'Semipresidencialismo não é solução para o Brasil', diz constitucionalista português
A opção pelo semipresidencialismo não evitaria futuras crises políticas no Brasil, onde a origem dos problemas está no mau funcionamento do sistema partidário.
A análise é do português Jorge Reis Novais, professor de Direito Constitucional da Universidade de Lisboa e um dos maiores especialistas sobre o tema no país.
"Não acredito que o semipresidencialismo seja solução para o Brasil. Nenhum modelo tem condições de funcionar bem. A origem dos problemas está no mau funcionamento do sistema partidário", diz ele à BBC Brasil.
"Enquanto aqui na Europa existe o que chamo de disciplina partidária, os partidos brasileiros não se distinguem entre si pela ideologia. É um sistema muito personalizado. Vota-se no candidato, não no partido. A tendência para a instabilidade e a ingovernabilidade é muito mais forte. Isso inviabiliza qualquer forma de governo", acrescenta Novais.
A discussão de novos sistemas de governo, entre eles o semipresidencialismo, deve fazer parte do ciclo de palestras no IV Seminário Luso-Brasileiro de Direito, que começa nesta terça-feira na capital portuguesa, Lisboa. Mas o evento, que tinha originalmente âmbito acadêmico, acabou por se tornar o centro de uma controvérsia política nos dois lados do Atlântico.
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Intitulado "Constituição e Crise: A Constituição no contexto das crises política e econômica", o encontro é organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) ? que tem entre os seus fundadores o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes ? em parceria com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
A polêmica em torno do seminário, no entanto, não diz respeito ao assunto que será debatido, mas sim aos seus participantes. Algumas das principais lideranças a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, como os senadores tucanos José Serra e Aécio Neves, aceitaram o convite para palestrar ou discursar, assim como parte da elite política portuguesa.
O vice-presidente Michel Temer e o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) Paulo Skaf estavam entre os convidados, mas cancelaram a ida à capital portuguesa.
Nos bastidores, comenta-se que o encontro seria uma 'desculpa' para que líderes da oposição se reunissem no exterior para debater sobre o impeachment da presidente Dilma e um possível governo de Temer.
Em entrevistas recentes, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também se mostrou um defensor do modelo semipresidencialista.
No início de março, o Senado aprovou a criação de uma comissão especial para debater a instalação do semipresidencialismo como saída para a crise política. O projeto é gestado por Renan Calheiros (PMDB-AL) e José Serra (PSDB-SP).
Semipresidencialismo
Sistema híbrido entre o presidencialismo e o parlamentarismo, o semipresidencialismo é adotado em países como França e Portugal. Nele, o presidente (chefe de Estado) é eleito pelo voto popular e compartilha o comando do Executivo com o primeiro-ministro (chefe do governo), escolhido com o aval do Congresso.
Nesse sistema, contudo, diferentemente do parlamentarismo, o presidente não fica reservado a um papel meramente protocolar. Ele tem voz ativa e nomeia o primeiro-ministro, podendo, ocasionalmente, demiti-lo. Também tem a capacidade de dissolver o Congresso, convocando novas eleições. O prazo para isso varia conforme a legislação de cada país, explica Novais.
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"Trata-se de um sistema muito mais flexível do que o presidencialismo, porque tanto o presidente pode dissolver o Congresso, convocando eleições antecipadas, quanto o Congresso pode substituir o governo. O presidente, contudo, permanece no cargo", diz o constitucionalista português.
"Já no sistema parlamentarista, por exemplo, o primeiro-ministro é escolhido pelo governo da maioria e pode ser derrubado pelo Parlamento", acrescenta.
Segundo ele, o semipresidencialismo também é mais vantajoso do que o presidencialismo em situações de crise.
"No sistema presidencialista, o presidente é eleito, forma o governo e nem o congresso pode demitir o governo nem o presidente pode dissolver o Congresso. Havendo uma crise, não é possível solucioná-la. Será preciso aguardar as próximas eleições", ressalta.
'Impasse'
No entanto, Novais não acredita que o modelo funcionaria no Brasil.
"Tenho grandes dúvidas se o semipresidencialismo funcionaria no Brasil. O sistema partidário brasileiro é uma grande fonte de instabilidade. Enquanto não houver uma ampla reforma política, nenhum sistema de governo dará certo. Não resolveria problema nenhum", vaticina o especialista.
Segundo o constitucionalista português, o resultado disso seria um "impasse".
"Imagine se o Brasil fosse uma república semipresidencialista. Na situação atual, o Congresso provavelmente dissolveria o governo, mas a presidente Dilma Rousseff, eleita por voto popular, se manteria no poder", explica.
"É aí que entra a dificuldade do sistema partidário. Facilmente se formaria no Congresso uma ampla maioria contra o governo, mas a seguir qual governo sairia do Congresso? Com o sistema de partidos tão difuso, é muito difícil qualquer sistema de governo funcionar", acrescenta ele.
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Novais ressalva, contudo, que o sistema semipresidencialista também tem problemas, especialmente quando o Congresso e o presidente são de "diferentes colorações políticas".
"Nesse caso, há um conflito permanente entre o presidente e o governo. Nem o presidente pode demitir o governo nem o Congresso pode demitir o presidente", afirma.
O constitucionalista português argumenta ainda que, diferentemente do que pensa a opinião pública, o presidente não tem seus poderes reduzidos no sistema semipresidencialista.
"No sistema semipresidencialista, o presidente, eleito por voto popular, tem uma legitimidade democrática muito forte. Ele costuma intervir, especialmente em situações de crise. Além disso, tem o direito do veto a medidas tomadas tanto pelo governo quanto pelo Parlamento. Também tem o poder de nomear figuras de Estado".
"Se tiver o Congresso a seu favor, o presidente acaba tendo muito mais força. É o caso da França, por exemplo. O presidente francês tem hoje mais poder do que o presidente Barack Obama. O presidente americano não pode, por exemplo, dissolver o Congresso, mas precisa governar com ele", acrescenta.
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Impeachment
Novais critica a forma como o impeachment vem sendo usado no Brasil. Segundo ele, seu princípio foi "desvirtuado".
"O impeachment não deveria ser um instrumento para resolver dificuldades políticas, mas sim crimes de responsabilidade, quando o presidente comete alguma ilegalidade no exercício do mandato", diz ele.
"Como o Brasil vive hoje uma crise política sem precedentes, em que nem a presidente pode dissolver o Congresso, nem ser demitida por ele, a impugnação do mandato acabou se tornando um recurso para solucionar um bloqueio. E, nesse caso, não se trata de uma via legítima", acrescenta.
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