Aos 114 anos, candidato a homem mais velho do mundo quer parar de fumar
Aos 114 anos, Fredie Blom pode ser, em breve, reconhecido como o homem mais velho do mundo. Ele passou a maior parte da vida trabalhando em uma fazenda e, depois, na construção civil durante o período do apartheid na África do Sul. Conseguiu parar de beber álcool anos atrás, mas ainda é um fumante regular.
"Todo dia eu fumo dois ou três 'pílulas'", conta Blom, referindo-se à gíria sul-africana pill, em inglês, usada para os cigarros em que o fumante enrola o próprio tabaco em uma folha de seda. "Eu uso meu próprio fumo, não fumo cigarros (comercializados)", completa.
Blom diz que a vontade de fumar é muito forte, mais forte que a de parar. "Às vezes eu digo a mim mesmo que vou parar, mas esse sou eu mentindo para mim mesmo. Meu peito me persegue para dar uma baforada e eu sou obrigado a fazer uma 'pílula'."
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Ele abre um sorriso travesso para dizer que é fumante por "culpa é do diabo".
Status de celebridade
A primeira coisa que chama atenção em quem conhece o centenário é a aparência extremamente saudável e sólida que ele exibe.
Alto, anda sem ajuda, apesar de caminhar, compreensivelmente, a passos lentos. A audição já não está tão afiada, mas ele não tem nenhum problema de saúde.
Blom completou 114 anos de idade no dia 8 de maio e, na África do Sul, é conhecido como a pessoa mais velha do mundo ainda viva - o título, contudo, ainda depende de verificação do Guinness, o Livro dos Recordes.
Uma jamaicana, Violet Moss-Brown, era dona do título, mas morreu em setembro de 2017, aos 117 anos.
O Guinness afirma que ainda está consultando especialistas para anunciar os agraciados com o título de homem e mulher mais velhos do mundo.
Blom, que ostenta um bigode ligeiramente descuidado e barba grisalha, não tem nenhum segredo especial para sua longevidade.
"Há apenas uma coisa, é o homem lá de cima (Deus). Ele tem todo o poder. Eu não tenho nenhum. Posso cair a qualquer hora, mas Ele me segura", diz o centenário quando questionado sobre o que lhe faz continuar seguindo a vida.
Conta que se sente muito bem. Diz que o coração está bom, apenas as pernas estão cedendo. "Já não caminho mais do jeito que andava", lamenta, apesar da voz ainda alta e dicção clara.
Ele atrai atenção e ganhou fama. Recebe visitas desde de moradores locais a ministros do governo na casa modesta onde vive, na Cidade do Cabo. Blom diz se sentir bem ao perceber que as pessoas se importam com ele. No aniversário de 114 anos, o supermercado local e o Departamento de Desenvolvimento Social do governo local o presentearam com um bolo enorme.
Trabalho até os 80
Janetta é 29 anos mais jovem que Blom e está casada com ele há 48 anos. Ela conta que o marido é extremamente saudável e que só esteve no hospital uma única vez, há muitos anos, para tratar de um problema no joelho.
Ela diz que muita gente duvida da idade de Blom.
"Teve muito questionamento sobre quando ele pegou o documento de identidade anos atrás, mas a sobrinha dele pegou a certidão de nascimento, que era a prova que precisávamos", conta.
Sihle Ngobese, porta voz do Departamento de Desenvolvimento Social, confirma que o documento de identidade expedido para Blom tem como data de nascimento 8 de maio de 1904, e que isso é prova suficiente da idade do centenário.
Blom deixou ainda jovem uma vila rural chamada Adelaide e seguiu rumo à Cidade do Cabo. Nunca frequentou a escola e, por isso, não sabe ler nem escrever. As memórias da infância ainda fazem seus olhos brilharem. Ele se lembra bem dos passatempos favoritos.
"Quando eu me levantava de manhã, adorava sair e olhar para o mundo. Eu costumava pegar uma catapulta e atirar nos passarinhos", conta.
O primeiro emprego foi como trabalhador rural. Depois,atuou para uma empresa que instalava paredes de concreto pré-fabricadas.
"Nós passamos por toda a Cidade do Cabo para instalar paredes. Eu trabalhei lá por um longo tempo até a minha aposentadoria, quando eu já estava em meus 80 anos", diz ele.
Violência
Blom mora em uma área cheia de gangues e assolada por crimes. E, por isso, fica fácil entender porque ele acredita que a maior mudança que observou em sua vida foi o crescimento da violência.
"A vida era muito mais pacífica. Aqueles eram bons momentos. Não havia assassinatos e roubos. Ninguém ficava ferido, não havia nada do tipo", recorda.
"Você podia ficar o dia todo deitado na cama e, quando acordasse, tudo - todos os seus pertences - ainda estaria lá. Agora tudo mudou", completa.
Em relação à política e aos dias em que a África do Sul estava sob o domínio de uma minoria branca, Blom se mostra completamente alheio. "Eu trabalhava na fazenda - não havia tempo para nada além de fazer o seu trabalho. Nós só ouvimos brevemente coisas sobre política."
Blom não é exceção. Muitos trabalhadores, em especial os da zona rural, tinham uma vida muito isolada durante o regime de segregação racial adotado entre 1948 e 1994 pelos sucessivos governos do Partido Nacional na África do Sul.
Muitos deles, assim como Blom, eram analfabetos e trabalhavam sob duras condições nas fazendas, em sua maioria pertencentes a brancos. Os trabalhadores negros eram geralmente impedidos de se mobilizar, muito menos de se associarem a sindicatos ou a grupos políticos.
'Tentação do diabo'
Hoje, Blom tem uma vida bem tranquila. A mulher do centenário conta que ele não tem uma dieta especial, mas gosta de ter carne em todas as refeições. Também come muitas verduras e legumes.
Blom ainda é forte o suficiente para tomar banho e se vestir sozinho. A maior dificuldade, conta a mulher, é para calçar sapatos. Às vezes, conta com a ajuda do neto para se barbear.
Para alguém que passou boa parte da vida acordando às 4h30 para trabalhar, Blom agora sai da cama bem mais tarde e reclama por não estar fazendo muita coisa em casa.
"Eu não posso fazer nada, nem subir numa escada. Fico sentado por aí, mas não tenho tempo para os absurdos que estão na televisão", afirma.
Ele prefere sentar do lado de fora de casa, enrolar seu próprio fumo e, ceder, mais uma vez, à tentação do diabo.
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