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Direito histórico e lobby poderoso são adversários de Obama contra armas

Alessandra Corrêa

De Winston-Salem, para a BBC Brasil

19/06/2015 06h55

O ataque de um atirador de 21 anos que deixou nove mortos na noite de quarta-feira, em uma igreja histórica da comunidade negra em Charleston, na Carolina do Sul, reacendeu o debate sobre o controle de armas nos Estados Unidos.

Ao comentar as mortes o presidente Barack Obama lamentou ter que fazer pronunciamentos de pesar sobre crimes com armas frequentemente. Desde que assumiu o poder, foi a 14ª vez que o presidente falou após um tiroteio com vítimas.

"Mais uma vez pessoas inocentes foram mortas por alguém que não teve nenhuma dificuldade em colocar suas mãos em uma arma. Em algum momento nós, como país, teremos de encarar o fato de que esse tipo de violência em massa não acontece em outros países avançados. Não acontece em outros lugares com esse tipo de frequência", afirmou Obama.

Direito constitucional

Nos Estados Unidos o direito de portar armas é garantido pela Segunda Emenda da Constituição. Parte de um trio de emendas classificadas como "guardiãs da liberdade", ela foi aprovada em 1791, 25 anos depois da promulgação do documento principal.

Sua inclusão foi justificada fortemente pelo contexto da época: os americanos ainda estavam traumatizados pela Guerra de Independência contra a Grã-Bretanha (1775-83), durante a qual as tropas britânicas promoveram um grande confisco de armas para minar os esforços rebeldes.



No século 19, houve uma mobilização militar ainda maior por conta da Guerra Civil Americana (1861-1965), cujas cicatrizes ainda são bem visíveis na sociedade do país. Charleston é um grande exemplo.

A Assembleia Legislativa da cidade, por exemplo, até hoje exibe a bandeira confederada, representando as tropas do sul derrotadas no conflito.

Lobby poderoso

Uma pesquisa do Instituto Gallup, no início de 2013, mostrou que o passado histórico, aliado a eventos mais recentes, como o 11 de Setembro, impulsionou uma demanda por armas: nela, 47% dos americanos disseram ter uma arma em casa, o maior número em duas décadas.



O lobby pró-armas se transformou num dos grupos mais poderosos da política americana. A mais popular organização do gênero, a National Rifle Association (NRA), conta com mais de 3 milhões de associados, incluindo celebridades como atletas e atores - durante anos, por exemplo, o ator Charlton Heston, conhecidos por filmes como Ben Hur e O Planeta dos Macacos, foi um de seus porta-vozes mais ativos.

Pesquisa mostrou que 52% dos americanos acham que proteger os direitos dos proprietários de armas é mais importante do que controlar a posse de armas

Em 2012, um artigo do jornal "New York Times", disse que a NRA teria doado US$ 14 bilhões para o Partido Republicano por causa da postura menos amigável de Obama em relação às armas de fogo.

Estima-se que a indústria das armas nos EUA teve um impacto de US$ 32 milhões para a economia americana em 2013 e empregaria mais de 200 mil pessoas.

Segundo a ATF, agência governamental que controla álcool, tabaco, armas de fogo e explosivos, há mais de 130 mil lojas credenciadas para vender armamentos no país.

O homem apontado pela polícia como autor do crime em Charleston, Dylann Roof, 21 anos, recebeu de seu pai uma arma calibre 45 como presente de aniversário neste ano.

Direito de defesa

Muitos sugeriram que a solução para diminuição dos casos seria o oposto: relaxar as leis de controle de armas, aumentando as chances de que as vítimas estejam armadas para se defender.

Segundo o instituto de pesquisas Pew Research Center, 52% dos americanos consideram que proteger os direitos dos proprietários de armas é mais importante do que controlar a posse de armas.Outra pesquisa, do Gallup, revela que 63% dos americanos acreditam que ter uma arma deixa a casa mais segura.

O cientista político Robert Spitzer, autor do livro Armas na América, diz que os americanos estão de certa forma acostumados com a violência e acham que nada de concreto pode ser feito.

Ele cita ainda o sucesso do lobby pró-armas em "mudar a narrativa". "Eles dizem que as armas não são o problema, que são pessoas más que fazem coisas más", afirma.

Segundo Spitzer, esses fatores levaram a uma legitimidade "sem precedentes" dos argumentos dos defensores de armas. Um aumento das restrições no cenário atual, afirma, "não passa de sonho".

Impotência

Para o analista político Chris Cillizza, do jornal "The Washington Post", o pronunciamento de Barack Obama revela certa impotência do próprio presidente dos Estados Unidos.

"Este é o político mais poderoso do país reconhecendo que tem pouca ou nenhuma capacidade de conseguir uma mudança que ele claramente acredita ser necessária", diz Cillizza.

Obama já viu seus esforços pela aprovação de leis mais rígidas de controle de armas fracassarem anteriormente. Logo após o massacre da escola de Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, no qual 20 crianças e seis adultos foram mortos por um atirador em dezembro de 2012, o presidente se lançou em uma campanha para restringir o acesso a armas.

"Apesar de indicações iniciais de que ambos os partidos iriam considerar a questão, o esforço fracassou cinco meses após o ataque, enterrado por um puhado de senadores democratas que buscavam reeleição em Estados de inclinação republicana em 2014", lembra Cillizza.

O prefeito de Charleston, Joseph Riley Jr., antigo defensor de um maior controle de armas, disse acreditar que "há armas demais por aí e o acesso a armas é fácil demais" e disse que as mortes são outro exemplo da necessidade de adotar medidas que aumentem o controle.

Hillary Clinton, pré-candidata à presidência pelo Partido Democrata, disse que é hora de enfrentar "as difíceis verdades sobre raça, violência, armas e divisão" e perguntou "quantos inocentes" terão de morrer antes que haja mudança.

Mas apesar da comoção gerada pelo massacre, analistas não acreditam na possibilidade de adoção de leis mais rígidas sobre o porte de armas no país.