General apoiou grupo de direita em atentados pró-ditadura, dizem documentos
Em meio às investigações sobre um grupo de direita apontado como autor de atentados para intensificar a ditadura no Brasil em 1968, a figura de um general da reserva aparece como peça central. Na organização do grupo em São Paulo, formado por policiais militares (na época a Polícia Militar chamava-se Força Pública), Paulo Trajano da Silva é apontado como facilitador das ações de guerrilha do grupo, que explodiu bombas em instalações públicas e roubou armas da própria polícia para suas ações. O militar teria usado sua influência nas forças de segurança para manter o grupo longe de maiores apurações por parte das autoridades da época.
Apontado por Aladino Félix, líder do grupo extremista, como o homem que deu a ordem para o furto das armas no quartel-general da Força Pública e de um atentado a bomba no antigo quartel-general do 2º Exército, Trajano expressou espontaneamente, no depoimento que prestou no dia 2 de setembro de 1968, no inquérito aberto pelo 2º Exército para investigar o envolvimento do general com o grupo, um desejo que, cem dias depois, se revelaria profético: "O governo federal deveria aproveitar o momento para endurecer o regime, acabando de vez com a desordem reinante no país", disse.
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Ao Dops, que assumiu o caso assim que o grupo se responsabilizou pelos atentados terroristas, o general Trajano contou que havia relatado o furto das armas ao então chefe da Polícia Federal (PF) no Rio (Guanabara, à época), general Luiz Carlos Reis de Freitas. Acrescentou que, assim que soube do furto das armas na casa de Aladino Félix, chegou a comentar com Freitas que o episódio serviria para "desnortear" oficiais da Força Pública, que, segundo versão nunca comprovada, conspiravam contra o governo.
A mesma história foi contada por Félix em seu relato-confissão. Segundo ele, os oficiais da Força Pública preparavam uma rebelião para derrubar Costa e Silva. O movimento teria sido gestado na França, por meio de contatos do ex-presidente Juscelino Kubitschek com Charles de Gaulle, em uma articulação que envolvia, no Brasil, os dirigentes da Frente Ampla liderada por Carlos Lacerda e apoiada por outros líderes cassados pela ditadura.
O levante ocorreria no dia 25 de janeiro, com o assassinato do presidente e do ex-governador Abreu Sodré. Nesse dia, diz, Costa e Silva estaria na capital, participando das comemorações em homenagem ao aniversário da cidade. Lacerda também estaria em São Paulo, em um evento no Teatro Municipal, de onde daria a senha para desencadear a rebelião, que seria seguida por levantes na Brigada Militar gaúcha e nas PMs de Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Goiás e Bahia.
No início de janeiro, segundo as investigações, Aladino Félix e Trajano se encontrariam várias vezes. O general diria que ouvira e acreditara na conspiração e, como era amigo de Costa e Silva, que anos antes havia sido seu comandante no Segundo Batalhão de Infantaria do Exército em São Paulo, decidiu informar o governo.
No depoimento, diz que Félix teria se passado como aliado dos conspiradores e chega a afirmar, numa versão que a própria polícia considerou delirante, que viu um primo e homem de confiança de Lacerda, Paulo Bucker Lacerda, "confabulando" com o místico no escritório deste.
O general sustentava que, convencido dos riscos que o regime e o presidente corriam, procurou a chefia da PF do Rio de Janeiro. De fato, dias depois, ele e Félix foram ao Rio e detalharam o que sabiam -- este colocou tudo em um relatório datilografado. A PF passou a tratar como informação real e a repassou ao chefe da Casa Militar do Palácio do Planalto, general Jayme Portella. Costa e Silva, então, cancelou a viagem a São Paulo.
No dia 27 de janeiro, com Marinha e Aeronáutica de prontidão, o Exército cercou e fez uma série de incursões pela capital paulista, mas nada de anormal foi registrado. Só em março, os jornais noticiariam que um golpe havia sido abortado e apontavam o principal responsável pelo desmonte dessa rebelião: Aladino Félix. Era aplaudido pela direita e, em entrevistas, chegou a afirmar que enviou, sim, um bilhete que chegara às mãos de Costa e Silva.
Nos meses seguintes, as ações da direita e da esquerda se alternariam. A VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) colocaria uma bomba na sede do Estadão, que à época estava instalado na Rua Major Quedinho, no centro da capital, e roubaria um paiol de armas no Hospital Militar do Exército.
Por outro lado, os paramilitares dariam curso aos atentados em série. Em um só dia, 19 de agosto, véspera das primeiras prisões por causa do roubo ao BMI (Banco Mercantil e Industrial), em São Paulo, explodiriam as bombas no Dops e nas varas distritais criminais da Lapa e de Santana.
Os terroristas e o militar
Com o esclarecimento do roubo ao BMI, em 1968, vieram à tona o furto das armas e os demais atentados (mais detalhes aqui). Trajano admitiu, em depoimento ao Dops, que foi informado e viu as armas furtadas na casa de seu amigo Félix, mas negou que soubesse das demais ações.
Depoimentos e acareações feitas pela polícia colocam o general, no entanto, na cena em que se planejou o furto: todos disseram que, consultado sobre a ação, o general pediu um tempo para responder, e que só teria dado a ordem de execução depois de conversar com o comando da PF no Rio.
Um dos militares do grupo, o sargento Rubens Jairo dos Santos, diretamente envolvido em várias explosões de bomba, apontou o dedo direto para o amigo do presidente: "O general Trajano deu a ordem para colocar a bomba no QG do 2º Exército", afirmou o militar, em depoimento.
O objetivo, segundo ele, era assustar e alertar o então comandante da força, general Syseno Sarmento, sobre a continuidade da conspiração entre oficiais da Força Pública, mesmo depois de "abortado" o suposto plano de assassinar o presidente.
O delegado do Dops tachou de "evasivas" as respostas do general nas acareações e afirmou que os que o acusaram de envolvimento no furto se comportaram de maneira firme e convincente. Mas, em relação à suposta conspiração contra Costa e Silva ter motivado o comportamento do general, o delegado Sidney Benedito de Alcântara se mostrou mais crédulo.
Em seu relatório, ele diz que o general Trajano "queria ser solidário a Costa e Silva, com quem servira na vida militar e de quem recebeu valiosos apoios". Reconhece, no entanto, ser implausível que um militar experiente se deixasse iludir por teorias conspiratórias que o teriam feito assumir "conduta terrorista".
Poupado pela Justiça Militar de São Paulo, que nem sequer o considerou investigado, Trajano se tornaria alvo de um inquérito só mais tarde, aberto inicialmente no Rio e, depois, transferido para o 2º Exército, em São Paulo. Foi preso em setembro, no QG da Segunda Divisão do 2º Exército, até que concluísse seu interrogatório, algo como uma prisão provisória nos dias de hoje.
Mesmo acusado de terrorismo, foi solto alguns dias depois por decisão unânime dos ministros do STM, entre os quais votou contra a decretação de prisão preventiva o general Ernesto Geisel, que, em 1974, sucederia como presidente o general Emílio Garrastazu Médici, chefe do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) no período dos atentados da direita.
* Colaborou Ivan Seixas. Pesquisa iconográfica e edição de imagens Paula Cinquetti
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