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6 questões-chave para entender como a Coreia do Norte se tornou uma 'nação pária'

Kim Jong-un é neto do fundador da Coreia do Norte, Kim Il-sung, que foi reconhecido pela União Soviética como o primeiro grande líder norte-coreano  - KCNA via AFP
Kim Jong-un é neto do fundador da Coreia do Norte, Kim Il-sung, que foi reconhecido pela União Soviética como o primeiro grande líder norte-coreano Imagem: KCNA via AFP

26/04/2017 09h03

Por décadas, a Coreia do Norte é vista como uma das sociedades mais fechadas do mundo. Pelo estilo mão de ferro - muitas vezes bizarro - de seus líderes e comportamento beligerante, o país é constante alvo de críticas e troça, mas também motivo de grande preocupação entre os vizinhos.

E por agir muitas vezes em desrespeito a normas internacionais, pela ambição desenfreada em se transformar potência nuclear, pelo obsessivo culto à personalidade de seus líderes e pela opressão que impõe a seus cidadãos, ele é comumente visto como - e chamado de - "nação pária".

Justamente por seu comportamento avesso a regras internacionais, o país tem sido alvo de sanções da comunidade internacional.

Ainda assim, nenhum dos líderes da dinastia Kim, que governa o país desde sua fundação, parece ter se intimidado pelo isolamento e por ameaças, nem mesmo as dos Estados Unidos.

A BBC lista seis possíveis pontos para explicar por que a Coreia, com 24 milhões de habitantes, se transformou num país pária e antagônico no atual contexto mundial.

1 - Como surgiu a República Popular Democrática da Coreia?

O país surgiu como tal em 1948, em meio ao caos que se seguiu na região após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial (1943-1945). Desde 1905, a península coreana esteve sob o controle dos japoneses. Mas, com o fim da guerra, Estados Unidos e União Soviética acordaram que aquele território deveria ser ocupado pelos dois países.

"Os EUA traçaram uma linha ao longo do Paralelo 38 para decidir o destino da península e foi acordado em dividi-la em dois. A parte norte seria ocupada pelas forças soviéticas e a parte sul pelos norte-americanos", conta James Hoare, ex-diplomata britânico, que foi o responsável por estabelecer a primeira embaixada do Reino Unido em Pyongyang.

Assim, os soviéticos reconheceram a República Popular Democrática da Coreia como um governo comunista liderado por Kim Il-sung, o primeiro "grande líder" norte-coreano. Em 1950, com a crescente tensão entre os EUA e a União Soviética, sul e norte travaram uma guerra que durou três anos e aprofundou ainda mais a divisão e a tensão na região.

"Durante a guerra, os EUA tinham o controle de praticamente todo o espaço aéreo da Coreia do Norte e comandaram bombardeios em massa que destruíram grande parte do país, matando muita gente", observa Hoare, hoje especialista em Coreia na Chatham House, centro de estudos de assuntos internacionais baseado em Londres.

Segundo Hoare, até hoje, esses ataques são lembrados na Coreia do Norte. "[Os ataques] são ensinados às crianças na escola como parte da propaganda de governo".

2 - Como começou a tensão entre as duas Coreias?

A guerra da Coreia é considerada por muitos como o primeiro confronto armado da Guerra Fria, derivado da tensão ideológica, política e militar entre as duas superpotências da época: EUA e União Soviética.

Apesar de esforços pela reunificação da península, o destino das duas Coreias foi selado por essas diferenças.

Tecnicamente, Coreia do Sul e do Norte ainda estão em guerra e o clima entre os vizinhos é de tensão permanente.

"A Coreia do Norte é uma sociedade com uma mentalidade de assédio permanente", disse, ao Huffington Post, Charles Armstrong, diretor do centro de pesquisa da Coreia da Universidade da Columbia, nos EUA. "O país tem vivido sob uma ameaça constante desde a guerra de 1950", completa.

O primeiro líder norte-coreano, Kim Il-sung, avô do atual mandatário, Kim Jong-un, deu forma a uma dinastia que tem como base um rígido sistema de governo totalitário no qual os cidadãos não têm liberdade para sair do país e têm acesso restrito ao que acontece no resto do mundo.

Décadas de uma economia centralizada fizeram com que a Coreia do Norte fosse um dos países mais pobres do mundo. O país responde ainda a acusações de graves violações de direitos humanos. Mas o que mais assusta a comunidade internacional é a ambição dos norte-coreanos de se converterem em potência nuclear.

3 - Como a Coreia do Norte sobreviveu economicamente após a guerra?

"Praticamente desde 1970, a Coreia do Norte vinha recebendo muita ajuda econômica da China, União Soviética e países da Europa oriental", explica Hoare.

Antes, contudo, a Coreia do Norte tinha uma situação econômica mais confortável. "Tinha uma base industrial altamente desenvolvida, que começou no regime japonês; se considerava que o norte era mais rico que o sul", completa Hoare.

Durante essa época, para se destacar ainda mais sobre os vizinhos do sul, a Coreia do Norte se dedicou a conquistar reconhecimento da comunidade internacional.

Foi um ativo membro do Movimento de Países Não-Alinhados e parte de sua política externa se baseava em ampliar relações diplomáticas ao redor do mundo.

No final de 1960, o crescimento econômico do lado norte era maior que o do sul. Até o fim de 1970, o Produto Interno Bruto per capita norte-coreano era igual ao do vizinho.

As coisas começaram a mudar quando, precisando de fundos para modernizar a indústria, Pyongyang contraiu volumosos empréstimos da comunidade internacional.

Depois, viram a crise do petróleo, em 1973, e a morte de Mao Tsé-Tung, na China, país aliado desde a Guerra da Coreia.

No final de 1980, a economia começou a estancar e quase entrou em colapso absoluto com a queda da União Soviética, em 1991.

4 - Como surgiu o isolamento norte-coreano?

Uma combinação de fatores, na avaliação de especialistas, levou o país da crise - agravada com o fim da União Soviética - até à situação de isolamento.

"A União Soviética entrou em colapso e a Rússia disse: 'acabaram os preços camaradas para os amigos'. A China, por sua vez, também se movimentava na direção do capitalismo de Estado, e disse à Coreia: 'Sentimos muito, mas não vamos te subsidiar'", conta James Hoare.

Um dos principais fundamentos do governo de Kim Il-sung foi a ideologia de autossuficiência, chamada de "Juche" - que em coreano significa "conjunto principal". É uma diretriz implementada e perpetuada pelos Kim que se baseia em três pilares: independência política, autossuficiência econômica e autonomia militar.

"Esta ideologia fez com que a Coreia do Norte se transformasse num verdadeiro 'reino eremita' por causa do enorme estigma que o 'Juche' coloca em relação às políticas de cooperação com outras nações", escreveu Grace Lee numa revista acadêmica sobre o Leste Asiático da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

O governo usou o Juche para justificar o isolamento contínuo do regime e o culto à personalidade de seus líderes. Em paralelo, tem se dedicado a impulsionar sua autonomia militar.

5 - Foram as ambições nucleares que levaram ao repúdio internacional?

Ainda durante os anos 1990, a Coreia do Norte começou a sinalizar que estava desenvolvendo um programa nuclear, o que provocou alarme em todo o mundo. Pyongyang, então, saiu do tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, assinado em 1968, e revelou ter armas do tipo.

Em 2002, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, incluiu a Coreia do Norte na lista de países do "Eixo do Mal", expressão usada pelo então líder norte-americano no contexto da chamada "luta contra o terror" após o 11 de Setembro de 2001.

Apesar das tentativas de convencer Pyongyang a desistir do programa nuclear em troca de concessões políticas e econômicas, os esforços não foram bem sucedidos. O país sofreu duros golpes na sua economia com a imposição de sanções internacionais, como medidas que restringiram a exportação de carvão, vital para o país.

"Houve um ponto em que os Estados Unidos, durante os anos de Bill Clinton, consideraram aparentemente a possibilidade de atacar as instalações nucleares norte-coreanas para pressioná-la. Mas decidiu-se que os riscos eram grandes demais", avalia Hoare.

Agora, o governo de Donald Trump parece estar disposto a elevear a temperatura na relação com o país para tentar dissuadi-lo de suas ambições nucleares.

6 - A comunidade internacional pode encontrar uma solução para "o problema" da Coreia do Norte?

Já se falou que é impossível negociar com o atual líder norte coreano, Kim Jong-un - que foi chamado de "irracional" pela nova embaixadora dos EUA na ONU, Nikky Haley.

Mas especialistas concordam que não é totalmente "irracional" produzir armas nucleares para se proteger.

"Kim Jong-un não tem aliados confiáveis capazes de garantir sua segurança", diz o professor John Delury, da Universidade de Yonsei, em Seul. "Já está enfrentando uma superpotência hostil (EUA) que, em anos recentes, tem invadido estados soberanos ao redor do mundo e derrubado seus respectivos governos", avalia o professor.

Para Delury, os norte-coreanos aprenderam uma lição com a invasão dos EUA ao Iraque: basicamente, a de que se Saddam Hussein tivesse armas nucleares, teria sobrevivido.

James Hoare concorda. Para ele, não se pode dizer que uma dinastia que sobrevive há quase 70 anos é irracional.

"Até certo ponto, o isolamento da Coreia do Norte tem sido autoimposto, mas também tem sido influenciado pelas atitudes do Ocidente", observa Hoare. "Para os Kim, e para a elite que o cerca, a sobrevivência tem sido o principal objetivo. Eles viram o que aconteceu no Iraque, com Saddam Hussein, o que ocorreu na Líbia, com Muammar Khadafi. E viram como as pessoas que formavam parte desses sistemas perderam tudo", completa o especialista.

Os Estados Unidos têm aumentado a pressão sobre a China para que os ajude a reduzir as tensões na região asiática. Mas os chineses resistem a isolar ainda mais o vizinho.

"Francamente, é muito difícil ver uma solução", diz Hoare.

"Talvez os Estados Unidos devam aceitar que não conseguirão tudo o que desejam com a Coreia do Norte. Ou optam pela alternativa, que é o conflito", opina o especialista britânico.

Ele diz ainda que os coreanos não são "suicidas" e que sabem o que estão enfrentando. "Mas se estiverem sob ameaça e sob ataque, tenho certeza que vão responder. Pensar sobre essa alternativa é assustador".