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Brasileiros relatam conflitos e 'apagão midiático' em Istambul

03/06/2013 12h54

Ao chegar em Istambul de ônibus na sexta-feira o fotógrafo armênio-brasileiro Stepan Norair deparou-se com um cenário desolador. "Havia muitos destroços nas ruas e pessoas intoxicadas por gás lacrimogêneo: alguns vomitavam, outros tinham dificuldade para enxergar ou usavam máscaras de gás lacrimogêneo artesanais para tentar se proteger. Eu mesmo tive sangramentos na boca e nariz e meus olhos ficaram vermelhos", contou à BBC Brasil.

Stepan vinha do interior do país, onde está trabalhando em uma série documental sobre a história da comunidade armênia na Turquia. O ponto final de seu ônibus era justamente na praça Taksim, epicentro das manifestações contra o governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, que nos últimos quatro dias se espalharam para diversas cidades turcas.

Na sexta-feira, policiais reprimiram duramente um protesto contra um projeto de urbanização do parque Gezi, nas proximidades da praça Taksim - e o confronto foi o estopim para a onda de manifestações contra o governo.

Segundo informações oficiais, 1.800 pessoas teriam sido presas desde então. A organização Anistia Internacional divulgou que os protestos teriam deixado dois mortos e centenas de feridos, mas seus relatos não foram confirmados.

"Quando saí de casa no sábado havia vidros quebrados, sinais de destruição e sujeira por todos os lados", conta o estudante brasileiro Jairo do Amaral, que há dois anos estuda arquitetura na Universidade de BahçeÅŸehir.

Jairo tem vários colegas que estão participando dos protestos e diz que um deles teria tido o rosto desfigurado por golpes da policia.

Ele passou o fim da tarde de sábado em Taksim e conta que, na ocasião, o clima entre os manifestantes que haviam ocupado o local era de "festa". "A polícia não agiu contra os que estavam na praça nesse dia, mas ficamos sabendo que à noite invadiu minha universidade porque ela estava ajudando a abrigar e tratar manifestantes feridos", conta o brasileiro.

"Moro a 1,5 quilômetros do campus e ao chegar em casa tive de fechar a janela: respirava-se gás lacrimogêneo em todo o bairro de BeÅŸiktaÅŸ e havia muitos policiais nas proximidades."

Cobertura

O que mais parece ter impressionado Jairo, porém, é algo que também chamou a atenção de outros brasileiros na Turquia.

"Há uma espécie de apagão midiático no país", denuncia uma operadora de turismo brasileira, que vive na Turquia há dez anos e não quis se identificar por medo de represálias.

"Com exceção da Halk TV (vinculada à oposição), todas as outras emissoras estão dedicando muito pouco tempo e espaço para a cobertura dos protestos e quem quer se informar sobre eles precisa buscar emissoras internacionais ou mídias sociais."

A brasileira conta que trabalha perto de Taksim - o que lhe permite acompanhar o que acontece na região.

"No momento em que os conflitos na praça estavam mais intensos, até a CNN turca preferiu levar ao ar um documentário sobre pinguins", completa a brasileira, repetindo uma informação que vem sendo divulgada por mídias sociais, mas não foi confirmada pela emissora americana.

"Os jornais e TVs noticiam que há centenas de pessoas se manifestando, quando na verdade há centenas de milhares", acrescenta Stepan.

Os manifestantes acusam Erdogan, do Partido Justiça e Desenvolvimento (Adalet ve Kalknma Partisi, ou AKP) de ser muito autoritário e adotar, pouco a pouco, medidas para acumular poder e "islamizar" a Turquia, minando a separação entre religião e Estado que é um dos legados do líder nacionalista Mustafá Kemal Ataturk.

Erdogan nega as acusações e diz que as manifestações estão sendo instigadas pelo opositor Partido Republicano do Povo (Cumhuriyet Halk Partisi, ou CHP) para desestabilizar seu governo. "O principal partido de oposição, CHP, está instigando cidadãos inocentes (a protestarem). Mas quem está chamando esses eventos de Primavera Turca (em alusão à Primavera Árabe) não conhecem a Turquia", disse o premiê nesta segunda-feira.

Segundo os brasileiros ouvidos pela BBC Brasil, as manifestações anti-governo são generalizadas. "Há panelaços e buzinaços por toda a cidade e, durante os protestos, quem está em casa acende e apaga as luzes para sinalizar apoio", diz Jairo.

"Parece que uma parte importante da população realmente chegou ao seu limite e quer dar um basta a medidas e práticas que consideram perigosas desse governo."