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Por que Obama reduziu a pena de Chelsea Manning, a militar que vazou documentos dos EUA ao Wikileaks

Manning se assumiu como mulher transgênero um dia após receber sua sentença  - Arquivo/Exército dos EUA
Manning se assumiu como mulher transgênero um dia após receber sua sentença Imagem: Arquivo/Exército dos EUA

18/01/2017 11h04

Ela protagonizou um dos maiores vazamentos de documentos secretos na história dos Estados Unidos e, por isso, foi condenada a 35 anos de prisão.

Mas Chelsea Manning, a ex-soldado transgênero de 29 anos que divulgou informações diplomáticas e militares americanas ao site Wikileaks, não mais terá de ficar presa até 2045.

O presidente americano, Barack Obama, aliviou na terça-feira sua sentença, uma possibilidade que havia sido indicada pela Casa Branca nos últimos dias. Manning será libertada daqui a quatro meses, em 17 de maio.

No entanto, a comutação da pena de Manning foi duramente criticada por políticos republicanos, como o presidente do Comitê de Serviços Armados da Câmara, Mac Thornberry, e do Senado, John McCain, que disseram que os atos de "espionagem" de Manning colocaram em perigo a vida de soldados americanos e o próprio país.

O presidente do Congresso, o também republicano Paul Ryan, disse estar indignado. "O presidente Obama criou um precedente perigoso para aqueles que colocam em perigo nossa segurança nacional e não precisarão responder por seus delitos."

A decisão teria sido tomada por Obama mesmo diante da oposição de seu próprio secretário de Defesa, Ash Carter, segundo a rede de TV americana CNN.

Manning foi considerada culpada de 20 das 22 acusações diferentes de que foi alvo em seu julgamento pelo Exército americano.

Ela tinha em sua posse mais de 700 mil documentos e vídeos militares e diplomáticos secretos, inclusive imagens do incidente em que 12 civis morreram após um ataque realizado por um helicóptero americano em Bagdá, no Iraque, contra insurgentes.

Manning também divulgou mensagens entre diplomatas dos Estados Unidos, relatórios de inteligência sobre abusos cometidos por oficiais iraquianos e sobre a manutenção de presos em Guantánamo sem julgamento e registros militares da guerra no Iraque que apontam que as mortes de civis foram mais numerosas do que o divulgado a princípio.

Manning, uma ex-analista de inteligência que atuava no Iraque, afirmou ter vazado esses documentos por considerá-los "preocupantes" e para gerar "debate, discussões e reformas".

'Pena excessiva'

A Casa Branca ainda não explicou oficialmente o que levou Obama a comutar sua pena, mas autoridades ligadas ao governo americano ouvidas pela imprensa em condição de anonimato apontaram algumas razões.

Autoridades disseram ao jornal The Washington Post que o presidente americano avaliou que os 35 anos de reclusão de Manning, a maior pena já dada por conta de um vazamento, era "excessiva". Para Obama, os quase sete anos já cumpridos por ela seriam "uma punição suficiente".

Autoridades ainda compararam seu caso com o de Edward Snowden, o ex-analista de inteligência que vazou documentos secretos em 2013 e atualmente está asilado na Rússia, dizendo haver uma "diferença fundamental" entre eles.

"Chelsea Manning aceitou a responsabilidade pelos crimes cometidos por ela", afirmou um integrante da Casa Branca ao jornal americano The Washington Post.

"Ela expressou arrependimento por ter cometido esses crimes. Ela está cumprindo a pena que recebeu. A preocupação do presidente está no fato de sua sentença ser mais longa do que as de outros indivíduos que cometeram crimes semelhantes."

Por sua vez, Snowden "se eximiu da culpa, fugiu do país e está se escondendo para não ser julgado", disse à CNN uma fonte próxima ao governo.

Em novembro, Obama afirmou ao jornal alemão Der Spiegel: "Não posso perdoar alguém que não se apresentou diante de uma corte".

O secretário de imprensa Josh Earnest ainda ressaltou que Snowden "não havia feito qualquer solicitação de clemência ao governo atual".

Por sua vez, em seu pedido de comutação de pena enviado à Casa Branca, Manning argumentou ter se declarado culpada e não ter recorrido aos benefícios que essa atitude confere a um acusado por acreditar na época que a Justiça militar americana compreenderia seus motivos e a puniria de acordo.

"Eu estava errada", afirma ela no documento, para em seguida dizer nunca ter imaginado que receberia uma sentença tão "extrema" e sem qualquer "precedente histórico".

Nos poucos casos de vazamento já julgados, destaca o jornal americano The New York Times, as sentenças variaram entre um a três anos de prisão.

Em uma conferência por telefone com jornalistas, relata o jornal britânico The Guardian, uma autoridade da Casa Branca disse diversas vezes que os crimes cometidos por Manning eram "sérios" e que "geraram danos à segurança nacional", mas se recusou a classificá-la como "traidora".

Manning foi inocentada da mais grave acusação feita contra ela, de ter "ajudado o inimigo", um crime que pode ser punido com pena de morte ou prisão perpétua.

Transgênero

A ex-soldado foi presa em 2010 do lado de fora de uma base americana em Bagdá, quando ainda se identificava como Bradley Manning.

Ela revelou ser uma mulher transgênero após sua condenação e disse que enfrentava dificuldades por conta do seu transtorno de identidade de gênero na época dos vazamentos.

Em uma reportagem sobre o tema, o The New York Times acrescenta que a decisão "alivia o Departamento de Defesa da difícil responsabilidade relativa à prisão de Manning e seu tratamento para transtorno de gênero, incluindo uma cirurgia de readequação sexual, que o Exército não tem experiência em fornecer".

Após uma ação na Justiça, o Exército permitiu que Manning fizesse parcialmente sua transição para viver como mulher, o que inclui um tratamento com hormônios e o uso de roupas íntimas femininas e maquiagem, algo inicialmente negado a ela.

Mas ainda não foi permitido que use o cabelo mais longo do que os padrões estabelecidos para homens, por "razões de segurança", ou que se consulte com um cirurgião para alterar seu sexo.

A diretora da Anistia Internacional nos Estados Unidos, Margaret Huang, elogiou a redução de sua pena. "Chelsea Manning expôs abusos sérios e, como resultado, teve seus próprios direitos humanos violados por anos pelo governo americano."

Ao ser detida, Manning foi mantida na solitária por quase um ano antes de ser acusada formalmente, uma experiência que ela diz ter sido "humilhante".

O relator especial da ONU para tortura disse que o tratamento conferido a ela foi "cruel, desumano e degradante".

A ex-soldado tentou se matar duas vezes, em julho e novembro do no ano passado e, por isso, foi punida com a solitária novamente.

Perdões

A comutação de Manning levanta dúvidas sobre o destino do fundador do site Wikileaks, Julian Assange, abrigado na embaixada do Equador em Londres desde 2012. No ano passado, Assange disse que aceitaria ser extraditado e julgado nos Estados Unidos pelo vazamento de informações sigilosas caso Manning fosse perdoada.

A Casa Branca afirmou que o caso de Assange não teve qualquer influência sobre a decisão em relação a Manning.

A decisão sobre ela fez parte de um conjunto de 209 comutações de pena e 64 perdãos concedidos por Obama na terça-feira. Esses atos de clemência são um poder absoluto conferido a todo presidente e não podem ser desfeitos por seus sucessores.

A comutação da pena implica apenas na redução da sentença e, diferentemente do perdão, não extingue as consequências legais da condenação, como o veto à participação em júris federais e, a nível estadual, a votar ou portar armas de fogo. Em nenhum dos dois casos, o condenado passa a ser considerado inocente.

"Esses 273 indivíduos entenderam que nossa nação é uma nação que perdoa, onde o trabalho duro e o comprometimento com a reabilitação podem levar a uma segunda chance, em que os erros do passado não privam um indivíduo da oportunidade de seguir em frente", disse o conselheiro da Casa Branca Neil Eggleston.

Em seus dois mandatos, Obama encurtou a sentença de 1.385 presos federais, mais do que todos os últimos 12 presidentes americanos juntos.

O secretário de imprensa John Earnest disse que novas decisões nesse sentido devem ser divulgadas no último dia de Obama no cargo, em 20 de janeiro.