Topo

Os comoventes registros do fotógrafo que 'melhor retratou' a dor da guerra na Colômbia

27/09/2016 19h39

Nesta segunda, a Colômbia assinou um acordo de paz com as Farc, o que pode determinar o fim de uma guerra que dura há mais de 50 anos e deixou ao menos 220 mil mortos, 7 milhões de desabrigados e dezenas de milhares de desaparecidos - o documento irá a referendo popular no domingo.

Mas, paradoxalmente, não há muitas imagens icônicas desse longo conflito.

O jornalista Juan Carlos Perez Salazar, da BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC), apresenta a seguir uma das poucas exceções: o trabalho do fotógrafo Jesús Abad Colorado Lopez, com quem trabalhou na década de 1990 e cujos registros podem tornar-se símbolos dessa guerra tão violenta:

Jesus Abad Colorado é talvez o fotógrafo que melhor retratou a dor da guerra na Colômbia nos últimos 25 anos. Mas esta história começa antes mesmo de seu nascimento. E com uma foto ele não tirou.

1960. Seus avós viviam com sua família na cidade de San Carlos, no distrito de Antioquia, no centro do país.

É o momento em que a Colômbia é conhecida simplesmente como "La Violência" ("A Violência"), quando apoiadores dos dois principais partidos políticos e conservador-liberal se enfrentaram em uma guerra mortal.

Seus avós eram moradores liberais de cidade conservadora. Certa noite, uma multidão entrou em sua casa, matou seu avô e seu filho mais novo, um menino. Em meio a tanta dor, a avó não quis mais comer e morreu quatro meses depois.

Toda a família foi forçada a fugir para Medellín, capital da Antioquia, e para a região de Madalena. Lá, porém, eles voltaram a viver a guerra entre os anos de 1970 e 1990.

Essa história e essa foto de seus avós em preto e branco mostram as raízes da atual violência na Colômbia e do trabalho de Jesús Abad Colorado.

Da violência porque essa luta bipartidária está na origem das Farc e na guerra que assola a Colômbia nas últimas décadas.

Na foto, porque Abad Colorado tomou a decisão de tirar a grande maioria de suas fotos em preto e branco.

"Eu acho que é mais respeitoso. O preto e branco dá um caráter mais de documento", afirma ele.

O preto e branco representa outra obsessão do fotógrafo: a memória. Deixar um registro do horror da guerra. Por isso, ele é, muitas vezes, o único jornalista a viajar para lugares onde houve um massacre.

E é quase sempre o último a sair. Porque não está interessado no caso em si, mas nas suas consequências. Todas essas ondas de choque e atos violentos que transformam e destroem vidas e sociedades.

Isso lhe permitiu criar conexões com as pessoas e tirar fotos tão íntimas quanto a de Aniceto, que viu sua esposa Ubertina sangrar até a morte após ser atingida por um tiro de rifle enquanto o Exército e os guerrilheiros impediram que ela fosse levada a um hospital.

Quando permitiram, já era tarde demais. Jesus Abad acompanhou-o enquanto ele a levava de volta para casa e registrou sua profunda tristeza.

"Se eu der importância a um ser humano e ele entender a minha solidariedade, tenho certeza de que não há problemas em ter esse registro, é meu dever lembrar. Eu sou uma testemunha", comenta o fotógrafo.

Essa é outra das obsessões de Jesus Abad Colorado: registrar as vítimas.

Ele nunca tira fotos de comandantes ou generais, de quem está no poder. Apenas dos combatentes rasos e civis.

E muitos deles em situações difíceis, como o soldado que sobreviveu a uma emboscada da guerrilha em setembro de 1993, quando o comboio em que viajava avistou seus companheiros mortos ainda na estrada.

Ou este soldado que chora de forma inconsolável porque os guerrilheiros mataram sua irmã de 13 anos. Eles haviam dito: se o jovem não saísse do Exército, matariam sua família. Seus superiores não acreditaram nele quando contou-lhes sobre a ameaça.

Mas a lente de sua câmera foi especialmente focada em civis. Aqueles que estão no fogo cruzado e têm contribuído com a maior parte das 260 mil mortes violentas que, segundo estimativas, ocorreram nas últimas décadas na Colômbia.

Foi assim que ele conseguiu fotos impressionantes, como a da criança que fecha a camisa de seu pai assassinado por paramilitares em San Carlos, em outubro de 1998. A mesma cidade para onde 38 anos antes fugiu a família de Jesus Abad.

As iniciais de Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) foram marcadas por uma faca paramilitar no braço de uma jovem de 18 anos que foi sequestrada e estuprada em uma das favelas de Medellín, em novembro de 2002.

Ou esta imagem, em tons bíblicos, de um êxodo de camponeses em San José de Apartado depois de um massacre feito por paramilitares com a colaboração do Exército.

Mas as feridas da guerra não estão apenas nos corpos. Elas também ocorrem na paisagem, nas populações.

Como ocorreu em El Aro, Antioquia, depois dos paramilitares - novamente contando com a impunidade e cumplicidade do Exército - passarem cinco dias lá torturando e matando 15 pessoas na praça principal, enquanto forçava o restante dos locais a observar. Em seguida, saquearam e incendiaram o local.

Quando os paramilitares enfim deixaram o lugar, os aldeões abandonaram El Aro em massa .

Ou ainda a cratera deixada por uma bomba jogada pelo Exército durante uma operação contra a guerrilha no rio Sucio, em Chocó, onde os militares foram acusados de agir em conjunto com os paramilitares. A operação deixou pelo menos 8 mil desabrigados.

Ou os buracos de tiro de rifle que atingiram uma escola durante um confronto.

A presença ameaçadora da guerra está quase sempre presente nas imagens de "Chucho", como o fotógrafo ficou conhecido entre seus amigos.

Como nesta imagem, na qual um grupo de paramilitares monitora, das montanhas para a cidade de Medellín, a capital da Antioquia.

Embora sua família continuasse a ser vítima do conflito (um primo seu estava desaparecido, outro morreu sequestrado pelas Farc e ele mesmo foi sequestrado duas vezes pela guerrilha), outro de seus temas favoritos é a esperança em meio a dor.

E ele representa isso mostrando uma marcha de habitantes de Granada pedindo paz depois de um ataque da guerrilha destruir parcialmente a cidade.

Às vezes, as imagens são íntimas, como a desta borboleta que pousou nos braços de um paramilitar (que relutantemente concordou em aceitar o registro por acreditar que isso questionava sua masculinidade).

Ou o pai que retorna com sua filha para a região onde mora depois de vários meses de um combate mortal entre guerrilheiros e paramilitares.

Ou estas duas últimas imagens, com a qual nós fechamos esta história e que de alguma forma resumem o que Jesus Abad Colorado (quem na Colômbia têm sido descrito como "testemunha das testemunhas"), pretende com o seu trabalho:

"Não se esqueça, deixe uma memória, chore e faça justiça."

E proporcione esperança.