Topo

De alvo a herói da esquerda, Cardozo quer defender Dilma de graça até o fim

O ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), José Eduardo Cardozo, fala sobre o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff - Evaristo Sa/AFP
O ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), José Eduardo Cardozo, fala sobre o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff Imagem: Evaristo Sa/AFP

Mariana Schreiber

Da BBC Brasil em Brasília

29/04/2016 04h07

O advogado-geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, volta nesta sexta-feira (29) ao Congresso para mais uma sustentação em defesa da presidente Dilma Rousseff, desta vez na comissão especial de impeachment do Senado.

Muito criticado quando era ministro da Justiça - foi alvo de ataques até dentro de seu partido -, Cardozo hoje coleciona elogios entre petistas por sua defesa do governo.

Após encarar uma maratona dias antes da votação decisiva na Câmara, com entrevistas à imprensa e sustentações frente aos deputados e no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro agora tem se dedicado a uma campanha corpo a corpo com senadores, que inclui visitas individuais a alguns gabinetes.

Mas, apesar de seu esforço, a maioria do Senado deverá aprovar a abertura de um processo contra Dilma na segunda semana de maio. Se isso se confirmar, a presidente será afastada por até 180 dias, o vice Michel Temer assumirá o governo interinamente, e Cardozo perderá o cargo de principal advogado do governo.

O ministro, contudo, adiantou à BBC Brasil que pretende continuar defendendo Dilma em um eventual julgamento, sem cobrar honorários.

Para isso, no entanto, precisará que a Comissão de Ética Pública da Presidência da República o libere de cumprir uma quarentena de seis meses sem advogar privadamente após deixar o governo.

Os integrantes do órgão cumprem mandato de três anos e, portanto, Temer não poderia alterar sua composição imediatamente.

Recentemente, o comitê recusou pedido semelhante feito pelo antecessor de Cardozo, Luís Inácio Adams, para trabalhar em um escritório de advocacia que atua em causas contra a União. Por outro lado, autorizou o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy a assumir um cargo de diretor financeiro do Banco Mundial.

"Se isso [a abertura de processo contra Dilma] eventualmente acontecer, eu vou pedir uma autorização ao comitê de ética para que possa pegar essa causa. É uma causa que eu já estou atuando. Eu não pegá-la seria um prejuízo à defesa, não uma vantagem para mim", disse.

"Não cobraria nada dela", acrescentou.

De vilão a herói

Como advogado de Dilma, Cardozo se tornou o principal porta-voz da tese de que a presidente não cometeu crime de responsabilidade e, por isso, seu impeachment seria um golpe de Estado.

"Brilhante. Dificilmente alguém faria um trabalho tão bem feito de defesa do governo como ele está fazendo", resume o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP).

Mas, antes de ser considerado essa espécie de herói do governo petista, Cardozo recebeu críticas a sua atuação como ministro da Justiça.

Parte do PT considerava que ele não tinha pulso firme para conter abusos da Polícia Federal. Desgastado, deixou o cargo no final de fevereiro, quando assumiu a AGU.

Questionado pela BBC Brasil sobre essa mudança de humor em torno de seu nome, Cardozo riu: "É até engraçado. As pessoas em geral têm apoiado a minha atuação [como AGU]", comentou.

Na sua avaliação, as críticas que recebia eram fruto de uma "má compreensão" dos diferentes papéis institucionais.

"Eu acho que as pessoas que achavam que eu tinha uma posição muito afastada, o que era natural do Ministério da Justiça, estão me vendo agora em outra dimensão institucional. Na AGU, eu sou advogado, eu tenho lado", disse.

"Eu sempre fui muito criticado [no Ministério da Justiça]. Quando o investigado era alguém da oposição, dizia-se que eu estava instrumentalizando a Polícia Federal para perseguir os inimigos. Quando o investigado era gente da base governista, dizia-se que eu não estava controlando a Polícia Federal. Nem uma coisa nem outra, eu só cumpri a lei", se defende.

Falta de legado?

As avaliações negativas sobre sua gestão no Ministério da Justiça, porém, vão além da suposta leniência com a Polícia Federal.

Após somar mais de cinco anos à frente da pasta, Cardozo foi o mais longevo ministro da Justiça no regime democrático. Para os críticos, porém, seu legado não corresponde ao tamanho de seu mandato.

"Não consolidou o Plano Nacional de Redução de Homicídios e não adotou qualquer iniciativa expressiva para o enfrentamento da ilegalidade contínua que é nosso sistema penitenciário. Cardozo se limitou a criticar publicamente os presídios, sem implantar qualquer política pública voltada para a redução dos terríveis níveis de violação de direitos humanos que neles ocorrem", afirma o especialista em ciências criminais Salah Khaled, professor da Universidade Federal do Rio Grande.

Foi na gestão de Cardozo que o Congresso aprovou, em 2013, uma lei com novas regras sobre delação premiada - a atualização da legislação deu impulso ao uso do controverso instrumento de investigação, largamente utilizado na operação Lava Jato. O projeto estava há anos parado no Congresso e passou a andar por articulação do governo Dilma.

No ano passado, o governo enviou um projeto polêmico de lei antiterrorismo que acabou aprovado no Congresso.

"Classifico a política criminal dos últimos anos como um desastre. A lei antiterrorismo é uma verdadeira obscenidade e dá margem para a criminalização de movimentos sociais. Infelizmente o PT foi incapaz de romper com o fetiche pela punição", diz Khaled.

"O chamado 'processo penal do espetáculo' não foi combatido de forma significativa pelo governo. Não houve qualquer disputa nos campos de debate público e em última análise isso pode ter sido decisivo para a fragilização da própria democracia brasileira", acrescenta o professor, para quem faltou um discurso mais duro de Cardozo contra o que ele considera abusos da operação Lava Jato.

Por outro lado, o que mais rende elogios a Cardozo é justamente sua "inação", ou seja, a não interferência em investigações policiais.

O advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira, por exemplo, elogiou o petista nesta semana por ter adotado "um comportamento exemplar em relação à Polícia Federal". Mariz chegou a ser cotado para assumir o Ministério da Justiça em eventual governo Temer, mas foi descartado por criticar a Lava Jato.

Questionado pela BBC Brasil, o ministro apontou como seu principal legado a criação do Sistema de Informações de Segurança Pública (Sinesp), uma base unificada de dados sobre criminalidade no Brasil.

Distanciamento de Lula

Cardozo é quadro histórico do PT paulistano. Foi secretário de governo da prefeita Luiza Erundina (1989-1992), na época petista. Depois foi vereador por oito anos - e um dos principais articuladores do processo de impeachment do prefeito Celso Pitta (que acabou absolvido). Chegou a presidir a Câmara Municipal no início do governo Marta Suplicy (2001-2004).

Elegeu-se deputado federal em 2002 e 2006, mas não se candidatou novamente em 2010. Na ocasião, divulgou uma carta a seus eleitores dizendo que não disputaria mais eleições "se não houvesse uma radical reforma do sistema político brasileiro".

Ainda em 2010, acabaria coordenando a campanha presidencial de Dilma. Chegou ao posto de ministro após sua eleição.

Cardozo jamais havia sido convidado para o ministério de Lula. Ele teria atraído antipatia do ex-presidente nos anos 1990, quando fez parte de uma comissão interna do partido que investigou denúncias de corrupção em prefeituras comandadas pelo PT.

As denúncias envolviam contratos com a CPEM (empresa que prestava consultoria para municípios). O caso foi denunciado pelo economista Paulo de Tarso Venceslau, dirigente do PT à época.

Em seu relatório, redigido em conjunto com Hélio Bicudo e Paul Singer, Cardozo apontou que "restou comprovada" a denúncia de que Roberto Teixeira, advogado e amigo próximo de Lula, "efetivamente apresentava a CPEM a prefeituras petistas", segundo o próprio ministro relatou em 1997 em artigo na revista "Teoria e Debate".

"Tal comportamento não qualificaria nenhum problema ético, se não fôssemos levados a concluir pelas evidências existentes de que Roberto Teixeira não poderia deixar de saber, a partir de um certo momento, que os contratos firmados pela empresa CPEM apresentavam graves problemas. (...) Atuou, a nosso ver, inclusive com evidente abuso da confiança de que desfrutava no partido em face da notória relação de amizade que mantém com o presidente de honra do PT [Lula]", escreveu ainda Cardozo, na revista.

O relatório (no caso CPEM) recomendou que Teixeira fosse submetido a uma comissão de ética - ele, no entanto, acabou inocentado, enquanto Venceslau foi expulso do partido. Segundo o jornal "O Estado de S.Paulo", Roberto Teixeira hoje é alvo de investigação na operação Lava Jato por suposta participação na compra do sítio de Atibaia que seria de Lula e teria recebido melhorias pagas por construtoras investigadas na operação.

"[Cardozo] Não teve nenhum espaço na administração do Lula. (O relatório no caso CPEM foi) mais uma razão do ódio de Lula ao Zé Eduardo", disse Venceslau à BBC Brasil.

Segundo o economista, o estranhamento entre os dois remontava à administração de Erundina, quando a prefeita demitiu seu vice, Luiz Eduardo Greenhalgh, do cargo de secretário de Negócios Extraordinários após denúncias que o envolviam na cobrança de propina da empresa de construção Lubeca - o que depois não chegou a ser comprovado.

O caso foi explorado na eleição presidencial de 1989, prejudicando a campanha de Lula, que era próximo a Greenhalgh.

"Do que eu convivi com ele, acho um cara muito firme, bom caráter. Não conheço nada que o denigre", disse Venceslau sobre o ministro.

Cardozo disse à BBC Brasil que seu objetivo após defender Dilma, caso a presidente seja afastada definitivamente e ele não continue no governo, será se dedicar à vida acadêmica e à advocacia.