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Reforma agrária: entenda a disputa entre ministros Kátia Abreu e Patrus Ananias

Declarações recentes de ministra da Agricultura e ministro do Desenvolvimento Agrário evidenciaram diferenças sobre o funcionamento das pastas - Reuters/Agência Brasil
Declarações recentes de ministra da Agricultura e ministro do Desenvolvimento Agrário evidenciaram diferenças sobre o funcionamento das pastas Imagem: Reuters/Agência Brasil

Mariana Schreiber

Em Brasília

07/01/2015 06h34

As primeiras declarações dos novos ministros Kátia Abreu (Agricultura) e Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário) colocaram em evidência as diferenças que existem entre as duas pastas.

Enquanto o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) tem historicamente foco maior nos grandes produtores, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) funciona como o contraponto, dando especial atenção à população rural mais pobre.

Estridente e polêmica, Abreu jogou a tensão no ventilador ao declarar ao jornal "Folha de S.Paulo", em entrevista publicada na segunda-feira, que "latifúndio não existe mais" no país e que a reforma agrária deve ser "pontual, para os vocacionados [para o campo]".

Na terça-feira, Ananias reagiu em seu discurso de posse, ao dizer que "ignorar ou negar a permanência da desigualdade e da injustiça é uma forma de perpetuá-las". "Por isso, não basta continuar derrubando as cercas do latifúndio; é preciso derrubar também as cercas que nos limitam a uma visão individualista e excludente do processo social", disse.

Reiteradas vezes ele destacou a importância de se cumprir a "função social" da propriedade, preceito previsto na Constituição segundo o qual o imóvel rural deve ser produtivo, preservar o meio ambiente e cumprir as leis trabalhistas. Caso contrário, tem de ser desapropriado para reforma agrária, afirma a Carta Magna.

O consultor Rui Daher, da Biocampo Desenvolvimento Agrícola, nota que a diferença entre os dois ministérios não é de hoje. Ele observa que "o Ministério da Agricultura tem um aspecto mais burocrático, regulatório, que atende mais às reivindicações de recursos e financiamento para grandes culturas de exportação".

Em outras palavras, explica, a pasta tem atuado "mais como se fosse uma subsidiária do Ministério da Fazenda para distribuir recursos para a grande agricultura". Fora isso, basicamente o órgão realiza a aprovação de novos insumos agrícolas e agrotóxicos, acrescenta Daher.

"É uma estrutura que ficou muito parada no tempo", afirma o especialista.

Daher destaca que o comando do Ministério da Agricultura está há anos nas mãos do PMDB (desde 2007), sendo comandado por pessoas "pouco entendidas" na área. Ele considera que Kátia Abreu, apesar de problemas graves como o desdém pelos povos indígenas, é um avanço sob esse ponto de vista, pois conhece bem o setor.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário, por sua vez, sempre esteve subordinado ao PT desde que Lula assumiu a presidência em 2003. Sua atuação durante todo o período se focou nas causas sociais, com especial atenção à reforma agrária e aos pequenos produtores, que respondem por 80% das 5 milhões de propriedades agrícolas, afirma o consultor.

"Esse segmento foi muito apoiado nos últimos anos e, para dar continuidade a isso no segundo mandato da Dilma, acredito que a melhor escolha que ela podia ter feito é do Patrus Ananias, que já foi ministro do Desenvolvimento Social [onde desenvolveu o Bolsa Família] e tem um viés muito mais voltado para esse lado".

Obrigação

O geógrafo e professor da USP Ariovaldo Umbelino, especialista em reforma agrária, também frisa a diferença entre as duas pastas e minimiza a relevância das declarações de Kátia Abreu. Segundo ele, a reforma agrária é atribuição do MDA, enquanto o Ministério da Agricultura cuida da "produção capitalista" e não deve intervir no assunto.

Ele destaca que a distribuição das terras que não cumprem sua função social "não depende da vontade de ministro A ou B" porque a Constituição Federal obrigada o governo a realizá-la.

Segundo o artigo 184 da Carta, "compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária".

Umbelino observa que a reforma agrária ganhou fôlego no primeiro mandato do presidente Lula, mas perdeu ritmo no seu segundo mandato e no da presidente Dilma Rousseff. Uma das justificativas da atual presidente para a redução dos novos reassentamentos é que seu governo privilegiou a melhoria da estrutura dos que já existem, garantindo mais acesso a recursos e orientação técnica.

Na avaliação do especialista, o ministro Patrus Ananias, nome histórico do PT, tem poder político para fazer frente ao crescente prestígio de Kátia Abreu junto à presidente e intensificar novamente esse processo. A ministra foi nomeada apesar da resistência do próprio PMDB, que preferia a manutenção de Neri Geller no comando da Agricultura.

A aproximação com entre as duas começou quando Dilma ainda era ministra da Casa Civil e foi diagnosticada com câncer em 2009. Segundo relato da senadora ao programa "Poder e Política" do portal UOL, na ocasião ela escreveu uma carta à presidente se solidarizando no processo de tratamento.

Depois disso, a ligação das duas se intensificou quando Abreu foi recebida algumas vezes pela presidente na condição de representante do setor agrícola, já que ela presidia a CNA.

"Os ministros todos têm poder igual. Se a presidente vai escutar a ministra ou o ministro, aí é outra história", disse Umbelino.

Diálogo

Apesar do claro embate entre os dois novos ministros em torno da reforma agrária, ambos acenaram para o diálogo em seus discursos de posse.

Abreu fez um pronunciamento na segunda-feira muito mais conciliador do que a entrevista concedida à "Folha de S.Paulo", na qual, além de negar a existência do latifúndio, declarou que os conflitos fundiários com indígenas ocorrem porque eles "saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção".

no seu discurso, a ministra, que é odiada por ambientalistas, defendeu o uso sustentável da água e disse que "há alternativas para produzir sem comprometer o meio ambiente". Além disso, afirmou que seu ministério não fará segregação.

"Este será o ministério dos produtores rurais, sem nenhuma espécie de divisão ou segregação, e das empresas. Será um ministério da produção. Mas será acima de tudo um ministério do diálogo. Um ministério dos brasileiros", afirmou Abreu, encerrando seu discurso.

Já Ananias, afirmou em seu pronunciamento que o MDA vai "buscar ações concertadas com todos os ministérios e órgãos públicos nacionais que tenham conosco áreas afins e complementares".

Brecha?

Rui Daher prevê uma convivência difícil e pouco harmoniosa entre os dois, mas vê uma possibilidade de tanto Abreu quanto Ananias se abrirem para um trabalho mais colaborativo.

"Acho que há uma grande vantagem aí: a Kátia tem pretensões políticas maiores, e o Patrus tem uma sensibilidade social muito grande. Então, há uma possibilidade que ele faça a Kátia Abreu sair desse reinado ruralista e descer até o lado das interações sociais. Por um lado, a escolha (dos dois) tem um potencial que antes não existia", analisa.

Além disso, vale notar que a própria presidente Dilma Rousseff, conhecida pelo seu estilo centralizador e gosto em intervir diretamente nos ministérios, quer puxar a atuação do Ministério da Agricultura para a área social.

A presidente deu orientação direta à nova ministra para que aumente a classe média rural. Katia Abreu assume com uma meta objetiva de dobrar o tamanho da classe C no campo.

Hoje, segundo dados citados pela ministra em seu discurso, 15% dos mais de 5 milhões de produtores rurais estão na classe C, enquanto 70% estão na D e E. Abreu prometeu maior assistência técnica e oportunidade aos pequenos produtores como caminho para atingir o objetivo da presidente.