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Como a guerra e o exílio moldaram a infância de Modric e outros jogadores da Croácia na Copa

Fernando Duarte - BBC World Service, em Moscou

12/07/2018 17h14

Depois do jogo em que a Croácia venceu a Inglaterra na semifinal da Copa do Mundo, um torcedor foi questionado por uma equipe de TV mexicana sobre seus sentimentos em relação à primeira final do país em uma Copa do Mundo.

"Você conhece Jacob Modric, certo? Ele costumava jogar futebol driblando as minas terrestres. Assim como ele, nós não temos medo", disse o torcedor de 17 anos.

Na verdade, Modric é uma entre as "crianças da guerra" que levaram a Croácia a um momento histórico no futebol. Muitos dos principais jogadores da equipe tiveram experiências no sangrento conflito que levou ao colapso da Iugoslávia, em 1991.

As declarações unilaterais de independência da Croácia e da Eslovênia levaram a uma forte retaliação por parte das forças da Iugoslávia e da Sérvia.

Modric e outro conhecido jogador, o zagueiro Vedran Corluka, foram desalojados pela violência sectária e tiveram de viver fora da Croácia.

Famílias desalojadas e exiladas

Alguns dos jogadores croatas precisaram deixar o país para viver em outros lugares. A família de Ivan Rakitic, meia que joga no Barcelona, precisou se exilar na Suíça, onde ele nasceu. No início da carreira, ele chegou a jogar pelo time suíço, mas depois optou pela Croácia.

"Era difícil para uma criança entender o que estava acontecendo nos Bálcãs. Meus pais nunca conversaram comigo e com meu irmão sobre a guerra e as pessoas amadas que eles perderam", escreveu Rakitic ao site Player's Tribune.

A família de Mario Mandzukic, atacante que marcou o gol decisivo contra a Inglaterra, também foi exilada. Ele cresceu na Alemanha depois da fuga de sua família.

Embora Modric não tenha jogado futebol "entre minas terrestres", ele realmente brincou nas ruas da cidade portuária de Zadan enquanto ocorriam bombardeios das forças da Sérvia. Foi o jeito que encontrou para lidar com a queima de sua casa e o trauma da morte de seu avô por uma milícia sérvia.

Crianças como ele eram orientadas a não se afastar dos abrigos sob o risco morrer em explosões.

'A guerra me deixou mais forte'

"Eu tinha seis anos e aquele tempo foi realmente difícil. Lembro bem dessa época, mas não é algo que eu queira pensar agora", disse Modric, em 2008, numa das raras ocasiões em que ele falou sobre a guerra.

"A guerra me fez mais forte. Não quero arrastar isso comigo para sempre, mas também não é algo que eu queira esquecer", disse.

O defensor Dejan Lovren, que disputa o campeonato inglês pelo Liverpool, tem memórias parecidas. Sua família também foi desalojada pelo conflito e fugiu para a Alemanha. Eles não conseguiram asilo e tiveram de retornar à Croácia no final dos anos 1990.

Naquela época, Lovren não entendia sua língua materna e teve dificuldades na escola. "Quando vejo refugiados da Síria ou de outros países, meu primeiro pensamento é que precisamos dar chances a essas pessoas. Eles não querem ser parte de uma guerra causada pelos outros. A única coisa que eles podem fazer é fugir dessas guerras."

No entanto, essa visão não é muito difundida dentro da própria Croácia. Em um relatório divulgado em fevereiro, a Anistia Internacional acusou o governo do país de não conceder um processo de asilo a refugiados e imigrantes que entraram no país de forma irregular - a ONG cita episódios de violência policial sofridos por eles.

Com uma população de 4,1 milhões de pessoas, mais ou menos um terço da população de São Paulo, a Croácia é o menor país a chegar em uma final de Copa do Mundo desde 1950, com o Uruguai.

O doloroso processo de independência da Croácia promoveu um nacionalismo que às vezes mostra uma face esquisita - depois dos 3 a 0 sobre a Argentina na fase de grupos, os jogadores foram ouvidos no vestiário cantando músicas nacionalistas criadas por militantes de direita.

Mas a atmosfera patriótica está em todos os lugares. No dia da semifinal contra a Inglaterra, o jornal croata Jutarmji publicou um editorial pedindo aos jogadores para jogarem com "sangue, suor, lágrimas e união".

"Mesmo as nações pequenas podem ficar grandes e famosas se trabalharem juntas", dizia o editorial.

Além disso, a presidente do país, Kolinda Grabar-Kitarovic, quebrou o protocolo duas vezes nas quartas de final: uma ao assistir o jogo com a camisa da seleção e, depois, ao comemorar um gol frente a frente com o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev.

No campo, o time croata é reconhecido por seu futebol coletivo e rápido.

O time jogou três prorrogações nas últimas três fases da Copa - 120 minutos em cada jogo. As partidas exaustivas geraram dúvidas se os jogadores croatas terão pernas para aguentar o jogo final contra a França, em Moscou.

Mas as mesmas questões foram feitas por comentaristas antes da partida contra a Inglaterra. Para Modric, as dúvidas "fizeram os jogadores correrem mais rápido".

"Esse é um grande erro. Nós lemos essas críticas e dissemos: 'Ok, nós vamos ver quem estará cansado'. Nós dominamos o jogo psicologicamente e mentalmente", disse Modric.