Battisti: 4 presidentes, batalhas judiciais e fugas, a saga até prisão na Bolívia
Já se passaram quase quatro décadas e quatro países desde que Cesare Battisti fugiu de sua terra natal, a Itália, onde foi condenado à prisão perpétua pela participação em quatro assassinatos.
O Brasil foi peça-chave desta jornada, mas o capítulo mais recente se desenrola agora na Bolívia, onde Battisti foi preso neste sábado (12) por uma equipe conjunta de agentes bolivianos e italianos.
Segundo o jornal italiano Corriere della Sera, ele foi detido enquanto caminhava em uma rua de Santa Cruz de la Sierra com barba postiça, óculos escuros e documento de identidade brasileiro com seu nome verdadeiro. Battisti não resistiu à prisão, confirmada por autoridades da Itália.
A possibilidade de fuga para o país vizinho foi aventada pela Polícia Federal brasileira em 2017, quando Battisti ficou preso por alguns dias depois de tentar cruzar a fronteira entre Brasil e Bolívia portando o equivalente a mais de R$ 23 mil (1,3 mil euros e US$ 6 mil). À época, ele afirmou que estava indo fazer compras e que o dinheiro não era apenas seu. Mas o caso serviu para o então presidente Michel Temer decidir extraditar Battisti, que fugiu e estava foragido havia um mês.
Não há informações oficiais sobre os próximos passos do processo. Em seu perfil no Twitter, Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República brasileira para assuntos internacionais, afirmou: "O terrorista italiano Cesare Battisti foi preso na Bolívia esta noite e em breve será trazido para o Brasil, de onde provavelmente será levado até a Itália para que ele possa cumprir pena perpétua, de acordo com a decisão da justiça italiana."
O advogado do italiano, Igor Tamasauskas, não foi localizado pela BBC News Brasil para comentar o caso. Battisti vivia no Brasil desde 2004, mas sua presença no país veio a público em 2007 - quando foi preso no Rio de Janeiro e teve seu pedido de extradição feito pela Itália. Desde então, sua situação mobilizou a opinião pública e políticos no Brasil.
Neste período, o destino de Battisti também foi definido em trocas de passes entre o Judiciário e o Executivo. Em dezembro, o ministro do STF Luiz Fux revogou uma liminar favorável a Battisti e decretou a prisão do italiano. A decisão abriu caminho para a extradição de Battisti, que no entanto deveria ser definida pela Presidência. O então presidente Michel Temer havia decidido pela extradição por meio de um decreto, mas o italiano fugiu do país antes do desfecho do processo.
Entenda aqui os principais fatos - e controvérsias - desta história.
Décadas de 70 e 80: 'Anos de chumbo' na Itália
Battisti nasceu em um vilarejo nos arredores de Roma, em uma família com forte influência do catolicismo e também do comunismo.
Na juventude, se envolveu em diversos episódios de delinquência e detenções por assalto.
Em 1977, quando estava preso no cárcere de Udine, conheceu Arrigo Cavatina, um dos idealizadores do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Era época de extremismos na Itália, tanto da esquerda quanto da direita. A violência perpetrada por grupos militantes e pela repressão do Estado fez com que o período ficasse conhecido como os "anos de chumbo" no país europeu.
O PAC, por exemplo, promovia roubos classificando-os como uma forma de "expropriação proletária".
Com base em uma delação de Piero Mutti, ex-companheiro do grupo, Battisti foi preso em 1979 e sentenciado como mandante do homicídio do joalheiro Pierluigi Torregiani. O comerciante era considerado pelo grupo como um "justiceiro de extrema-direita" por ter reagido a um assalto dias antes.
Battisti seria ainda julgado outras vezes e, finalmente, condenado pela participação em um total de quatro homicídios: além do de Torregiani, o do açougueiro Lino Sabadin; do marechal da polícia penitenciária Antonio Santoro; e do policial Andrea Campagna. Battisti sempre negou ter cometido estes crimes; seus defensores afirmam que os julgamentos foram realizados sem garantias jurídicas, baseados em confissões extraídas com violência, e que o italiano é vítima de perseguição política em seu país.
Suas fichas tramitaram em diferentes instâncias da Justiça italiana e também passaram pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Em todos os casos, seus crimes foram considerados comuns - e ele não foi visto como um perseguido político.
Fato é que o italiano nunca cumpriu a pena à qual foi sentenciado - ele fugiu da prisão em 1981.
Périplo na Europa e na América Latina
Depois de escapar, ele foi viveu clandestinamente por um breve período na França e depois foi para o México, onde morou e teve intensa atividade cultural por alguns anos da década de 80.
Em 1990, Battisti volta à França como refugiado político - status concedido pelo governo de François Mitterrand em um processo mais amplo de anistia a ex-militantes italianos de extrema esquerda. Já no mandato de Jacques Chirac, o entendimento sobre o refúgio muda, e o italiano torna-se passível de ser extraditado. Assim, ele foge para o Brasil em 2004.
Três anos depois, em março de 2007, Battisti foi pego em meio a uma operação que contou com a Interpol, as polícias da Itália e da França e a Polícia Federal brasileira. Desde então, ele ficou preso preventivamente no presídio da Papuda, em Brasília.
Imbróglio político e jurídico no Brasil
Uma vez preso, o pedido de extradição impetrado pela Itália no STF veio pouco depois. O país europeu argumentou que Battisti foi julgado de forma democrática e, portanto, sua extradição seria legítima.
Em novembro de 2008, outra negativa ao italiano: seu pedido de refúgio político foi negado pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). No entanto, contrariando a avaliação do órgão, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu a Battisti o status de refugiado político no início de 2009. Integrantes do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) argumentavam que o italiano fora vítima de perseguição política, o que invalidaria o julgamento na Itália.
Faltava o STF se posicionar sobre a questão, vista à época como um dos casos mais difíceis da história do tribunal. Em 2009, o Supremo se posicionou favoravelmente à extradição de Battisti, mas deixou a decisão final ao presidente da República, por considerar que se tratava de uma prerrogativa do Executivo.
Em seu último dia como presidente, em 31 de dezembro de 2010, o ex-presidente Lula vetou a extradição. Com isso, abriu-se o caminho para a libertação do italiano - já que o veto à extradição eliminava a necessidade de manter Battisti sob custódia.
Os planos no Brasil
Com o indulto concedido por Lula, Battisti expressou sua vontade de construir uma nova vida no Brasil, conforme contou à BBC na época.
Desde então, ele esteve a maior parte do seu tempo no Estado de São Paulo, passando por cidades como Embu das Artes, São José do Rio Preto e Cananéia - no litoral, onde se firmou nos anos mais recentes. Sabe-se também que ele teve um filho brasileiro e formou uma união estável no país, conforme consta em alguns documentos judiciais.
Mas a maré começou a mudar para Battisti em 2016, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e ascensão do emedebista Michel Temer.
Novo contexto
Com o novo governo, a embaixada da Itália no Brasil intensificou a pressão para convencer o Planalto a rever o posicionamento e enviou, em sigilo, um pedido formal à Presidência da República.
O então ministro de Relações Internacionais, Aloysio Nunes Ferreira, defendeu a extradição desde que tomou posse, argumentando que a medida seria um gesto importante nas relações entre o Brasil e a União Europeia. Em 2017, surgiu um "fato novo" - conforme diria à BBC News Brasil o então ministro da Justiça, Torquato Jardim, fato esse que justificaria uma extradição.
Battisti foi preso quando tentava cruzar a fronteira entre Brasil e Bolívia portando o equivalente a mais de R$ 23 mil (1,3 mil euros e US$ 6 mil). Ele disse que estava indo ao país vizinho para comprar equipamentos de pesca, casacos de couro e vinho e que o dinheiro não era todo seu - mas também de outras pessoas que viajavam com ele. Ele foi solto alguns dias depois.
O Planalto enxergou na ida à Bolívia uma tentativa de fuga, e o porte do dinheiro como possível evasão de divisas, pelo fato de o valor superar R$ 10 mil (limite permitido por lei para saída de recursos sem declaração à Receita Federal).
Em entrevista à BBC News Brasil, Torquato Jardim confirmou que, com o episódio, o governo havia decidido mandar o italiano de volta ao país de origem. Segundo ele, a decisão sobre extradição de estrangeiros é um "ato de soberania", que pode ser tomado a qualquer tempo.
Jardim recomendou, porém, que Temer aguardasse a decisão do ministro do STF Luiz Fux sobre um habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Battisti antes da ida à Bolívia.
Fux abre caminho para extradição
Ainda em 2017, Fux havia concedido liminar favorável a Battisti no habeas corpus preventivo solicitado.
Mas, no último mês de 2018, Fux revogou sua própria liminar e determinou a prisão de Battisti. O ministro argumentou, na decisão de 13/12, que cabe ao presidente da República extraditar ou não um estrangeiro, porque seria uma decisão política que não compete ao Judiciário.
No dia seguinte, o Planalto anunciou que o presidente Michel Temer havia decidido pela extradição de Battisti via decreto.
Mas a medida não se concretizou porque o italiano fugiu. A Polícia Federal fez dezenas de operações no país em busca de Battisti, em casas de amigos e conhecidos, sem sucesso.
Em entrevista à BBC News Brasil, Igor Tamasauskas, advogado do italiano, disse à época que não tinha informações sobre o paradeiro do cliente.
O atual presidente Jair Bolsonaro (PSL) já sinalizou em diversas ocasiões o desejo de extraditar Battisti. Ele, inclusive, trocou mensagens no Twitter com o ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, que pediu ajuda ao brasileiro no caso. Este respondeu que ajudaria no envio à Itália do "terrorista assassino defendido pelos companheiros brasileiros com os mesmos ideais".
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