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Os polêmicos testes de virgindade para jovens mulheres no Afeganistão

Neda, de 18 anos, foi obrigada a se submeter ao teste - BBC
Neda, de 18 anos, foi obrigada a se submeter ao teste Imagem: BBC

Aria Ahmadzai e Camelia Sadeghzadeh - BBC

02/01/2018 13h51

"Minha vida virou de cabeça para baixo. Eu tinha uma vida boa. Mas agora tudo mudou para mim."

Neda, uma tímida jovem de 18 anos da cidade de Bamiyan, está sentada num tapete afegão. Ela ajusta o véu que cobre sua cabeça e se recorda do dia em que médicos a forçaram a se submeter a um exame íntimo e degradante conhecido como "teste de virgindade".

Era 2015, e ela havia acabado de participar de um ensaio de teatro, no fim da noite. A caminhada até a casa demoraria quase duas horas. Então, com outra menina, ela aceitou a carona de dois amigos do sexo masculino.

De família de classe média baixa, Neda conta que suas economias não eram suficientes para custear os gastos do dia a dia. A mãe dela costuma pedir que não leve marmita de almoço, caso pretenda pagar por transporte no retorno para casa.

"Até hoje, às vezes me culpo por ter me colocado nessa situação, por ter entrado num carro com homens. Eu me culpo por ter levado humilhação à minha família. Mas eu também sei que era a única maneira de ir para casa", diz.

Após receber uma denúncia, autoridades de Bamiyan suspeitaram de que Neda tivesse feito sexo antes de se casar durante o trajeto para a casa. Ela e a amiga foram interrogadas.

Testes de virgindade - BBC - BBC
Quarto onde testes de virgindade são realizados no Afeganistão
Imagem: BBC

"Eu fui acusada de depravação e enviada a um centro médico para fazer um teste de virgindade", diz a jovem, enquanto envolve com as mãos uma xícara de chá.

Os médicos reportaram que o hímen da jovem ainda estava intacto. O caso dela, porém, continua a tramitar nas instâncias judiciais do Afeganistão.

Ela foi inocentada das acusações pela Promotoria local. Mas, surpreendentemente, o caso agora precisa ser julgado pela Suprema Corte do Estado.

Teste comum

Apesar da inexistência de estatísticas oficiais no Afeganistão, indícios sugerem que os testes de virgindade são comuns.

Bobani Haidari, uma ginecologista da província de Bamiyan, disse à BBC que já recebeu pedidos para realizar dez testes de virgindade em um único dia.

Algumas mulheres já teriam tido de passar por vários testes. Os exames, frequentemente realizados sem consentimento, têm sido classificados por críticos de desumanos e ineficazes na proteção da dignidade da mulher.

Estudos também desacreditam a prática. A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que "não há espaço para testes de virgindade, já que eles não têm validade científica".

"Exames de virgindade não têm qualquer base científica e devem ser banidos. O teste é uma violação da Constituição do país, da lei islâmica e de regulamentos internacionais", disse à BBC Soraya Sobhrang, integrante da Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão.

A prática estimulou o surgimento de negócios ilegais que prometem "restaurar a virgindade", mediante a reparação do hímen. Esse procedimento, além de ilegal e invasivo, pode ser perigoso e caro.

Envergonhada e humilhada

Dois anos depois de passar pelo teste de virgindade, Neda ainda sofre. Tem dificuldade para falar sobre o assunto.

"Mesmo você não tendo feito nada, é um exame difícil", ela conta, nervosa, enquanto mexe com as mãos.

"E foi ainda mais embaraçoso para mim, porque eu conhecia os médicos da clínica. Eu me senti muito envergonhada. Eu sabia que não tinha feito nada de errado, mas mesmo assim me senti envergonhada."

É esperado que as mulheres no Afeganistão - um país religioso e conservador - permaneçam virgens ate o casamento. A virgindade de uma mulher é considerada um bem valioso, um símbolo de recato e pureza.

Mulheres acusadas de fazer sexo antes do casamento estão sujeitas a humilhações públicas e prisão. Algumas são alvos dos chamados assassinatos pela "honra".

Testes forçados de virgindade continuam a ser legais no país, apesar do apelo do presidente Ashraf Ghani pelo fim desse exame invasivo.

O exame é frequentemente ordenado por promotores e autoridades de fiscalização da lei, nos casos em que mulheres são acusadas de "crimes morais".

'Vidas destruídas'

Com medo do que as pessoas pensariam dela após o teste, Neda se tornou reclusa e começou a faltar às aulas.

"Eu era uma boa aluna e tinha um bom relacionamento com os professores. Mas depois do exame eu fiquei com a impressão de que todos eles estavam me julgando. Até os meus amigos mais próximos se distanciaram. Eu sentia que todos me odiavam", relata.

"Tudo mudou. Eu me afastei de todos os meus amigos."

Neda continua a se sentir culpada pela situação, e diz que a família a criticou por trazer humilhação e desonra à casa.

"Minha mãe me disse que, por causa do que aconteceu, eles tiveram que lidar com tribunais. Minha família teve que esconder o rosto de vergonha. E tudo por minha culpa."

Apesar de tudo, Neda se diz determinada a lutar para que outras mulheres não tenham que passar pela mesma experiência.

"Esse teste destrói a vida das meninas. Ele não tem qualquer impacto nos homens. Mas destrói as perspectivas de futuro de uma mulher", diz.

"Eu vou fazer o possível para lutar contra isso. Eu vou continuar a cantar no teatro e vou atrás de um futuro melhor para mim. Mas não tenho certeza do que me aguarda daqui para frente."