Violência sexual, exploração e morte: o drama de mulheres e menores em rota de refugiados
Crianças e mulheres refugiadas e imigrantes sofrem situações de violência sexual, exploração e abusos ao longo da rota do norte da África à Itália, alerta um novo relatório da Unicef, a agência da ONU para crianças.
O documento A Deadly Journey for Children (Uma jornada mortal para crianças, em tradução livre) reúne depoimentos de africanos e revela que três em cada quatro crianças contaram terem sofrido agressões e abusos durante a travessia para a Europa.
Além disso, quase metade das mulheres e crianças denunciou abuso sexual, que ocorreu múltiplas vezes e em diferentes locais do trajeto.
"O que acontece com estas crianças durante a viagem realmente chocou a equipe da Unicef e a mim", afirmou Justin Forsyth, diretor-executivo adjunto da organização.
"Muitas destas crianças foram agredidas, estupradas e mortas durante o trajeto".
- Amputações, crucificações públicas e degolamentos: líbios comentam vida sob o Estado Islâmico
- Crise de imigração: Mais 3 mil resgatados na Líbia
Meninas como Kamis, de 9 anos, que abandonou a Nigéria junto com a mãe. Na costa da Líbia, a família pagou a contrabandistas US$ 1.400 (R$ 4.350) pela viagem de barco rumo à Itália.
Complicações da viagem levaram o barco a ser resgatado. Kamis, então, acabou detida e encaminhada à prisão de Sabratha, na Líbia, onde ficou por cinco meses.
"Eles batiam na gente todos os dias", contou Kamis aos pesquisadores da Unicef. "Não havia comida nem água".
"Aquele lugar é muito triste, não tem nada lá", disse ainda.
Sua mãe, Aza, conta ter deixado a Nigéria pela falta de emprego, mas não sabia que a viagem seria tão perigosa.
"Não me disseram a verdade. Não me disseram os riscos envolvidos, e as dificuldades que eu iria enfrentar", afirmou.
Prisões de imigrantes
O governo coordena 24 prisões na Líbia que recebem imigrantes ilegais. Outros grupos armados também detêm imigrantes em pelo menos outros dez locais não oficiais.
"Os centros de detenção que são geridos por milícias que nos preocupam", disse Forsyth. "Lá é onde muitos abusos estão acontecendo e onde nosso acesso é muito limitado".
Um policial do governo líbio contou que algumas prisões controladas por milícias recebem dinheiro do governo para comprar mantimentos e roupas aos imigrantes.
"Em Trípoli, uma das milícias mais poderosas é conhecida como Sharikan, e ninguém pode chegar perto das áreas controladas por eles", conta o policial.
- Grávida de 8 meses, imigrante nigeriana conta saga para fugir da Líbia de barco
- A revolução foi pior para a Líbia do que Khadafi?
"Eles fingem prender os imigrantes que são ilegais e os mantém em seus centros por um tempo. Eles tiram o dinheiro deles, e os deixam sem comida ou água. Depois, levam-nos a Garanulli, onde balsas estão à espera".
"Não temos poder sobre estas prisões. Não podemos chegar perto pelo risco de sermos mortos", conta.
Os migrantes tornam-se vítimas de tráfico humano. A maioria são mulheres e crianças, segundo a ONU. Muitas das vítimas acabam forçadas à prostituição.
Rota do Mediterrâneo
Refugiados e imigrantes de países africanos que deixam suas casas rumo à Itália geralmente percorrem um caminho de mil quilômetros cruzando a Líbia, desde o deserto, ao sul, até a costa mediterrânea, ao norte.
Em seguida, atravessam mais de 500 quilômetros pelo mar até a Sicília, no sul da Itália.
Ano passado, 4.579 pessoas morreram neste trajeto conhecido como rota de migração do Mediterrâneo Central. Pelo menos 700 crianças estavam entre os mortos, segundo a Unicef.
A rota é controlada por redes criminosas que lucram com o deslocamento de refugiados e imigrantes ilegais.
A maioria das mulheres - segundo o relatório - disse ter pago contrabandistas no início da viagem, contraindo dívidas e ficando mais vulneráveis a abusos e tráfico de pessoas.
"Crianças não deveriam ser forçadas a colocar suas vidas nas mãos de contrabandistas porque simplesmente não há alternativas", cobrou Afshan Khan, diretor regional da Unicef e coordenador especial da Resposta à Crise de Refugiados na Europa.
Os pontos de controle nas fronteiras da Líbia estão entre as áreas mais perigosas, onde a "violência sexual se tornou generalizada e sistêmica", diz o relatório.
- 'Mataram meu filho enquanto ele brincava': a vida em uma cidade síria sitiada
- Unicef: 230 milhões de crianças não existem oficialmente
Mais de um terço das mulheres e crianças entrevistadas disse que os abusadores usavam uniformes ou pareciam associados a a alguma força armada. Por isso, a maioria não denunciou os abusos a autoridades.
As histórias de estupro e escravidão sexual se tornaram tão comuns que algumas meninas e mulheres que se aventuram na jornada já tomam precauções, como levar injeções contraceptivas ou levar pílulas de contracepção de emergência com elas.
Crianças desacompanhadas
Em 2016, mais de 180 mil migrantes cruzaram a Líbia rumo à Itália. De acordo com a ONU, 26 mil eram crianças, a maioria desacompanhada.
Issaa, de 14 anos, saiu sozinho da Nigéria há dois anos e meio, mas também acabou numa prisão na Líbia.
"Meu pai juntou dinheiro para a minha viagem, desejou boa sorte e me deixou ir", contou aos pesquisadores.
"Queria cruzar o mar, buscar emprego, e trabalhar duro para ganhar algum dinheiro e ajudar meus cinco irmãos que ficaram em casa".
A Unicef cobra mais esforço de organizações para proteger as crianças na Líbia e nos países vizinhos. Uma iniciativa regional, diz o relatório, incluiria um melhor registro de nascimento, a prevenção do tráfico, caminhos seguros e legais para as crianças que fogem de conflitos armados e, quando apropriado, o reagrupamento familiar.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.