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Por que possível reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel pelos EUA é tão polêmico

Divulgação/Visit Israel
Imagem: Divulgação/Visit Israel

Alessandra Corrêa - De Winston-Salem (EUA) para a BBC Brasil

05/12/2017 13h23

O esperado pronunciamento do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconhecendo Jerusalém como capital de Israel foi recebido com alarme por líderes de diversos países do Oriente Médio, e também na Europa, que veem na medida potencial para colocar em risco o já frágil processo de paz entre israelenses e palestinos.

Segundo fontes do governo americano, Trump fará o anúncio em um discurso nesta quarta-feira.

Ele deve adiar, porém, a decisão sobre transferir a embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém - uma de suas promessas de campanha e alvo de críticas na comunidade internacional pela possibilidade de comprometer a neutralidade dos EUA na mediação do conflito.

Essa transferência é prevista em uma lei que o Congresso americano aprovou em 1995, que prevê, ainda, o reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado israelense.

A lei estipulava 31 de maio de 1999 como data final para a mudança de sede da embaixada, sob pena de sanções ao Poder Executivo. Contudo, incluía a possibilidade de adiamento do prazo por seis meses, caso necessário para "proteger os interesses de segurança nacional".

E é isso o que todos os presidentes desde então (Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama) têm feito.

Trump seguiu o exemplo de seus antecessores e, em junho, renovou a prorrogação por seis meses - decisão que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, chegou a avaliar como "sábia", na época, tendo em vista que mover a embaixada em um contexto em que os dois lados reivindicam Jerusalém como capital poderia complicar as negociações para a retomada de um processo de paz genuíno.

Agora, com o prazo de sua última prorrogação expirado nesta semana, Trump deve decidir se cumpre a promessa de campanha ou opta por voltar a renová-lo.

Questão de tempo

Nesta segunda-feira, em conversa com jornalistas, o porta-voz da Casa Branca Hogan Gidley disse que uma decisão será anunciada nos próximos dias e reiterou que, para Trump, "não é uma questão de se, mas de quando" a embaixada será transferida.

Segundo observadores, o presidente planejaria adiar a decisão sobre a embaixada por mais seis meses mas, ao mesmo tempo, anunciar o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel.

"Com essa medida, ele poderia dizer para o público doméstico que está sendo mais ousado em relação a Israel que qualquer presidente antes dele, mas, ainda assim, pelo menos na sua imaginação, apresentar-se como mediador neutro no plano de paz que seu governo espera implementar", diz o historiador Barry Trachtenberg, diretor do Programa de Estudos Judaicos da Universidade Wake Forest, na Carolina do Norte.

Plano de paz em risco

Mas a avaliação de Trachtenberg e de outros analistas é de que essa medida colocaria em risco o plano de paz, que já é encarado com ceticismo diante das dificuldades da negociação, do fracasso de iniciativas anteriores e da inexperiência da equipe responsável, liderada por Jared Kushner, genro de Trump.

"Pelo menos desde os anos 1990 (após os acordos de Oslo, em que israelenses e palestinos, com mediação dos EUA, concordaram que o status de Jerusalém deveria ser abordado bilateralmente em negociações de paz) o entendimento é de que Jerusalém Ocidental será capital de Israel e Jerusalém Oriental será capital de um futuro Estado palestino. Ambos os reconhecimentos devem ocorrer ao mesmo tempo", afirma à BBC Brasil Fayez Hammad, especialista em Oriente Médio da Universidade do Sul da Califórnia (USC).

"A aplicação assimétrica coloca mais lenha na fogueira", avalia.

Trachtenberg ressalta que os EUA, em todos os governos anteriores, permitiram que Israel continuasse construindo assentamentos no território disputado.

"Os Estados Unidos nunca tomaram medidas fortes (para impedir as construções). Então, nesse sentido, Trump talvez seja o mais honesto sobre o assunto. Sobre o fato de que os EUA na verdade são parciais, e não neutros", afirma.

Críticas e alerta

Mesmo sem confirmação oficial, o possível reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, que é reivindicada como capital por ambas as partes, gerou reações no mundo árabe e por parte do presidente da França, Emmanuel Macron.

O secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul Gheit, declarou que a decisão vai alimentar extremismo e violência.

O ministro do Exterior da Jordânia, Ayman Safadi, alertou o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, que a medida poderia ter consequências perigosas, aumentando a tensão na região e comprometendo os esforços de paz. Alerta semelhante foi feito pelo ministro do Exterior egípcio, Sameh Shoukry, e pelo vice-primeiro-ministro turco, Bekir Bozdag.

O presidente palestino, Mahmoud Abbas, disse que o reconhecimento americano é "inaceitável" e representaria uma ameaça ao futuro do processo de paz.

Emmanuel Macron, da França, fez coro ao discurso. Por telefone, teria alertado a Trump que reconhecer Jerusalém como capital de Israel seria má ideia - e que a questão deve ser resolvida por meio de negociações entre israelenses e palestinos.

O governo Trump vem trabalhando em um plano de paz entre Israel e palestinos, objetivo no qual seus antecessores fracassaram. Mas analistas afirmam que, ao reconhecer Jerusalém como capital de Israel, o país comprometeria seu papel de mediador.

"O reconhecimento mostraria os EUA como completamente parciais nesse conflito", disse Trachtenberg.

"Isso tornaria muito difícil levar os Estados Unidos a sério como árbitros", observa.

Ponto nevrálgico

No conflito entre Israel e palestinos, o status diplomático de Jerusalém, cidade que abriga locais sagrados para judeus, cristãos e muçulmanos, é uma das questões mais polêmicas e ponto crucial nas negociações de paz.

Israel considera Jerusalém sua capital eterna e indivisível. Mas os palestinos reivindicam parte da cidade (Jerusalém Oriental) como capital de seu futuro Estado.

A posição da maior parte da comunidade internacional, e dos Estados Unidos até então, é a de que o status de Jerusalém deve ser decidido em negociações de paz. Os países mantêm suas embaixadas em Tel Aviv, a capital comercial de Israel.

Em 1947, quando a Assembleia Geral da ONU decidiu pelo plano de partilha da Palestina entre um Estado árabe e outro judeu, Jerusalém foi designada como "corpus separatum" (corpo separado), sob controle internacional. O plano, porém, não chegou a ser implementado.

Em 1948 foi declarada a Independência do Estado de Israel e, logo em seguida, a guerra árabe-israelense. Ao final daquele conflito, Jerusalém foi dividida, com a parte ocidental sob controle de Israel e a parte oriental controlada pela Jordânia.

Em 1967, Israel capturou a parte oriental da cidade e, desde então, vem construindo assentamentos em Jerusalém Oriental. Esses assentamentos são considerados ilegais pela comunidade internacional, posição que é contestada pelo governo israelense.

"O reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel seria uma mudança na política adotada pelos Estados Unidos desde a criação do plano de partilha pela Assembleia Geral da ONU", disse o especialista em Oriente Médio Fayez Hammad.

"Desde a criação do Estado de Israel no ano seguinte, os Estados Unidos nunca reconheceram a soberania de Israel em Jerusalém Ocidental ou da Jordânia em Jerusalém Oriental (até 1967)", ressalta Hammad.