Estudantes se fantasiam de 'prédio de Geddel' durante ato em Salvador
Se construídos, os 30 andares do já polêmico edifício La Vue, pivô da principal crise enfrentada até agora pelo governo Michel Temer, bloquearão a visão de uma das principais áreas históricas de Salvador e lançarão sombra sobre a praia mais visitada da capital baiana, afirmam as autoridades do patrimônio histórico.
Mas como estimular os frequentadores da região a participarem da discussão?
"Levar o prédio para conversar com eles", pensaram os estudantes Matheus Tanajura e Raphael Gazotti, autores do bem-humorado protesto que viralizou neste fim de semana - já foi compartilhado mais de 6.000 vezes nas redes sociais.
Inspirado em uma iniciativa similar de ativistas do Recife, eles vestiram uma fantasia que simula o La Vue e circularam pelo Porto da Barra na última sexta-feira (25), causando surpresa entre banhistas.
"Teve gente que perguntou se aquilo era propaganda do prédio", conta Gazotti, que estuda geografia na Universidade Federal da Bahia e literalmente vestiu o edifício enquanto o colega, formando em Arquitetura e Urbanismo, filmava a ação.
"Mas a maioria ficou curiosa. Muita gente já acompanhava o caso e se envolveu com a história. Outros não tinham ideia e ficaram surpresos. Apesar de estar em um bairro nobre, a praia tem um perfil bem popular e é frequentada por muitas classes. Foi uma maneira de mostrar como aquele predião que aparece na televisão, na capa do jornal, pode afetar diretamente a sua vida."
Durante o passeio, os estudantes paravam na frente de banhistas e projetavam a sombra sobre quem tentava se bronzear, simulando o efeito da construção - que prevê apartamentos de 4 suítes e quatro vagas de garagem, com preços que variam entre R$ 2,5 milhões e R$ 4,7 milhões.
"Queríamos mostrar como a especulação imobiliária literalmente invade a vida das pessoas e não afeta só moradores, mas aqueles que circulam, principalmente quem frequenta a praia", diz Gazotti. "Imagina quantos carros esse prédio vai trazer às ruas estreitas da região?"
Os prédios vizinhos têm, no máximo, 10 andares - muitos deles, sem garagem.
'Quem é a especulação?'
A construção resultou na queda do sexto ministro de Temer em seis meses de governo.
Acusado pelo ex-ministro Marcelo Callero (Cultura) de pressão pela liberação das obras, que estão embargadas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural), o agora também ex-ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) enfrenta mais um agravante: ele é o dono de um dos apartamentos do empreendimento.
Ele nega ter pressionado o colega.
A construção foi embargada por possíveis impactos em bens históricos da época da fundação da capital baiana (século 16), como a Igreja de Santo Antônio da Barra e o Forte de São Diogo, nos arredores do terreno.
O futuro arquiteto e urbanista Matheus Tanajura pergunta, durante a conversa com a BBC Brasil:
"O caso é revoltante, mas permitiu uma discussão interessante para a cidade: afinal, quem é a especulação imobiliária: são as construtoras, são os próprios governantes, está tudo misturado?"
Ele conta que a fantasia se inspira no bloco carnavalesco Empatando Tua Vista, de Recife, que também se "veste de edifícios" para questionar a construção de grandes empreendimentos em áreas históricas, como os que seriam construídos no cais Estelita, caso emblemático no Estado.
"A Troça Carnavalesca Mista Público-Privada Empatando Tua Vista é um ato político-folião crítico à verticalização excessiva, que negligencia o planejamento urbano, a história do lugar, privatiza o descortinar das águas, a paisagem e a vista dos monumentos", diz a descrição da página pernambucana no Facebook.
"Quando você vir torres no meio de outros blocos, junte-se a nós e venha brincar o Carnaval e declarar seu amor pelo Recife."
Os pernambucanos saudaram os vizinhos baianos. "Tudo deriva para tudo se transformar. A ideia se espalhando contra aziminiga é lindo", escreveram.
Estelita e Parque Augusta
Esse tipo de protesto contra a especulação tem reflexos em diversas capitais do país.
Há exato um ano, em 28 de novembro de 2015, a Justiça pernambucana anulou a compra da área do Cais José Estelita por um consórcio de construtoras, na região central do Recife.
O episódio foi considerado uma vitória para ativistas como os do bloco "Empatando Tua Vista", que há mais de um ano se opunham à construção, que previa um hotel, dez prédios residenciais e dois comerciais em uma região de valor histórico, segundo o Ministério Público local.
Em São Paulo, o caso mais emblemático é o do Parque Augusta, na região central da capital.
O terreno de 23,7 mil metros quadrados é uma das raras áreas livres no centro paulistano e reúne cerca de 600 árvores, muitas remanescentes da mata atlântica. Há anos, ativistas protestam contra a construção de dois arranha-céus no espaço, avaliado em R$ 120 milhões pelas construtoras que arrendaram o terreno.
Além de ocupações na área e atividades como plantio de árvores, aulas públicas de ioga e discussões sobre meio ambiente e urbanismo, os manifestantes do Parque Augusta já protestaram nus em frente ao terreno - cujo futuro ainda é incerto.
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