Tim Vickery: O desalento com o Brasil - e uma provocação para torná-lo mais competitivo
Não é somente a Venezuela que está mandando migrantes embora. Nos arredores de Londres, a minha mãe tem vizinhos novos - um casal de São Paulo, fugindo da violência das grandes cidades brasileiras.
Algumas semanas atrás, na sala de espera de uma ótica, cruzei com uma mulher que trabalha no consulado italiano. Ela me contou que todo mundo lá está à beira de um colapso, sobrecarregado com o trabalho de processar a papelada da enorme quantidade de gente procurando cidadania para fugir da violência das grandes cidades brasileiras. Aposto que a situação é pior ainda no consulado português, e que o motivo seja o mesmo.
Neste mês, comemorei 24 anos no Brasil. Durante 22, nutri uma sensação confortante de que, aos trancos e barrancos, o país estava progredindo. Nos últimos dois ficou difícil, talvez impossível, manter a mesma fé - e, nos momentos mais obscuros, qualquer tipo de fé.
Os problemas lançam uma sombra que tapa até o sol tropical. A questão da violência tem a ver, obviamente, com políticas de segurança - mas, também extrapola assuntos de policiamento e tem um grande componente econômico.
Mas, numa economia moderna, como absorver tantas pessoas no mercado de trabalho? Não existe resposta fácil - e a dimensão do problema também é maior que fatores somente econômicos.
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Tem a ver com a formação do ser humano. Pode ser apavorante falar com jovens, especialmente meninos, e descobrir o fascínio às vezes exercido pela violência, pelas armas e afins.
Temo que no país estejam crescendo várias gerações com mentes já danificadas pela convivência com uma realidade que aproxima de uma zona de guerra.
No espírito de "desesperar jamais" e no reconhecimento de que qualquer melhoria é bem-vinda, gostaria de, humildemente, sugerir uma medida para incentivar nossa competitividade.
No Brasil tem um cartório em qualquer esquina. Não entendo a necessidade disso. Me faz duvidar daquelas estatísticas do PIB. Será que o rendimento dos cartórios entra nos cálculos do produto interno bruto brasileiro? Seria estranho. Porque não vejo muito valor sendo agregado. Vejo mais um setor que, por intermédio da burocracia insana, tira proveito de quem tenta produzir. Aumenta o custo de fazer negócios, tornando o país menos competitivo.
Mas se o Brasil tem um excesso de cartórios, tem uma escassez de ferroviárias. A decisão de dar prioridade total para o carro, e portanto de acabar com uma rede nacional de trens, é de uma miopia escandalosa - um equívoco que se tornou mais claro ainda com a greve recente dos caminhoneiros e os consequentes problemas de abastecimento.
Os trens são muito menos poluentes do que uma frota de milhões de veículos particulares. Fora isso, há um fator estético: sonho com a ideia de fazer viagens no Brasil num trem, por ser uma maneira tão civilizada de se deslocar, e o pano de fundo, da exuberante natureza brasileira, seria maravilhoso.
Acima de tudo, uma ferrovia, como infraestrutura boa, reduziria os custos de se fazer negócios, tornando o país mais competitivo.
Portanto, que tal o seguinte: vamos juntar o excesso de inutilidade parasitária com a falta de coisa boa? Vamos fechar a maioria dos cartórios e empregar as pessoas no empreendimento de construir as ferrovias? Não estou mandando todos do cartório lá para suar na obra - embora às vezes acho que seria um bom castigo. Mas sejamos realistas. Alguns seriam mais úteis na parte administrativa. E quem sabe a abertura de novas oportunidades não tivesse um efeito suavizante na violência urbana?
Admito que a minha medida não iria solucionar todos os problemas. Mas não vejo como poderia piorar as coisas - e vou prestar atenção aos debates presidenciais para ver se algum candidato oferece uma sugestão melhor.
*Tim Vickery é colunista da BBC News Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick.
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