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Da crítica à comemoração: como Bolsonaro suavizou o discurso em relação ao Mercosul

28.jun.2019 - Bolsonaro participa do G20 em Osaka, no Japão - Ludovic Marin/Pool/AFP
28.jun.2019 - Bolsonaro participa do G20 em Osaka, no Japão Imagem: Ludovic Marin/Pool/AFP

28/06/2019 20h14

O presidente brasileiro comemorou o acordo fechado entre a União Europeia e o Mercosul; no passado, porém, Bolsonaro fez críticas ao bloco sul-americano.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) comemorou o anúncio de um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul nesta sexta-feira (28/06).

O líder brasileiro disse se tratar de algo "histórico", que "trará benefícios enormes" para a economia brasileira.

O entusiasmo demonstrado pelo presidente com o bloco sul-americano, no entanto, contrasta com as críticas contundentes feitas por ele no passado.

Em março de 2016, quando ainda era deputado federal, Bolsonaro afirmou em um discurso na Câmara que a crise econômica de então era fruto da forma como o Brasil, nos governos do PT, optou por um "viés ideológico" ao fazer negócios "não com o mundo, mas, basicamente, na América do Sul, com o Mercosul".

"Obviamente mantemos comércio com a China e com outros poucos países, mas foi essa âncora ideológica que nos levou a esse estado de coisas", declarou na ocasião.

No ano seguinte, ainda deputado, Bolsonaro reforçou essa posição ao defender, no Twitter, que o Brasil precisava "ter outras opções fora das amarras ideológicas do Mercosul". "Partamos para o bilateralismo (acordo entre dois países) em prol do desenvolvimento real do país", disse na época.

https://twitter.com/jairbolsonaro/status/918112409520410626

Já durante a campanha eleitoral, Bolsonaro começou a suavizar o tom. Apesar de ainda defender o bilateralismo nas relações comerciais com outros países "no que for possível" e dizer que buscaria fazer comércio "sem viés ideológico" na América do Sul, declarou também que o Mercosul não poderia ser "abandonado de uma hora outra para a outra", porque "muita gente investiu alto" na sua construção.

Agora, com a oficialização do acordo com a União Europeia, o tom foi de vitória. "Nossa equipe, liderada pelo embaixador Ernesto Araújo, acaba de fechar o Acordo Mercosul-UE, que vinha sendo negociado sem sucesso desde 1999. Esse será um dos acordos comerciais mais importantes de todos os tempos e trará benefícios enormes para nossa economia", afirmou no Twitter.

"Prometi que faria comércio com todo o mundo, sem viés ideológico. Não foi retórica vazia de campanha, típica da velha política. É pra valer! Estou cumprindo mais essa promessa, que renderá frutos num futuro próximo. Vamos abrir nossa economia e mudar o Brasil pra melhor!", continuou o presidente.

https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1144656459969572864

Criado em 1991, tendo como sócios originais Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o Mercosul é um bloco econômico multilateral, que prevê ampla circulação de bens e serviços, com facilidades tarifárias no comércio entre os países-membros. A Venezuela era um estado-membro desde 2012, mas, em 2017, foi suspensa do bloco por "violações democráticas".

Hoje, o Mercosul ainda conta com a participação de Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname como estados-associados.

Bolsonaro defendeu 'Mercosul enxuto'

Em encontro com o presidente argentino, Mauricio Macri, em janeiro, em Brasília, Bolsonaro defendeu mudanças no Mercosul para valorizar sua tradição original de abertura comercial, redução de barreiras e eliminação de burocracia. "O propósito é construir um Mercosul enxuto que continue a fazer sentido e ter relevância", declarou.

O presidente afirmou ainda que era preciso concluir as negociações mais promissoras que já estavam em andamento, uma das quais era o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, e dar início a outras para "criar novas oportunidades comerciais e de investimentos, afim de gerar prosperidade e bem-estar em nossos países".

Poucos dias depois, no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, o presidente defendeu o mudanças no Mercosul, sem entrar em detalhes. "No tocante ao Mercosul, alguma coisa deve ser aperfeiçoada", disse Bolsonaro.

"Estamos preocupados em fazer uma América do Sul grande e que cada país mantenha a sua hegemonia local. Não queremos uma América bolivariana como há pouco existia no Brasil, em governos anteriores."

'Inclinações bolivarianas'

Logo depois da eleição de Bolsonaro, Paulo Guedes, apontado já na época como futuro ministro da Economia, declarou ao jornal argentino Clarin que o Mercosul não seria uma prioridade do futuro governo. O objetivo, disse Guedes, seria fazer comércio com todo o mundo.

O economista argumentou ainda que o Mercosul é "muito restritivo, o Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas e isso é ruim para a economia". Disse também que o bloco só negociava com quem tinha "inclinações bolivarianas", mas que isso não ocorreria mais.

Isso teria gerado preocupações em autoridades da Argentina, país que tem o Brasil como principal parceiro comercial. Após a posse de Bolsonaro, em janeiro, Guedes teria aproveitado uma reunião entre os governos brasileiro e argentino em Brasília para desfazer o mal-estar, segundo noticiou o jornal Folha de S. Paulo.

Na ocasião, o ministro afirmou que sua fala anterior havia sido um "equívoco". Acrescentou que o Mercosul era importante e que o governo brasileiro não o trataria como algo sem relevância.

Em junho, Guedes voltou a criticar o bloco em uma transmissão pelo Facebook feita ao lado de Bolsonaro em viagem à Argentina. "A Argentina já foi o sexto país mais rico do mundo, e o Brasil era a economia que mais crescia no mundo. E o Mercosul virou uma trava para o crescimento e também ameaçou a nossa democracia, como aconteceu com a Venezuela", disse o ministro.

"Então, a palavra de ordem aqui, tanto do presidente Bolsonaro, quanto do presidente Macri, foi justamente a liberdade. A liberdade econômica e a liberdade política, democracia e mercado, para botar o Brasil pra crescer de novo."

Ao mesmo tempo, o ministro afirmou que a aproximação econômica entre Argentina e Brasil era para "botar o Mercosul para rodar". "Nós vamos integrar as duas economias, vamos ter energia barata, vamos ter comida barata", disse.

Presidentes anteriores defenderam acordo

Enquanto Bolsonaro manifestava antipatia ao Mercosul antes de ser eleito, presidentes anteriores se envolviam ativamente em negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia.

Uma forma curiosa de registro é a conta no Twitter no Palácio do Planalto, que foi criada em junho de 2009. A cronologia dos tuítes mostra que todos os presidentes desde então trataram desse assunto.

Em agosto de 2010, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o Planalto publicou que a prioridade da presidência do Mercosul - que o Brasil assumia naquele momento pelo rodízio estabelecido entre os países-membros - seria o pacto comercial com a UE.

https://twitter.com/planalto/status/943833182020960257

Já em maio de 2013, durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, o Twitter do Planalto publicou que "Dilma destaca importância do acordo de associação entre Mercosul e União Europeia". No segundo mandato de Dilma, em fevereiro de 2016, outra publicação na rede social celebrava o engajamento da Bulgária para que fosse firmado um acordo Mercosul-União Europeia.

A partir da entrada de Michel Temer na Presidência da República, a quantidade de menções a um acordo entre Mercosul e União Europeia aumentou no Twitter oficial da Presidência. Em dezembro de 2016, a conta na rede social citou uma frase do presidente a respeito: "Estamos agilizando o acordo do Mercosul com a União Europeia".

No ano seguinte, o então presidente comentou que "progredimos nas negociações do Mercosul com a União Europeia". "Pela primeira vez, em 20 anos, temos uma perspectiva realista", citou a conta do Planalto.

Professor de Relações Internacionais na Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP), Oliver Stuenkel diz que "todos os governos deram alguns passos" na negociação, mas que provavelmente foi Temer quem "mais contribuiu" efetivamente com o avanço do projeto. "Se tivesse tido mais tempo (de mandato), seria ele a ter fechado esse acordo."

"O Fernando Henrique Cardoso iniciou, mas a partir de 2003, com os governos petistas, aconteceu muito pouco. As gestões (do PSDB e do PT) tinham muitas semelhanças, mas há a diferença-chave em relação à globalização. Fernando Henrique acreditava que ela era inevitável, como o tempo; não tinha como resistir às tendências que estavam transformando o mundo, e nesse sentido o Brasil deveria buscar maior inserção na economia global", aponta.

"Já o PT também reconhecia a globalização, mas queria alterar suas regras."

Para Stuenkel, as gestões petistas não chegavam a ser contrárias a um acordo do tipo, mas os avanços foram poucos porque a agenda era outra.

"Não foi uma prioridade. Não havia uma inclinação (destes governos) para fechar grandes acordos, e este (com a União Europeia) é de longe o maior acordo comercial do Mercosul. Havia também a prioridade por uma política mais desenvolvimentista, voltada para o nacional."

Já a consolidação do acordo no governo Bolsonaro é, para o professor, "irônica" já que este apresentou-se muitas vezes como "antiglobalização", tem um ministro das Relações Exteriores "anti-União Europeia" e um ministro da Economia "anti-Mercosul".

A comemoração do presidente é uma contradição com um discurso não tão passado assim que, no entanto, teve de ceder a benefícios evidentes para a economia do país - apesar de os detalhes sobre os termos do acordo ainda precisarem ser conhecidos para fazer um balanço, enxerga o professor.

"Do ponto de vista geopolítico, esse acordo é muito importante porque o Brasil vai ter que lidar para valer com essa tensão entre Pequim e Washington (a guerra comercial entre China e EUA). Ele vai ajudar o Brasil a articular sua própria estratégia em um mundo cada vez mais instável."

"Os economistas vêem que o país não consegue se recuperar sem abertura (comercial)."

Stuenkel avalia que Bolsonaro teria o poder de travar o acordo, mas não o fez, apesar de tê-lo colocado em risco com suas posições e discursos.

"Na batalha entre três grupos dentro do governo, os economistas, os militares e os 'antiglobalistas', os economistas venceram. Os técnicos e diplomatas avançaram, apesar do presidente e seus ministros atrapalharem. O governo sabia que o mercado esperava isso de Guedes".


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