Topo

Três perguntas para entender o julgamento de Aécio Neves no STF nesta terça

Walterson Rosa/Estadão Conteúdo
Imagem: Walterson Rosa/Estadão Conteúdo

André Shalders - @shaldim - Da BBC Brasil em São Paulo

17/04/2018 05h38Atualizada em 17/04/2018 11h17

"(...) Quando observares a corrupção a ser recompensada e a honestidade a converter-se em autossacrifício; Então poderás constatar que a tua sociedade está condenada". A citação é da filósofa russo-americana Ayn Rand (1905-1982), popular entre políticos e militantes de direita de todo o mundo, inclusive no Brasil. E foi escolhida pelo então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, para abrir a denúncia, em junho de 2017, contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG). O mineiro saiu das eleições de 2014 como o principal político liberal do país, com 51 milhões de votos no segundo turno da disputa presidencial daquele ano.

Aécio Neves foi um dos mais atingidos pelo acordo de delação premiada de executivos do grupo J&F, controlador do frigorífico JBS, em maio do ano passado. Em uma conversa gravada pelos então candidatos a delatores, o senador mineiro pede R$ 2 milhões para pagar um advogado (na época, o senador era defendido pelo escritório do criminalista Alberto Toron) para defendê-lo na Operação Lava Jato. A Procuradoria Geral da República (PGR) diz que o dinheiro seria propina em troca de atuação parlamentar favorável à JBS. É a denúncia neste caso que será julgada pelos ministros da Primeira Turma do Supremo nesta terça.

O dinheiro foi realmente entregue: segundo a acusação, foram quatro parcelas de R$ 500 mil, todas em espécie. E pelo menos uma das remessas - recebida pelo primo de Aécio, Frederico Pacheco - teve a sua entrega filmada, à distância, pela Polícia Federal. O procedimento, chamado de "ação controlada", foi autorizado pelo ministro do STF Luiz Edson Fachin.

Frederico Pacheco, o Fred, é também o pivô de um dos pontos do escândalo que mais causaram desgaste para a imagem de Aécio: em uma das conversas com Joesley Batista, da JBS, o senador diz que a pessoa a receber o dinheiro "tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação". E sugere que seu primo seja essa pessoa: "O Fred com um cara seu (de Joesley)".

Num artigo assinado por Aécio publicado no jornal Folha de S. Paulo na segunda-feira, o senador reconhece que usou "vocabulário inadequado" e que fez "brincadeiras injustificáveis e de enorme mau gosto", das quais se arrepende "profundamente". O senador pede ainda desculpas a Frederico e diz que o dinheiro era fruto da venda de um imóvel de sua família a Joesley Batista.

Aécio diz ainda que o empréstimo não teve qualquer contrapartida em sua atuação no Senado. Trata-se, diz o senador, de um negócio privado entre ele e Joesley, sem dinheiro público envolvido e sem contrapartida sua, o que afasta o crime de corrupção.

'Tem que ser um que a gente mata', diz Aécio sobre enviado 

UOL Notícias

A BBC Brasil explica abaixo todas as implicações do caso.

O que exatamente será julgado pelo STF?

A sessão desta terça-feira julgará uma denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, no dia 02 de junho passado, contra Aécio Neves. Também foram denunciados a irmã do político mineiro, a jornalista Andréa Neves; o primo do senador, Frederico Pacheco de Medeiros; e um ex-assessor do senador Zezé Perrella (PMDB-MG), Mendherson de Souza Lima.

Para Aécio, a PGR pede a condenação pelos crimes de corrupção passiva e obstrução de justiça (para os demais, a denúncia só fala em corrupção passiva). Além disso, a PGR pede que Aécio e Andréa Neves paguem multa de R$ 6 milhões: R$ 2 milhões da suposta propina e mais R$ 4 milhões de danos morais.

Segundo os procuradores, o dinheiro teria sido entregue em quatro remessas: os pagamentos de R$ 500 mil chegaram nos dias 05, 12 e 19 de março e 03 de abril. Foram transportados da sede da JBS, em São Paulo, a Belo Horizonte (MG) em viagens de carro, dentro de mochilas. O objetivo, segundo a PGR, seria evitar os controles de segurança que existem nos aeroportos. Mendherson teria participado da logística para o recebimento de três das quatro viagens.

Além disso, o MPF diz que Aécio usou seu posto de senador e seu prestígio político para tentar desmantelar a operação Lava Jato. A denúncia menciona uma reunião entre Aécio e Joesley no hotel Unique, em São Paulo, no dia 24 de março: no encontro gravado pelo delator, o senador mineiro diz estar articulando no Congresso a favor da anistia ao caixa dois (doações de campanha feitas sem informar a Justiça Eleitoral); e da aprovação do projeto de lei que endurece a punição do crime de abuso de autoridade.

Quem julgará o caso e o que acontece se Aécio for derrotado?

A denúncia será julgada pela Primeira Turma do STF. Trata-se de um colegiado formado por apenas cinco ministros: Marco Aurélio (relator do caso); Rosa Weber, Roberto Barroso (presidente da Turma), Luiz Fux e Alexandre de Moraes.

Se for derrotado, Aécio Neves se tornará réu no escândalo da JBS. Seria a primeira vez que o político mineiro tem contra si uma ação penal no escândalo de corrupção, mas não é a primeira investigação: Aécio é alvo de outros oito inquéritos no Supremo.

Se for tornado réu, o STF abre em seguida o prazo para a coleta de provas, depoimentos de testemunhas, etc. Esta primeira fase do processo é chamada de "instrução". A participação do tucano nas eleições de 2018, porém, dificilmente será impedida pela Lei da Ficha Limpa: a norma não impede a participação de réus no pleito, apenas de pessoas condenadas por um tribunal colegiado.

Se os ministros rejeitarem a denúncia, por outro lado, o processo segue para o arquivo. É impossível dizer quais são as chances disto acontecer, mas a Primeira Turma é considerada mais rigorosa contra os investigados do que a Segunda (presidida pelo ministro Gilmar Mendes).

Um levantamento do site de notícias jurídicas Jota, por exemplo, mostra que a Primeira Turma concedeu apenas 12% dos pedidos de habeas corpus que julgou em 2017. Na Segunda Turma, esta taxa foi de 40%.

O que diz a defesa de Aécio?

O tucano admite ter recebido o dinheiro, mas diz que o valor veio de uma operação imobiliária: precisando de dinheiro para pagar advogados, Aécio acertou a venda do imóvel em que sua mãe vivia no Rio de Janeiro para Joesley Batista, da JBS. O fato do dinheiro ter sido pago em espécie não é crime, diz Aécio, já que a origem dos recursos era legal. A exigência do pagamento em dinheiro vivo seria de Joesley, diz Aécio.

Segundo o senador, a única participação de Andréa Neves no caso foi um encontro com Joesley para tratar deste assunto, e uma ligação telefônica. Segundo Aécio, a conversa por telefone entre Andréa e Joesley deixa clara qual seria a origem do dinheiro: uma operação imobiliária legítima.

O senador diz ainda que a PGR não indicou qual teria sido a ação específica que ele realizou em favor da JBS (o chamado "ato de ofício"), necessário para caracterizar o crime de corrupção passiva.

No artigo para a Folha de S. Paulo, Aécio diz ainda que está sendo acusado de obstrução de justiça "por votos que dei no Senado e por opiniões que externei em conversa particular, sem que tivessem nenhum desdobramento fático". No caso do projeto de lei sobre abuso de autoridade, o senador argumenta que chegou a apresentar uma emenda defendendo o ponto de vista do Ministério Público.