1985, ano em que o país, já livre da ditadura, ingressava na redemocratização.
* Colaborou Ivan Seixas. Pesquisa iconográfica e edição de imagens Paula Cinquetti
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