Por que governo Maduro não conseguirá frear Guaidó ao torná-lo inelegível
O governo chavista tem fechado o cerco contra Juan Guaidó, líder do parlamento venezuelano e autodeclarado presidente interino da Venezuela.
Principal nome da oposição, Guaidó foi inabilitado para ocupar cargos públicos durante 15 anos pela Controladoria Geral da Venezuela. O controlador do governo, Elvis Amoroso, anunciou na televisão que iria "desativar o exercício de qualquer cargo público do cidadão (Juan Guaidó) pelo prazo máximo estabelecido na lei".
Mas, dificilmente, o presidente Nicolás Maduro conseguirá frear o líder oposicionista, que já declarou que vai desafiar a decisão assim como fez com todas as outras medidas restritivas impostas a ele pelo governo venezuelano.
Para tornar Guaidó inelegível, o governo de Maduro alegou que o oposicionista fez, desde 2015, mais de 90 viagens ao exterior sem a autorização da Assembleia Nacional e com gastos de 310 milhões de bolívares (R$ 367 mil), montante que ele não pode justificar com o salário de deputado.
A Controladoria venezuelana estimou que a maior parte dos gastos foi com "hotéis de luxo", onde Guaidó teria se hospedado nessas viagens internacionais.
Reação
Autoridades chavistas acusam Guiadó de ser o cabeça de "um golpe de estado orquestrado pelos EUA" desde janeiro, quando o líder do parlamento se autodeclarou presidente interino da Venezuela - e foi reconhecido como tal por países como Estados Unidos, Brasil, Reino Unido, Espanha, Alemanha e França.
A história recente da Venezuela mostra, contudo, que outros integrantes da oposição que se voltaram contra Nicolás Maduro ou mesmo contra seu antecessor Hugo Chávez foram acusados de corrupção e, eventualmente, ficaram impedidos de disputar cargos eletivos e ocupar postos públicos.
Henrique Capriles, rival de Chávez e Maduro, foi inabilitado por supostas irregularidades cometidas durante o período que governou o Estado de Miranda.
Leopoldo López, que também se despontou como liderança da oposição, foi acusado de mal uso de recursos públicos durante o período que foi prefeito de Chacao. Ele foi condenado a 13 anos por ter se envolvido com os protestos contra Maduro em 2013 e atualmente cumpre a pena em prisão domiciliar.
Mas Guaidó parece não se intimidar. "Não vão nos deter nem por um segundo", declarou Guaidó aos apoiadores, num ato político em Caracas.
A oposição está convocando para o próximo sábado, novas manifestações contra o governo de Maduro para protestar contra a série de apagões que têm afetado todo o país.
Logo depois que a sanção contra Guaidó foi anunciada na televisão estatal, o líder oposicionista veio a público dizer que a decisão de Elvis Amoroso é uma "farsa".
Guaidó se perguntou como poderia ter cometido irregularidades com seu salário de deputado se nem ele nem o resto dos legisladores antichavistas recebem remuneração desde 2016.
A oposição venezuelana não reconhece o resultado das eleições de maio de 2018, quando Maduro se proclamou reeleito para mais seis anos como presidente numa disputa polêmica.
Os opositores alegam que houve fraude e, portanto, rechaçam a legitimidade do atual mandato do chavista. Eles também não reconhecem Elvis Amoroso como controlador-geral da Venezuela, uma vez que foi nomeado pela Assembleia Nacional Constituinte que era composta apenas por partidários do governo. A Constituinte foi criada por iniciativa de Maduro depois que a oposição assumiu o controle da Assembleia Nacional.
"Não há controlador, não há Constituinte", reafirmou Guaidó.
O deputado Juan Miguel Matheus, também integrante da oposição, afirma que "todos os atos de Elvis Amoroso são nulos".
Matheus argumenta que, justamente por não ter sido indicado pela Assembleia Nacional como prevê a Constituição venezuelana, Amoroso não pode responder pela Controladoria-Geral da Venezuela.
Guaidó e seus seguidores anunciam que vão continuar se mobilizando para tirar Nicolás Maduro do poder e "retornar a democracia à Venezuela".
Quais as consequências que a desqualificação política terá na prática?
Na realidade, para o governo de Maduro, Guaidó já não tem legitimidade para atuar como político há algum tempo. Portanto, na prática, essa nova sanção contra ele não altera significativamente a situação do líder oposicionista.
A menos que seja detido, uma possibilidade que Maduro e Diosdado Cabello, outro líder de peso dos chavistas, já cogitaram abertamente. Guaidó, contudo, já deixou claro que manterá suas atividades.
Em fevereiro, ele ignorou a proibição de sair do país imposta a ele pelo Tribunal Supremo da Venezuela. Esteve na Colômbia para um show de música que descreveu como "ajuda humanitária" para os venezuelanos e, em seguida, visitou vários países da América Latina, entre eles o Brasil.
Mesmo ameaçado de ser preso, retornou à Venezuela pelo aeroporto de Maiquetía, que serve Caracas. Ele não foi detido e o ato foi interpretado como um desafio escancarado ao poder das instituições de Maduro e Chávez.
Guaidó preside a Assembleia Nacional, uma instituição que também foi declarada como sendo "desacato" pela Corte Suprema depois de uma longa queda de braço entre governistas e oposicionistas pelo comando da Casa - a oposição assumiu a maioria, mas a Constituinte com apenas partidários de Maduro foi estabelecida.
Assim, a maioria das leis aprovadas pela Assembleia não são aplicadas no país, uma vez que os chavistas controlam o Executivo, as forças de segurança e o Exército.
O que pode acontecer com a Venezuela?
O anúncio de Amoroso significa um passo adiante na aparentemente calculada ofensiva governamental que, eventualmente, pode terminar com a prisão de Guaidó.
No dia 21 de março, agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) detiveram o chefe do gabinete dele, Roberto Marrero, que foi preso acusado de terrorismo.
Apesar de Guaidó já ter dito que Maduro "não se atreve" a detê-lo, o governo "parece estar tentando mandar uma mensagem a Guaidó e medir a reação internacional", avalia Phil Gunson, especialista do centro de análise International Crisis Group.
"Se a reação à detenção de Marrero for meramente declaratória, então Guaidó vai estar correndo sério perigo", adverte o analista.
Os Estados Unidos, que haviam anunciado que responderiam a qualquer passo contra Guaidó com "uma ação forte e significativa", já reagiram impondo novas sanções contra o governo de Maduro.
Apesar disso, o fantasma da detenção de Guaidó permanece no ar.
Phil Gunson não descarta que "Maduro espera uma eleição e quer eliminar o candidato mais popular".
"Mas um acordo para ir às urnas parece muito distante", conclui.
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