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Quem é o 'policial herói' morto após trocar de lugar com refém na França

O tenente-coronel Beltrame ficou gravemente ferido após se oferecer para ficar no lugar de mulher usada como escudo humano em supermercado - EPA
O tenente-coronel Beltrame ficou gravemente ferido após se oferecer para ficar no lugar de mulher usada como escudo humano em supermercado Imagem: EPA

24/03/2018 15h00

"Heroísmo e coragem".

Esses foram os elogios do governo francês ao tenente-coronel Arnaud Beltrame, que morreu neste sábado após ter trocado de lugar com uma refém no atentado registrado ontem no sul da França e de ter ficado gravemente ferido.

A notícia da morte foi confirmada pelo ministro do Interior francês, Gerard Collomb, em sua conta no Twitter.

"Morreu por seu país. A França nunca esquecerá seu heroísmo, sua coragem, seu sacrifício", escreveu ele.

"Ele não teve chance", disse o irmão de Beltrame, identificado como Cedric, em entrevista a uma rádio francesa. Ele acrescentou que as ações do policial foram "além do dever". "Ele deu a própria vida por estranhos. Se isso não faz dele um herói eu não sei o que mais faria"

Outras quatro pessoas também morreram, incluindo o homem apontado como responsável pela onda de ataques de ontem, o marroquino Redouane Lakdim, de 25 anos, que afirmou agir em nome do grupo que se auto-denomina Estado Islâmico. Ele acabou morto pelas forças de segurança.

Antes de ser morto, Lakdim promoveu três ataques distintos, nos quais, além dos três mortos, 16 pessoas ficaram feridas, duas delas em estado grave.

Macron afirmou que o caso se tratou de um ato de terrorismo islâmico.

Lakdim exigiu a libertação de Salah Abdeslam, o principal suspeito vivo dos atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris, no no qual 130 pessoas morreram, segundo informaram as autoridades francesas.

Uma pessoa, que acredita-se que acompanhava Lakdim, foi presa nesta sexta-feira por suposta conexão com os ataques.

Como foram os ataques?

Os atos de violência promovidos por Lakdim começaram na manhã de sexta-feira na cidade de Carcassonne, onde ele roubou um carro, ferindo o condutor e matando um passageiro cujo corpo foi encontrado depois escondido em um arbusto.

Em seguida, disparou e feriu um policial que estava se exercitando com colegas.

Acredita-se que Lakdim tenha dirigido por alguns quilômetros até a cidade de Trèbes, onde entrou no supermercado Super-U gritando: "Sou um soldado de Daesh (Estado Islâmico)!"

No local, ele matou duas pessoas, um cliente e um funcionário da loja, antes de fazer diversas outras pessoas de reféns.

Um homem que fazia compras no supermercado disse que as pessoas se esconderam em uma sala.

"O homem gritou e atirou várias vezes", disse ele à rádio France Info. "Vi uma porta porta da câmara de refrigeração e pedi as pessoas que buscassem refúgio lá dentro".

"Éramos 10 e ficamos ali durante uma hora. Houve mais tiros e conseguimos sair por uma porta de emergência".

O ministro do Interior, Gérard Collomb, disse aos jornalistas que os agentes de policia haviam conseguido retirar algumas pessoas do local, mas que o homem armado estava usando uma mulher como escudo humano.

Foi neste ponto que o policial de 45 anos se ofereceu para ficar no lugar da refém, deixando seu celular em uma mesa com uma linha aberta para que a polícia pudesse monitorar a situação.

Quando a polícia ouviu disparos, uma equipe tática entrou no supermercado. O atirador foi morto e Beltrame encontrado gravemente ferido, também morrendo em seguida.

Condecorado

O Coronel Beltrame era um membro altamente conceituado da Gendarmerie Nationale - a força policial militar subordinada ao Ministério da Defesa francês para as missões militares e sob a tutela do Ministério do Interior para as missões de policiamento.

Ele se formou em 1999 na principal academia militar da França em Saint Cyr e em 2003 tornou-se um dos poucos candidatos escolhidos para se juntar ao GSIGN, grupo de resposta de segurança de elite da Gendarmerie.

Beltrame foi enviado ao Iraque em 2005 e mais tarde premiado com uma condecoração militar por seu trabalho de manutenção da paz.

Em seu retorno à França, o Coronel Beltrame se juntou à Guarda Republicana do país e foi encarregado de proteger o palácio presidencial.

Em 2017, ele foi nomeado vice-chefe da Gendarmerie Nationale na região francesa de Aude, que abriga a cidade medieval de Carcassonne, onde Lakdim começou seu massacre na sexta-feira.

Ainda em dezembro, Beltrame participou de um ataque terrorista simulado em um supermercado local na região.

Ele se tornou o sétimo membro das forças de segurança da França morto em ataques deste tipo desde 2012.

Florence Nicolic, prima dele, disse à BBC que apesar de ter ficado "surpresa e chocada quando ouviu o que aconteceu, a família sabia que aquilo era exatamente o tipo de coisa que ele faria sem hesitar".

O que se sabe do suspeito?

Redouane Lakdim nasceu em abril de 1992 no Marrocos e tinha nacionalidade francesa. Ele já era conhecido pelos serviços de inteligência da França.

O procurador Francois Molins disse que ele estava em uma lista de vigilância extremista devido a "sua radicalização e seus vínculos com o salafismo", um movimento ortodoxo ultraconservador dentro do islamismo sunita.

Mas as investigações posteriores dos serviços de inteligência não revelaram nenhum sinal de que agiria, observa Molins.

Lakdim foi declarado culpado por portar uma arma proibida em 2011 e condenado por consumo de drogas e por recusar uma ordem judicial em 2015.

Ele vivia em um apartamento em Carcassona com seus pais e várias irmãs. O apartamento foi invadido pela polícia na tarde de sexta.

Em um comunicado publicado na internet, militantes do Estado Islâmico afirmaram que Lakdim era "um soldado" - uma declaração que o presidente Macron disse que os serviços de segurança estavam estudando.

A França tem sido alvo de ataques jihadistas mortais desde 2015 e está em estado de alerta desde que se levantou o estado de emergência no ano passado.

Em fevereiro, Salah Abdeslam foi processado na Bélgica por um tiroteio em Bruxelas que levou a sua captura meses após os ataques de Paris.

Ele não deve enfrentar um processo judicial na França até 2020.

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Principais ataques terroristas na França

1 de outubro de 2017 - Duas mulheres foram esfaqueadas até a morte na estação de trem de Marselha. O EI assumiu a autoria do ataque.

26 de julho de 2016 - Dois homens degolaram um padre em sua igreja na Normandia e acabaram mortos pela polícia.

14 de julho de 2016 - Um caminhão de grande porte atropelou uma multidão em Nice, matando 86 pessoas. O EI também assumiu a autoria deste ataque cometido por um motorista de origem tunisina. Ele foi morto pela polícia.

13 de junho de 2016 - Um policial e seu parceiro foram esfaqueados até a morte em sua casa em Magnanville, a oeste de Paris, por um jihadista que declarou lealdade ao EI. Ele foi morto pela polícia.

13 de novembro de 2015 - O auto-intitulado Estado Islâmico de Paris atacou o estádio nacional, vários cafés e a casa de shows Bataclan, deixando 130 mortos.

7-9 de janeiro de 2015 - Dois integrantes do EI atacaram os escritórios da revista satírica Charlie Hebdo, matando 17 pessoas. Outro militante islâmico assassinou uma policial no dia seguinte e fez reféns em um supermercado judeu em Paris. Quatro reféns morreram antes que ele acabasse morto pela polícia.