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A história de amizade de Klimt e Schiele, pintores que escandalizaram a Europa com obras de nudez

Cath Pound - BBC Culture

16/03/2018 07h47

À primeira vista, existem poucas semelhanças entre os pintores austríacos Gustav Klimt e Egon Schiele.

Klimt ficou conhecido pelos retratos sensuais da elite de Viena em seu apogeu, enquanto Schiele, quase 30 anos mais novo, ganhou fama pela forma como representava o corpo humano, chocando e escandalizando o público de sua época.

No entanto, os dois homens compartilhavam uma apreciação mútua e mantiveram uma amizade ao longo da vida, ainda que determinados a seguir suas próprias visões artísticas a qualquer custo.

Coincidentemente, ambos tiveram o mesmo fim: suas vidas foram ceifadas pela epidemia de gripe espanhola que devastou a Europa em 1918.

Rebeldia

Klimt deu as costas às convenções da pintura acadêmica. Desiludido com as restrições sufocantes da Künstlerhaus, a sociedade à qual todos os artistas vienenses se sentiam obrigados a pertencer, ele e vários outros colegas se separaram para formar o movimento de arte conhecido como Secessão de Viena.

Um dos símbolos dessa nova atitude foi o quadro Nuda Veritas, de 1889, que Sandra Tretter, da Fundação Klimt, resume como "o Künstlerhaus versus a Secessão". Uma mulher nua segura o espelho representando a verdade, enquanto a cobra que identifica a mentira morre a seus pés. Acima dela, em letras douradas, uma citação do dramaturgo alemão Schiller: "Se você não puder agradar a todos com suas ações e sua arte, agrade a alguns. Agradar a muitos é ruim".

Certamente, não havia o perigo de agradar a muitos quando Klimt aceitou a encomenda de fornecer pinturas para decorar o teto do Grande Salão da Universidade de Viena, que não conhecia sua nova diretriz.

"A universidade queria um 'banquete' de Iluminismo e Ciência", explica Diethard Leopold, curador do Museu Leopold em Viena, que está realizando uma série de exposições sobre Klimt, Schiele e seus contemporâneos neste ano.

Segundo Leopold, a direção da Universidade de Viena reagiu horrorizada quando viu as figuras nuas e a cabeça sonolenta em forma de lua que Klimt escolheu para retratar a Filosofia.

Em poucos dias, 87 membros da universidade protestaram publicamente e enviaram um abaixo-assinado ao Ministério da Educação para cancelar a encomenda.

Um novo escândalo aconteceu quando a Medicina foi revelada. A pintura de Klimt de uma grande mulher nua, cuja proeminente vulva ficava mais evidente quando vista debaixo, o levou a ser acusado de pornografia - envolvendo, inclusive, a Justiça.

Um promotor público foi chamado e, embora tenha achado desnecessário remover a obra, a polêmica continuou, chegando a ser discutida no Parlamento - foi a primeira vez que um assunto cultural foi debatido na casa.

Klimt retratou seus críticos de forma extremamente clara em 1902 com Goldfish, em que uma mulher exibe suas nádegas para o público. Boatos dizem que ele preferia ter intitulado o quadro "Para meus críticos".

Embora o Ministério da Educação tenha ficado do lado dele quando Jurisprudência, que apresentava um penitente cercado por uma criatura em forma de lula, causou mais alvoroço, foi tomada uma decisão de exibir suas obras permanentemente em uma galeria - e não no teto.

Klimt ficou furioso, defendeu que as pinturas permanecessem onde estavam. Sua solicitação, contudo, foi rejeitada, mas depois de um dramático impasse no qual o artista teria apontado uma arma para os homens que tentavam removê-las, o ministério finalmente recuou.

Tragicamente, as obras foram destruídas por forças nazistas em 1945 -tudo o que resta delas são velhas fotografias em preto e branco.

Klimt nunca mais se envolveria em encomendas públicas. "Ele começou a se concentrar em paisagens e retratos", explica Tretter, incluindo os brilhantes retratos da sociedade que consolidariam sua fama.

Em O beijo, o pintor fazia uma crítica às aparências. Ele criticava o mundo de adultério e prostituição no qual os homens se entregavam a seus instintos, ao mesmo tempo em que condenavam publicamente as mulheres que prestavam esse serviço.

"Se você observá-lo de perto, o pescoço do homem é muito feio, e retrata seu pênis ereto. O homem é a personificação da vontade sexual, enquanto, à primeira vista, é uma pintura muito sensível e adorável", explica Leopold.

Longa amizade

A rebeldia de Klimt encantou o jovem Schiele, que decidiu procurar o artista em 1907, quando era aluno da Academia de Belas Artes, cujas aulas achava frustrantes.

Artista precoce, Schiele revelou seu talento ainda adolescente, ao fazer um esboço de sua irmã mais nova nua, para o horror de seus pais.

Segundo Leopold, do Museu Leopold, que também é psicoterapeuta, esse fascínio por meninas adolescentes foi em parte uma reação a seu relacionamento ambíguo com sua mãe, provocando grande escândalo.

O talento indiscutível de Schiele chegou aos ouvidos de Klimt. Ele colocou o jovem debaixo de suas asas, fornecendo modelos e convidando-o a exibir suas obras no Kunstchau de 1909.

Apesar disso, suas quatro pinturas, muito parecidas com o estilo de seu mestre, não causaram muito impacto.

Klimt também o apresentou a integrantes do coletivo Wiener Werkstätte. Mas, quando Schiele lhes ofereceu algumas aquarelas como desenhos para cartões postais, elas foram rejeitados por não ter a fluidez necessária para as artes decorativas.

Buscando novos meios de expressão, Schiele voltou-se a seu próprio corpo para se inspirar de uma maneira sem precedentes na História da Arte.

Em seu primeiro autorretrato nu, de 1907, baseado na notória figura feminina da Medicina, ele se representou como indefeso e frágil, isolado do resto da humanidade.

Seus experimentos estilísticos passaram a progredir rapidamente, mas suas figuras tortuosas e contorcidas receberam pouca atenção em Viena.

Frustrado com a reação a seu trabalho, Schiele buscou refúgio na pequena cidade de Krumau, acompanhado por sua companheira Wally, uma ex-modelo de Klimt. O casal imediatamente causou furor - e ele não fez nada para dissipar a atenção.

Jovens passaram a entrar em contato com ele e o pintor aproveitou a oportunidade para desenhar os corpos que tanto o fascinavam.

Boatos se espalharam e, quando ele foi descoberto fazendo um esboço de uma jovem nua em seu jardim, acabou forçado a deixar a cidade.

Um novo escândalo surgiu em Neulengbach, quando uma jovem mulher fugiu de sua casa e buscou refúgio na casa do pintor. Schiele chegou a ser acusado de sequestro pelo pai da moça.

Quando chegaram à casa, policiais confiscaram um nu e outras 125 obras.

Depois de ser interrogado, Schiele foi acusado de sequestro de menores e incitação à devassidão. Durante seu julgamento, a acusação de abdução foi retirada, mas a aquarela o levou a ser condenado a três dias de prisão.

A sentença parece ter sido um divisor de águas para Schiele, que nunca mais retrataria jovens nus. Preocupado, Klimt passaria a apresentá-lo a potenciais clientes como um retratista. Os anos de guerra e o casamento com a mais socialmente aceitável Edith Harms aumentaram sua maturidade.

Após a guerra, ele sonhava com uma nova sociedade na qual os artistas poderiam ajudar a reconstruir o mundo fraturado à sua volta. Um trabalho inacabado de 1918 intitulado Amigos celebrou a fraternidade artística que ele esperava criar, com Klimt e Schiele sentados em uma mesa junto com outros seis artistas.

A morte de Klimt em fevereiro interrompeu esses sonhos. Arrasado, Schiele o desenhou em seu leito de morte e, quando foi convidado a organizar a exposição de primavera da Secessão, criou uma nova versão de Amigos para o cartaz da mostra, com o assento de Klimt vazio.

Após a morte de seu mentor e com suas novas obras alcançando um sucesso sem precedentes, Schiele estava preparado para se tornar uma figura artística dominante em Viena.

Mas, oito meses depois, ele também acabaria por sucumbir à gripe.