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Por dentro do 'Granma', jornal do Partido Comunista de Cuba que não mudou desde a Guerra Fria

Fundado há 50 anos, o "Granma" funciona como a voz do Partido Comunista de Cuba - BBC
Fundado há 50 anos, o "Granma" funciona como a voz do Partido Comunista de Cuba Imagem: BBC

Will Grant

Da BBC, em Havana (Cuba)

12/07/2015 15h45

Ninguém pode negar que algo está mudando em Cuba. A embaixada norte-americana abrirá neste mês, deixando para trás pouco a pouco décadas de forte hostilidade por parte de Washington.

Mas também há coisas que parecem imunes ao tempo na ilha, como o "Granma", o jornal diário oficial do Partido Comunista de Cuba. A publicação não alterou seu estilo nem sua mensagem desde sua fundação em plena Guerra Fria.

Mas o Granma pode sobreviver agora, em tempos de grandes mudanças, e competir com os grandes veículos do século 21?

O correspondente da BBC em Cuba, Will Grant, visitou sua redação na capital Havana para descobrir.

Voz do partido

Xícaras de café, o ruído das folhas de papel jornal, jornalistas discutindo as manchetes do dia... Para quem vê de fora, esta poderia ser uma reunião comum de uma equipe editorial.

Mas o "Granma" não é como os outros jornais. É a voz do Partido Comunista cubano há mais de 50 anos.

Entre suas manchetes mais recentes, é possível ler: "Legisladores russos dão destaque à primeira biografia de Raúl Castro" e "Fidel é fora de série".

O diretor-geral da publicação, Pelayo Terry Cuervo, me mostra a redação. As paredes estão decoradas com fotos dos irmãos Castro lendo o "Granma".

O jornal está prestes a apresentar um novo design para suas capas e modernizar seu site com mais conteúdo em vídeo.

Mas, apesar das mudanças que estão ocorrendo em Cuba, Terry diz que o objetivo do "Granma" continua o mesmo.

"Somos um órgão oficial do Partido Comunista de Cuba. E o partido, segundo a Constituição, é um guia para a sociedade cubana. Por isso, a principal missão do 'Granma' é refletir esta sociedade e suas matizes, seus problemas e êxitos."

Posição editorial

Terry tem consciência de que muitos críticos do jornal dizem que ele não é este reflexo da sociedade cubana, mas um ponto de vista do Partido Comunista. Mas ele não concorda.

"Acredito que ainda falta ao 'Granma', como um jornal, estar muito mais próximo da realidade do país. Mas isso não significa que não estamos fazendo isso", diz Terry. "Os primeiros críticos do jornal e do que é necessário que ele seja somos nós, que estamos dentro dele, tratando de melhorá-lo."

Terry admite que o "Granma" não tem independência editorial das decisões do partido. Mas ele não acredita que deveria ter, já que, em sua visão, a razão pela qual muitos leem o jornal é para se inteirar da posição oficial do governo cubano em assuntos de Estado.

Instrumento de propaganda?

Terry refuta de forma contundente que o "Granma" seja um simples instrumento de propaganda da Guerra Fria, sem espaço para críticas. Ele destaca, por exemplo, que, até pouco tempo, seria impossível ter uma página com opiniões de leitores.

"Ter hoje uma página de opinião na qual profissionais questionam e falam dos problemas da sociedade não seria normal há três ou quatro anos. Não acredito que o 'Granma' esteja parado no tempo. Para mim, está evoluindo desde sua fundação há 50 anos", acrescenta Terry.

Ainda assim, muitos dos críticos do jornal dizem precisamente que ele está "parado no tempo", tanto editorialmente quanto tecnologicamente.

Enquanto outros jornais pensam obsessivamente em redes sociais, a arquivista Anita trabalha desde a fundação do "Granma" produzindo fichas com sua máquina de escrever.

Arquivo extraordinário

O "Granma" tem um arquivo extraordinário. Há negativos e fotos de cada ano desde a revolução. Não estão digitalizados, mas ficam meticulosamente registrados em cartões.

Há milhares de imagens nunca publicadas de Fidel e Raúl Castro, de Che Guevara e Camilo Cienfuegos, guardadas em grandes caixas em um quarto empoeirado que não tem a temperatura regulada para a conservação das imagens. Trata-se sem dúvida de um verdadeiro tesouro para qualquer repórter que deseje documentar a revolução. Mas este tesouro está se perdendo com o calor do Caribe.

Os jornalistas mais jovens do "Granma" entendem que seus críticos, especialmente em Miami, digam que um jornal nas mãos do Estado não tem lugar na Cuba atual. O editor de assuntos internacionais Sergio Gómez contesta esta visão, dizendo que o jornal é mais relevante hoje do que nunca.

"Há desafios pela frente, mas é grande a importância que tem este veículo em particular e a comunicação em um cenário de confrontação política como o dos últimos 50 anos, e isso não vai mudar drasticamente agora."

Diferenças fundamentais

O fato de os governos de Washington e Havana estarem a ponto de reabrir embaixadas nos dois países não altera diferenças fundamentais, diz Gómez. E ele acredita que o "Granma" cumpre o papel não só de reportar, mas de refletir estas diferenças nas duas visões de Cuba.

"Apesar de tudo que está se passando entre Cuba e os Estados Unidos, acredito que sempre vai haver um confronto ideológico entre ambos. E, nesta luta de ideias, temos que seguir combatendo."

A partir da meia noite, uma vez que os jornalistas e os funcionários do partido tenham dado sinal verde para a última edição do "Granma", a ação muda para para as prensas do edifício ao lado. Ainda são usados modelos da era soviética, mas eles também estão a ponto de serem trocados por máquinas novas vindas da China.

Mas, se renovar as prensas é algo relativamente fácil, será mais difícil para o "Granma" encontrar um novo espaço no cenário em constante mudança dos meios de comunicação do século 21.