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Caso Battisti: 'Afago' a Bolsonaro? O que há por trás da decisão da Bolívia de extraditar italiano, que rende críticas a Evo

1º.jan.2019 - Presidente Jair Bolsonaro toma posse e recebe os cumprimentos de Evo Morales, presidente da Bolívia -
1º.jan.2019 - Presidente Jair Bolsonaro toma posse e recebe os cumprimentos de Evo Morales, presidente da Bolívia

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC News Brasil

15/01/2019 17h20

Para analistas, Evo Morales rapidamente extraditou o italiano por pragmatismo e para evitar problemas com seu principal parceiro na região.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, foi alvo de uma série de críticas de aliados por causa da prisão e da extradição do italiano Cesare Battisti no país.

Mas especialistas e fontes ouvidas pela BBC News Brasil apontam que Evo optou pelo "pragmatismo", que já o caracterizou em outras situações.

Evo, disseram, não pretende desagradar o colega brasileiro Jair Bolsonaro - apesar de estarem em pontos distantes do espectro ideológico - e correr o risco de ficar isolado na região. Ainda segundo a avaliação deles, o presidente boliviano quer evitar problemas em um ano de eleição presidencial, quando tentará o quarto mandato presidencial seguido na Bolívia.

"Não importa o presidente que esteja no poder no Brasil, seja ele de esquerda ou de direita, Evo fará de tudo para evitar conflitos com o país que é o principal parceiro da Bolívia, tanto na área econômica e comercial quanto no setor de segurança. Temos uma ampla e frágil fronteira com o Brasil e dele dependemos", disse o analista Javier Gómez, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário (Cedla, na sigla em espanhol), em La Paz.

O analista boliviano observou que Evo "briga" permanentemente com os Estados Unidos, ao qual chama de "império", mas que jamais faria o mesmo com o Brasil.

Para Gómez, o presidente boliviano já deve ter registrado "os primeiros sinais de mudança" na relação do Brasil com a Bolívia desde que Bolsonaro chegou ao poder, e não pretende piorar ainda mais a situação. O analista citou como exemplo o caso do projeto de construção do chamado corredor bioceânico, ligando o Atlântico, do Brasil, ao Pacífico, no Chile, que, ao contrário do esperado, excluiria a Bolívia, como anunciou o presidente do Chile, Sebastián Piñera, logo após encontro com Bolsonaro, no início deste mês no Brasil.

Nos vídeos disponíveis na internet, Piñera cita pontos no Brasil, no Paraguai, na Argentina e no Chile. E não se refere à Bolívia.

'Hermano'

Político definido como de esquerda e bolivariano, em referência ao grupo que surgiu com o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez (1954-2013), Evo até chamou Bolsonaro de "hermano" (irmão) num tuíte no dia da posse do presidente brasileiro - mesma forma como se referia a Lula, de quem era muito mais próximo, quando este era presidente do Brasil.

O pragmatismo de Evo foi ainda apontado pelos especialistas pela forma com que ele conduz a economia boliviana, com responsabilidade fiscal e crescimento, e por sua decisão de participar da posse de Bolsonaro, no dia 1º de janeiro, em Brasília, dez dias depois participar da polêmica posse do presidente venezuelano Nicolás Maduro, em Caracas.

Na cerimônia na Venezuela, Evo sentou ao lado dos colegas da Nicarágua e de Cuba que, como Maduro, tinham sido banidos da lista de convidados à posse de Bolsonaro.

'Dividido'

O analista em temas internacionais Francisco Solares, do Colégio de Internacionalistas do departamento (Estado) de Santa Cruz, disse que a extradição do italiano Battisti foi "claramente" um gesto de Evo para Bolsonaro.

"É uma forma de sinalizar um recomeço na relação com o Brasil", disse Solares. Para ele, todas as decisões passam pelo presidente, e a medida teria "dividido" o governo, já que a ala mais à esquerda, ligada ao vice-presidente Álvaro García Linera, não aprovaria a decisão de extraditar Battisti.

O historiador e jornalista argentino Pablo Stefanoni, que morou sete anos em La Paz, e é apontado por acadêmicos como um dos mais entendidos sobre os atos de Evo e dos líderes de esquerda da região, avalia que a "rápida ação" de extraditar Battisti, sem direito a apelação para continuar no país, confirma o pragmatismo do líder boliviano.

"Battisti foi extraditado em menos de 24 horas. Evo quis se livrar rápido da situação para não ter problemas com Bolsonaro. Mas com a decisão de expulsar Battisti certamente dividiu o governo. A ala mais à esquerda do governo não apoia este tipo de medida", disse Stefanoni à BBC News Brasil.

Nas redes sociais, Stefanoni escreveu que Battisti foi um "regalo" (presente) de Evo para o líder italiano Matteo Salvini e para o "hermano" Bolsonaro.

Homem forte

Battisti foi preso no último sábado (12) em Santa Cruz de la Sierra, ao lado do território brasileiro, e entregue, no dia seguinte, pela Interpol Bolívia à Interpol da Itália no aeroporto internacional de Viru Viru, na mesma cidade.

O anúncio da extradição de Battisti foi feito por um dos homens fortes da administração de Evo, o ministro de Governo Carlos Romero, responsável pela área de segurança na gestão central. Romero não faria nada sem a determinação direta de Evo, concordaram analistas e fontes ouvidas pela BBC News Brasil.

No domingo, no rápido comunicado, com direito a poucas perguntas, na sede da Interpol em Santa Cruz de la Sierra, Romero informou que Battisti tinha entrado no país "de forma irregular" e por isso seria extraditado, segundo as "normas migratórias" do país. E que a operação tinha sido detalhada entre as autoridades diplomáticas da Bolívia e da Itália.

Em nenhum momento ele citou a palavra Brasil. Nem mesmo quando perguntado, respondeu apenas que "o Estado requerente é a Itália" e disse ainda que não havia registro do lugar por onde o italiano entrara, evitando especificar que tinha sido do Brasil para a Bolívia. Romero também evitou dar detalhes de como a prisão tinha sido feita em uma rua da cidade.

No dia seguinte, segunda-feira, ele confirmou que Battisti tinha pedido "refúgio", em dezembro, à Comissão Nacional de Refugiados (Conare) e que o pedido tinha sido negado.

Nesta terça-feira, três dias depois da expulsão de Battisti da Bolívia, o caso continua rendendo críticas - mas também elogios - a Evo Morales.

O irmão do vice-presidente, Raúl García Linera, que apoia o governo, disse que a decisão boliviana de entregar Battisti às autoridades italianas foi "injusta, covarde e reacionária". Por sua vez, um dos integrantes do Movimento ao Socialismo (MAS), que é a base de apoio política e social de Evo, chamou Romero de "judas", também pela mesma decisão.

A decisão de Evo foi, porém, elogiada por políticos de Santa Cruz de la Sierra, reduto da oposição à La Paz, que antes o criticavam, como Samuel Doria Medina. "Digo, sem ódio, mas com firmeza, que a Bolívia não pode ser refúgio de assassinos e refugiados", disse.

No fim de semana, a detenção e extradição de Battisti marcou uma espécie de xadrez político e policial internacional.

No domingo, autoridades brasileiras chegaram a afirmar que Battisti seria entregue pelo Brasil à Itália.

Mais tarde, o chanceler brasileiro Ernesto Araújo dizia, no Twitter, que o Ministério da Justiça e o Itamaraty estavam tomando "todas as providências necessárias em cooperação com os governos da Bolívia e da Itália para cumprir a extradição de Battisti e entregá-lo às autoridades italianas".

Por sua vez, Bolsonaro parabenizou os responsáveis pela prisão do "terrorista" que, disse, vinha sendo protegido pelos governos do PT.

O líder italiano Salvini agradeceu às autoridades brasileiras pelo empenho que levou à prisão de Battisti - comunicado que também foi publicado no Twitter de Bolsonaro. O governo italiano afirmou que Battisti não passou pelo Brasil em seu percurso até a Itália por questões de segurança e de tempo.

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