Conheça oito palavras que moldaram nosso modo de pensar
Cada palavra carrega uma história, um segredo. Atrás das sílabas que usamos todos os dias se escondem várias narrativas esquecidas.
"Se você sabe a origem de uma palavra", insistia o acadêmico do século 6 Isidore de Sevilha, "tudo pode ser compreendido mais claramente". Enquanto a maioria das palavras entra em uso discretamente e sem deixar rastro de suas jornadas, há uma "elite" de invenções verbais cuja origem foi cuidadosamente registrada.
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Algumas dessas palavras são criações únicas de pessoas esquecidas pela história. Outras são invenções de pioneiros culturais que deliberadamente queriam determinar como gerações futuras pensariam e falariam.
Em cada caso, investigar a biografia da palavra nos ajuda a conhecer a trajetória da pessoa que a criou, além da época em que ele ou ela viveu. A seguir, oito criações que mudaram a forma como pensamos, ouvimos, descobrimos e existimos no mundo:
As redes sociais certamente seriam um lugar menos animado sem o logotipo do Twitter: aquele perfil azul de um pássaro voando.
Mas quem teve a imaginação para criar uma onomatopeia que combina a linguagem dos homens com a dos pássaros?
'Twitter' (ou 'twiterith', como era o termo original na metade do século 14), tirado da pena de Geoffrey Chaucer em sua tradução do livro A Consolação da Filosofia, do filósofo do século 6 Boethius, significa "gorjear" em inglês.
Ao lado de "chilrar", "twitter" é uma das mais de 2,2 mil palavras que o poeta medieval leva o crédito por ter criado. É o mesmo autor que escreveu o poema O Parlamento das Aves, o que parece muito apropriado.
Serendipidade
Antes de 1754, se alguém quisesse expressar "a descoberta fortuita de algo por acaso", ele ou ela teriam que se esforçar para dar vida a um sentimento tão complexo.
Até que, ao escrever uma carta em uma terça-feira de janeiro, o escritor inglês Horace Walpole presenteou o mundo com a animada união de sílabas "serendipity".
Walpole disse que criou sua invenção lírica inspirado no conto de fadas persa As Três Princesas de Serendip, cujas protagonistas "estavam sempre fazendo descobertas, por acidente e sagacidade", disse ele.
Pouca importa o fato de Walpole ter lembrado incorretamente da verdadeira essência do conto - na verdade, as princesas não conseguem encontrar o que procuram, apesar de dolorosas tentativas. "Serendipidade" veio para ficar.
E não é a única criação de Walpole. "Betweenity" ("entremeio"), uma palavra mais charmosa do que seu sinônimo mais conhecido, "intermédio", merece a mesma afeição que sua irmã "serendipidade" recebe.
Panorama
Algumas palavras parecem vibrar com o mesmo espírito que seu significado denota. "Panorama" é uma delas - seu ritmo próprio parece estar em harmonia com vistas amplas de topos de montanhas e horizontes infinitos.
Parece apropriado, portanto, que a palavra que literalmente significa "vista total" tenha entrado no léxico mundial em 1789, um ano lembrado pela queda da Bastilha em Paris.
Que irônico, então, descobrir que a palavra inicialmente estava ligada a uma experiência de confinamento: uma pintura cilíndrica que prende sua audiência, um mecanismo visual criado pelo artista irlandês Robert Barker.
Visualizar
É difícil acreditar que ninguém jamais havia "visualizado" algo antes de 1817, mas esse foi o ano em que o poeta romântico e crítico Samuel Taylor Coleridge criou a palavra em sua confissão filosófica Biographia Literaria - um século depois que a palavra "envision" ("vislumbrar") foi criada.
Em retrospectiva, parece oportuno que um escritor cuja mente foi assombrada por visões fantasmagóricas como o navio fantasma de seu poema A Balada do Velho Marinheiro e pelos "olhos brilhantes" e "cabelo flutuante" que marcam o final de sua poesia lírica profética Kubla Khan, tenha dado o nome à ação de ver algo que não se vê.
Torturado ao longo de sua vida por substâncias materiais e imateriais, Coleridge é responsável por introduzir ao inglês outras palavras para descrever aspectos mais sombrios da experiência humana, como "psicossomático" e "pessimismo".
Intelectualizar
Coleridge frequentemente ganha o crédito por ter concebido um verbo relacionado: "intelectualise" ("intelectualizar" em português), que significa transformar um objeto físico em uma propriedade da mente.
Enquanto ele certamente merece o crédito por criar um verbo que sugere justamente o contrário - o "thingify" ("coisificar", em tradução livre"), que significa transformar um pensamento em um objeto.
Na verdade, "intelectualizar" provavelmente pertence a um poeta contemporâneo que serviu de inspiração ao poeta romântico: um viajante misterioso do século 18 conhecido pelo curioso apelido de "Stewart ambulante" por ter perambulado por boa parte do que se conhecia do mundo até então.
Em décadas viajando por Índia, África e Europa, Stewart desenvolveu uma filosofia excêntrica centrada na ideia de que corpo e mente estavam em fluxo constante entre um mundo que é o tempo todo intelectualizado e um espírito eternamente "coisificado".
Burocracia
O narrador da música Big Rock Candy Mountain, de 1928 e de autoria do cantor americano Harry McClintock, sonha com um paraíso sem preocupações onde "eles enforcam o desgraçado que inventou o trabalho".
Enquanto a história não menciona o nome do "desgraçado" em questão, conhecemos a identidade do economista francês que inventou o nome de algo quase tão cansativo quanto: "burocracia".
Em 1818, Jean Claude Marie Vincent de Gournay uniu a palavra francesa para mesa (bureau) ao sufixo grego que significa "o poder de" (cracia) e deu um nome àquilo que começava a sufocar a sociedade.
Por ter criado a palavra para processos governamentais que impõem regras entediantes no comportamento das pessoas, Gournay pode parecer a última pessoa que teria dado o nome ao termo que significa "deixe as pessoas fazerem o que acham melhor": laissez-faire.
Fotografia
É estranho pensar que um dos nomes aparentemente mais estáveis que damos aos objetos em nossa volta foram adotados gradualmente e em um processo de eliminação.
O inventor e astrônomo inglês Sir John Herschel propôs a palavra "fotografia" em 1839 e enfrentou uma competição intensa até que seu termo fosse adotado permanentemente no vocabulário mundial.
Se a história tivesse acontecido de outra maneira, sua avó poderia estar cobrando as suas "impressões de sol" ou "fotógenos". Um termo rival, heliográfico, que competiu com "fotografia" por uma geração inteira, urgiu Herschel a ir atrás de seu dinheiro.
Trouxa
Não é preciso dizer que os homens, como um gênero, não são os únicos bem-sucedidos na criação de palavras atraentes, apesar da pouca celebração de neologistas mulheres.
Com suas contribuições à cultura frequentemente marginalizadas, não é surpresa que o dicionário Oxford atribua a escritoras o primeiro uso da palavra "outsider" ("excluído", em tradução livre), pela britânica Jane Austen em 1800, e "angst" ("raiva") pela alemã George Eliot em 1849.
Na nossa época, mais uma vez foi uma escritora que definiu aqueles que se admiram com os poderes dos iniciados e ficam na vontade como se por feitiçaria.
A britânica J. K. Rowling criou a palavra "muggle" ("trouxa", em português") em seu livro Harry Potter e a Pedra Filosofal em 1997 para descrever os mortais que não têm um dom sobrenatural, o que nos lembra da magia perene das palavras: alguns as têm, outros não.
- Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site da BBC Culture .
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