Entre desilusão e otimismo, manifestantes avaliam legado de um ano de protestos
Passado um ano desde o início da onda de protestos populares que se espalhou pelo país, como as pessoas que tomaram as ruas em 2013 avaliam os efeitos que os protestos tiveram?
A BBC Brasil revisitou cinco jovens de diferentes perfis e graus de militância política que haviam sido entrevistados pela reportagem em julho passado após participarem dos protestos em suas cidades.
Na época, Denis Neves havia se convertido em uma liderança comunitária na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, após organizar uma caminhada pacífica e se reunir com o então governador Sergio Cabral e o prefeito Eduardo Paes. Hoje ele se sente desmotivado com a falta de avanços em sua comunidade.
Já Lúcio Amorim, também do Rio, acha que, apesar de poucas mudanças práticas, o grande legado dos protestos é o fato de a política ter entrado de vez nos debates populares. "Tenho fé na próxima geração se conscientizando sobre essa nova ótica", avalia.
Confira os depoimentos:
Denis, do RJ: 'Perdi a motivação'
Em junho de 2013, Denis da Costa Neves, então com 27 anos, começou a "respirar política", em suas palavras. Organizou uma passeata com milhares de pessoas da Rocinha (RJ), onde mora, até a casa do então governador Sergio Cabral. O grupo levou demandas específicas de melhorias na Rocinha, e Denis despontou como uma liderança comunitária.
No entanto, um ano depois, poucas das demandas da comunidade foram atendidas, diz Denis. "Muito pouco mudou no âmbito municipal - começaram a construção de uma escola e aguardamos a inauguração de uma creche -, e nada mudou no âmbito estadual. Nada foi feito, apesar das várias reuniões que tivemos. Queríamos participar de uma comissão de fiscalização das obras do PAC, mas desandou. E as obras estão paradas."
Com tudo isso, Denis diz que "desanimou" da mobilização política.
"Estou meio sem tesão de estar lá militando. Continuo indo nas reuniões, debatendo. Mas estou com outras prioridades, estou me formando (em design, pela PUC-RJ). Continuo ativo, mas sem a motivação inicial ao entender como a política funciona. Tudo é (feito em busca) do voto e por interesses pessoais; nada é proposto para melhorar a comunidade. Comecei a ler sobre partidos, mas por enquanto não quero vínculo com nenhum."
Bruno, de BH: 'Meu receio é com as eleições'
Bruno Vieira, 28, educador e jornalista de Belo Horizonte, participou dos protestos de junho de 2013 com seus colegas do coletivo Conexão Periférica. Na época, avaliou que a população estava "se posicionando mais" e saudou a criação de "assembleias populares horizontais", grupos cidadãos constituídos após os protestos.
Mas Bruno também vê poucos avanços desde então. "As várias manifestações e greves atuais estão acontecendo pela insatisfação que permanece. Não houve comprometimento das lideranças políticas, e as necessidades das ruas ainda existem", opina.
Uma de suas preocupações atuais é com a polarização política do país. "Meu receio é como isso se traduzirá nas eleições - se numa continuidade de algo que está ruim ou em uma guinada à direita, que tornaria as coisas piores", opina.
Ele continuou participando de protestos no último ano e voltou sua atuação sobretudo para debates em torno da mobilidade urbana na capital mineira. Acha que "a Copa vai acontecer como evento, mas não como legado".
As assembleias populares criadas no ano passado continuam a existir, mas são tratadas com "indiferença" pelas lideranças políticas mineiras, diz Bruno.
"Estou meio otimista, meio pessimista. Se é com protestos que conseguiremos minimamente abrir o debate e criar incômodo, é o que temos de fazer. Não é com ativismo de sofá que mudaremos algo."
Lucio, do RJ: 'Legado é o debate político'
As manifestações de 2013 "redimiram nossa geração" por tirá-la da inércia política, opinou na época Lucio Amorim, 30, que protestou no Rio de Janeiro.
Para o consultor de marketing, o maior legado de 2013 é justamente "a discussão da própria política".
"Foi interessante como a política entrou na pauta, mesmo que de forma superficial. Antes não se falava tanto de ideologia. Isso talvez seja a maior conquista. A mobilização popular faz pressão, e as instituições públicas precisam disso", opina.
Ao mesmo tempo, diz, seria "utópico" esperar grandes mudanças no país em apenas um ano.
"Temos problemas muito complexos, que dependem não apenas de decisões políticas, mas de processos jurídicos e legislativos. A grande consequência talvez seja sentida apenas com a próxima geração, que terá crescido com essa nova consciência."
Lucio apoiou as manifestações anti-Copa. "Quando a causa merece atenção, o mais inteligente é associá-la a algo que chame a atenção, como a Copa. Claro que há antigovernistas, que os protestos não são espontâneos. Mas são válidos de qualquer forma, porque falam com eloquência de muitas das coisas erradas no país. É a vantagem da democracia. O perigo é só a radicalização, que afasta as pessoas das ruas e serve mais a quem reprime do que aos próprios manifestantes."
Maitê, de SP: 'Bagunça atual não tem sentido'
Em junho passado, a paulistana Maitê Peres, hoje com 22 anos, pela primeira vez participou de protestos, animada com a ideia de "ver tanta gente se mexer e querendo mostrar que estava se saco cheio".
Hoje, porém, vê oportunismo nos protestos atuais e tem menos ânimo de sair às ruas para se manifestar.
"Acho que naquela época a gente conseguiu o que queria, que era a redução da tarifa do transporte público. O que piorou agora é que tudo virou (motivo para) manifestação, e tem muita gente se aproveitando desse clima de bagunça. Voltaria às ruas se tiver algum motivo, mas nessa bagunça atual não faz sentido."
A redatora publicitária diz que ela e seus amigos engajados politicamente apoiaram a realização da Copa.
"Não é o momento de fazer o que estão fazendo (protestar contra o Mundial), que tá na cara que é um boicote político para a Dilma (Rousseff) não se reeleger. E acho muito feio se aproveitar de um momento político que poderia ter sido bonito para o país para fazer isso."
Maria Claudia, de Brasília: 'As coisas não melhoraram'
"Foram os protestos mais relevantes da minha vida", disse em 2013 Maria Claudia Nunes Pinheiro, 32, que se manifestou em Recife, onde nasceu, e em Brasília, onde mora.
Mas ela não acha que o Brasil melhorou desde então.
"Tudo ficou mais complicado com a intensidade que as coisas tomaram. (Do lado do governo), houve medidas paliativas contra a ebulição social, mas as coisas não melhoraram."
Maria Claudia disse não ter visto muito sentido nos protestos contra a Copa dos últimos meses. "Sete anos atrás, comemoramos quando o Brasil ganhou a Copa. Não é agora que vamos resolver todos os problemas."
A administradora pública acha que os protestos atuais "perderam o foco".
"Acho que tem mais coisas que podemos fazer do que sair à rua para quebrar as coisas. Perdeu-se aquilo de ir para as manifestações por conta própria, parece ter gente (forças políticas) por trás dos protestos. Estamos em um momento em que os motivos para se manifestar são vários - educação, saúde, corrupção. Mas o que me levaria de volta às ruas seria uma proposta organizada para defender ideais coletivos do país, não essas questões (de caráter) partidário."
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