Após dois anos, impacto ambiental do desastre em Mariana ainda não é totalmente conhecido
Dois anos depois do rompimento da barragem de Fundão, na região de Mariana (MG), biólogos, geólogos e oceanógrafos que pesquisam a bacia do rio Doce afirmam que o impacto ambiental do desastre, considerado o maior do país, ainda não é totalmente conhecido.
Em 5 de novembro de 2015, 34 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro jorraram do complexo de mineração operado pela Samarco e percorreram 55 km do rio Gualaxo do Norte e outros 22 km do rio do Carmo até desaguarem no rio Doce. No total, a lama percorreu 663 km até encontrar o mar, no município de Regência (ES).
Ainda não é possível mensurar completamente a dimensão do impacto na natureza porque boa parte da lama continua nas margens e na calha do rio, dizem especialistas consultados pela BBC Brasil. E, ainda, parte dos rejeitos que chegou ao oceano continua sendo carregado pelas correntes marinhas.
Também não há ainda análises definitivas do monitoramento que vem sendo feito dos peixes e animais que voltaram a aparecer nos últimos dois anos. Não há dados seguros, por exemplo, que apontem se eles estão contaminados ou se são apropriados para consumo.
O plano de manejo do rejeito de minério de ferro elaborado pela Fundação Renova, que hoje responde pelas ações de reparação da mineradora Samarco e de suas controladoras, Vale e BHP Billiton, foi aprovado apenas em junho deste ano pelo Comitê Interfederativo (CIF). Presidido pelo Ibama, o CIF orienta e valida as decisões da fundação.
O projeto dividiu a área afetada em 17 trechos, que terão soluções diferentes, estudadas caso a caso. Em algumas regiões o rejeito será de fato removido, em outros, serão feitas intervenções corretivas e ele ficará onde está.
Nas áreas agricultáveis dos primeiros 60 km do percurso, por exemplo, a lama será aterrada e coberta por uma camada de areia, onde os produtores poderão voltar a cultivar.
"Essa é a parte mais otimista da coisa", diz o professor do departamento de engenharia agrônoma da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Carlos Schaefer, cuja pesquisa se concentra nas estratégias para recuperação ambiental do solo dessa região.
Ele estima que em aproximadamente cinco anos as áreas ribeirinhas do primeiro trecho atingido estarão restabelecidas.
Espécies 'invasoras'
Os pesquisadores concordam que é inviável retirar todo o rejeito que se espalhou ao longo da bacia, mas ponderam que, quanto mais tempo as ações de recuperação demorarem, maior o risco de que o rio volte a ser contaminado pela lama que ainda está nas margens, especialmente nos períodos de chuva.
Para evitar que isso acontecesse, diz Schaefer, a recuperação da mata ciliar --a vegetação que recobre as margens do rio e evita que a chuva leve sedimentos para o leito-- deveria ter sido priorizada.
A restauração florestal prevista pela Renova, de acordo com o Ibama, ainda não começou. Por ora, o que estão sendo feitas são ações emergenciais para tentar evitar que a lama desça para o rio, com a plantação de gramíneas e leguminosas que teriam a função de manter a terra mais firme.
Para Carlos Sperber, professor do departamento de biologia da UFV, e Frederico Ferreira, ambos do grupo que pesquisa a regeneração da mata ciliar e do habitat aquático do rio Doce, a estratégia pode tornar ainda mais difícil a recuperação da vegetação devastada pela lama. "Essas são espécies 'invasoras' que podem se espalhar pelo curso do rio", pondera Ferreira.
A equipe também monitora em expedições periódicas a fauna do alto do rio Doce, mais próxima do local do desastre. A tragédia dizimou todas as 26 espécies de peixes que habitavam aquele trecho, diz Ferreira. "Praticamente todos os peixes morreram durante a avalanche".
Mais de um ano depois, em janeiro de 2017, apenas o lambari estava de volta. Passados alguns meses, o número de espécies subiu para quatro, provavelmente trazidas pelos afluentes.
A equipe espera ter os primeiros resultados a respeito da saúde dos peixes até o início de 2018.
O biólogo Dante Pavan, que faz parte do Grupo Independente para Avaliação do Impacto Ambiental (Giaia) e percorreu pelo menos duas vezes os mais de 600 km atingidos pela lama, lembra que o rio ficou seis meses sem luz, por causa da dissolução de parte do rejeito de minério de ferro, que coloriu a água de laranja. "Houve quase uma implosão do ecossistema".
Carlos Sperber e Frederico Ferreira ponderam que, ainda que o rejeito em si não tivesse uma concentração elevada de metais pesados, a avalanche de lama pode ter levantado muito material contaminado que estava depositado no fundo do rio, fruto de séculos de exploração da mineração na região, local do primeiro garimpo de ouro no Brasil.
Um mar de interrogações
Essa é uma das hipóteses levantadas para explicar a contaminação por arsênio, chumbo e cádmio de camarões e peixes na foz do rio Doce observada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e divulgada pelo Ministério Público Federal em abril do ano passado.
O impacto do desastre no ambiente marinho também não é totalmente conhecido, diz o geólogo Alex Cardoso Bastos, do departamento de oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santos (UFES). Isso porque a chamada pluma do rejeito - os sedimentos trazidos pelo rio - continua em movimento.
Parte da lama, ele diz, se depositou na região da foz, criando uma camada de 3 ou 4 cm de material no fundo. Em condições normais, o Doce deposita 1 cm no mar em um ano.
Outra parte, muito fina, ficou em suspensão na água, está sendo carregada pelas correntes marinhas e pode chegar a regiões de ecossistemas frágeis, como os corais.
"Tem muita coisa ainda para ser diagnosticada, como a situação dos manguezais ao norte e as áreas de corais ao sul da foz", diz o geólogo.
Nesse sentido, ele destaca o estudo divulgado recentemente que mostrou a presença de micropartículas de ferro no arquipélago de Abrolhos, habitat das baleias jubarte que chegam ao Brasil, no sul da Bahia.
O rejeito de minério de ferro tem pelo menos três impactos ambientais na foz, explica o biólogo Ângelo Fraga Bernardino, que também é professor do departamento de oceanografia da UFES e estuda o impacto do desastre no ecossistema marinho.
A parte mais densa soterra o fundo e prejudica a vida dos organismos que vivem ali, como os bentos. A parcela mais fina, que chega a ter a consistência de um gel, diminui a penetração de luz e afeta o processo de fotossíntese do plâncton, ao mesmo tempo em que altera as condições químicas da água.
Bastos lembra que, ainda que tenham passado dois anos do desastre, o rio pode continuar trazendo sedimentos para o mar, já que há uma quantidade relevante de lama depositada na calha do rio Doce.
"Quando a gente sobrevoa o rio hoje, ele está limpo. Mas se venta forte, por exemplo, o material do fundo ressuspende", ressalta o pesquisador.
O rio mais monitorado do país
A presidente do Ibama, Suely Araújo, afirma que a Agência Nacional de Águas (ANA) faz um monitoramento sofisticado do rio Doce e que os dados garantem a potabilidade da água no decorrer de todo o seu percurso. "Hoje o Doce é o rio mais bem monitorado do país", diz.
Além da qualidade da água, ela destaca que a primeira fase do processo de reparação ambiental que será feita pela Renova se concentrou na área onde aconteceu o desastre, na região das barragens de Candonga e Santarém, para mitigar o risco de novas tragédias.
"Essa etapa emergencial foi superada. Há programas mais avançados do que outros, mas nós estamos nos empenhando para que a recuperação seja feita", explica a presidente do Ibama.
Estão em curso agora os programas de recuperação de nascentes e o de manejo de rejeitos, com plantio de espécies para contenção da lama nas margens. O horizonte de recuperação florestal, ela diz, é de uma década.
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