Vermont, o lugar dos EUA onde buscam-se imigrantes
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou recentemente que o país estava "cheio" e, portanto, não era possível permitir a entrada de novos migrantes.
Mas os cidadãos de um Estado americano majoritariamente rural não poderiam discordar mais desta declaração.
Há 40 anos, Curtiss Reed foi a Vermont, no extremo nordeste americano, nas férias para esquiar e ficou preso em uma tempestade. Ele teve que dormir em uma loja da Dunkin Donuts por duas noites até conseguir chegar à casa de um amigo. Com isso, teve muito tempo para apreciar a beleza natural do Estado.
"Passei três semanas esquiando, comendo, bebendo e me convenci de que era um paraíso", diz Reed, que é consultor da Associação para a Igualdade e Diversidade em Vermont.
"Seis meses depois, me mudei para cá."
Mas desde então, Reed testemunhou o fechamento de muitas lojas no centro de cidades de todo o Estado, o aumento dos impostos e a estagnação dos salários.
Ele avalia que isso está acontecendo porque historicamente Vermont tentou apenas atrair um único tipo de morador.
Homens brancos e heterossexuais
"A estratégia de marketing de Vermont por décadas foi atrair homens brancos heterossexuais com renda familiar de US$ 120 mil ou mais, e essa população está encolhendo", diz ele.
Embora o presidente Donald Trump tenha dito em visita à fronteira sul dos EUA, no início do mês passado, que "o país está cheio", Reed acredita que, se Vermont quer impulsionar a economia local, precisa atrair mais gente.
Mas o Estado tem dois problemas: não tem mão de obra suficiente para ocupar os postos de trabalho já existentes e não sabe como atrair pessoas com perfil demográfico diferente da sua população atual, que é 95% branca.
Sob as políticas do governo Trump, cada vez menos refugiados, imigrantes e trabalhadores com vistos temporários entram no Estado.
Joan Goldstein, responsável pelo Departamento de Desenvolvimento Econômico de Vermont, diz que há uma corrida em andamento. Segundo ela, vários Estados do país estão competindo para atrair novos moradores.
"Eu sei que isso soa muito mercenário, mas estamos em um mercado competitivo", afirma.
Ela conta que Vermont implementou uma grande mudança em sua abordagem: em vez de tentar atrair negócios para o Estado, está cortejando agora diretamente as pessoas.
"Outros Estados nos perguntaram como fizemos isso, porque também estão interessados ??no mesmo tipo de tática", revela.
"Embora ainda esteja no começo, é provável que se torne uma tendência em breve."
Barreiras de imigração
Neste ano, Vermont começou a oferecer US$ 10 mil a certos tipos de trabalhadores para se mudarem para partes remotas do Estado.
"Houve um grande interesse fora dos EUA com o sucesso publicitário inicial que tivemos", diz Goldstein. "Eu diria que cerca de 25% das pessoas que nos consultam são de outros países."
Mas até agora não há nenhum refugiado ou estrangeiro entre as 26 pessoas aprovadas para receber o subsídio.
Isso se deve possivelmente a existência de barreiras para imigrantes que querem trabalhar no Estado.
Chris Winters, subsecretário de Estado, diz que tem sido difícil para vários profissionais conseguirem validar suas credenciais em Vermont.
"Então você começa a manter injustamente as pessoas fora das profissões para as quais estão qualificadas", diz Winters.
"Então ainda há muito a ser feito em Vermont para melhorar o acesso à nossa força de trabalho."
No mês passado, os parlamentares do Estado aprovaram um projeto de lei que visa facilitar para muitos imigrantes transferir suas qualificações, para que consigam obter a certificação necessária para trabalhar em Vermont. A expectativa é que seja sancionado pelo governador.
O Estado também está tomando outras medidas, como a nomeação de um superintendente de igualdade racial e diversidade.
Winters espera que essas medidas ajudem a atrair, entre outros, muitos imigrantes do Canadá - que faz fronteira com o Estado - para trabalhar em Vermont.
Ele acredita que a diversidade é essencial para manter a geração millenial no Estado - e dá o exemplo da própria filha, que está saindo de Vermont para cursar faculdade em outro Estado porque acha que a população não é suficientemente diversificada.
"Acho lamentável ouvir declarações como 'a América está cheia' ou 'não há mais vaga na pousada', diz Winters.
"Posso garantir que há muito espaço em Vermont."
Discriminação
Marita Canedo, do grupo Migrant Justice de Burlington, afirma, por sua vez, que Vermont ainda tem um longo caminho pela frente antes de ser um Estado acolhedor para imigrantes e minorias.
"Se você vai promover um lugar, você deve levar em conta as pessoas que já estão lá e que lutam todos os dias para sobreviver, como acontece na indústria de laticínios", diz Canedo.
Muitas pessoas que trabalham nessa indústria em Vermont não têm documentação.
Cruz Alberto Sánchez-Pérez deixou o México e se mudou para o Estado em 2015 para se juntar a dois irmãos que trabalhavam em fazendas produtoras de leite.
Ele conta que costumavam receber menos de um salário-mínimo e não tinha um dia de folga sequer, até que eles se organizaram para exigir melhores salários e benefícios.
Apesar de ter acabado de obter asilo nos EUA, Sánchez-Pérez acredita que continua sendo um ambiente tenso para pessoas com o perfil dele.
Além da Lei de Imigração e Alfândega, a Patrulha de Fronteira dos EUA tem jurisdição sobre 160 quilômetros da fronteira federal, que inclui grande parte de Vermont, e está constantemente à procura de pessoas sem documentação que tentam atravessar a fronteira com o Canadá.
Vermont também enfrentou alguns problemas raciais.
"Nos últimos três ou quatro anos, tivemos vários incidentes infelizes", diz Reed.
Em 2017, o prefeito da cidade de Rutland fez campanha dizendo querer atrair refugiados sírios com o objetivo de revitalizar a economia local.
A rejeição que enfrentou chamou atenção nacional e sua derrota nas urnas foi considerada como um referendo sobre a receptividade a refugiados.
No ano passado, Kiah Morris, a única senadora afro-americana do Estado de Vermont, renunciou porque sua família estava sendo perseguida.
E em Stowe, no norte do Estado, também foram registrados insultos racistas contra professores e crianças que não eram brancas em um acampamento.
"Há muitos lugares no Estado onde esses incidentes ocorrem", diz Reed.
Segundo ele, isso cria a imagem de um lugar discriminatório para onde ninguém quer ir, então os governos estaduais e municipais precisam fazer uma campanha ativa contra isso, avalia.
Para o consultor, é necessário direcionar as mensagens especificamente aos imigrantes e às comunidades minoritárias, porque nem todos têm acesso a informações da mesma forma que os brancos.
Vermont poderia fazer anúncios por meio das redes sociais, na comunidade conhecida como Black Twitter, por exemplo, focada em questões de interesse da comunidade negra americana. Ou ainda fazer divulgações em espanhol.
"Tudo começa com o convite", diz Reed.
"E se você está convidando apenas uma pequena parcela da população, então o resultado é que o crescimento econômico e a prosperidade estão em perigo".
*The World é uma coprodução da rádio BBC World Service, PRI / PRX e WGBH. Você pode ouvir e ler a versão original da reportagem (em inglês) aqui.
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