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Boris Johnson: 'Trump britânico' abre caminho para aliança transatlântica com Bolsonaro?

Da esquerda para a direita: O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro; o premiê britânico, Boris Johnson, e o presidente dos EUA, Donald Trump - Arte/BBC
Da esquerda para a direita: O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro; o premiê britânico, Boris Johnson, e o presidente dos EUA, Donald Trump Imagem: Arte/BBC

Nathalia Passarinho - @npassarinho - Da BBC News Brasil em Londres

25/07/2019 17h04

O cabelo muito loiro, penteado de maneira curiosa, as gafes, as frases polêmicas, o estilo que destoa dos políticos tradicionais e o nacionalismo são algumas das características usadas para descrever este líder.

Poderíamos estar falando do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mas trata-se do novo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, que assumiu a chefia de governo do país e a liderança do Partido Conservador na quarta (24/7).

As semelhanças entre os dois governantes já rendem a Johnson o apelido de "Trump do Reino Unido" ou "Trump britânico".

"Ele é um homem bom, é duro e é inteligente. Eles o chamam de Trump do Reino Unido. Isso é uma coisa boa. Eles gostam de mim lá. É o que eles queriam, é o que eles precisam. Boris vai fazer um bom trabalho", disse Donald Trump, após a vitória de Johnson ser anunciada na disputa pela liderança do Partido Conservador.

Se as comparações forem justas, Trump já tem um sósia na América do Sul e na Europa. Afinal, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, é apelidado de "Trump dos trópicos" pela imprensa internacional - e se orgulha disso.

Mas o que as supostas semelhanças entre Johnson e Trump podem representar para as relações do Brasil de Jair Bolsonaro com o Reino Unido? Há espaço para uma aliança transatlântica entre esses líderes?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que os interesses comerciais do Reino Unido e a defesa de Bolsonaro ao liberalismo econômico devem contar muito mais para uma aliança com Johnson do que similaridades de personalidade ou de ideologia.

Além disso, há diferenças substanciais entre Johnson e Trump, principalmente em relação à defesa de direitos LBGT, igualdade de gênero e meio-ambiente, que tornam a aproximação a nível pessoal entre Bolsonaro e o novo premiê britânico improvável.

"Em termos de posição sobre direitos sociais, direitos humanos e questões de costumes, Bolsonaro e Trump são criaturas completamente diferentes de Boris Johnson", disse à BBC News Brasil o professor de Relações Públicas Internacionais Christopher Sabatini, da Universidade de Columbia, em Nova York.

"Mas a necessidade de o Reino Unido firmar acordos comerciais pode promover uma aliança de conveniência com o Brasil", completa Sabatini, que também integra a Chatham House, uma das instituições de pesquisa mais respeitadas do Reino Unido.

As semelhanças Trump-Boris-Bolsonaro

A comparação de Boris Johnson com Trump não é estimulada só pelo presidente americano. A oposição no Reino Unido também se utiliza dela, mas para atacar o premiê.

Durante a primeira participação de Johnson em uma sessão do Parlamento, o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, destacou que o novo primeiro-ministro é conhecido como "Trump britânico".

"As pessoas temem que, longe de tomar de volta o controle sobre os rumos do nosso país, o primeiro-ministro nos torne um Estado vassalo da América de Trump", disse.

Na visão do professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas Oliver Stuenkel, o que aproxima Johnson de Trump é o estilo "populista" de vender "soluções fáceis para problemas complexos".

"Eles se assemelham na dimensão da retórica. Usam argumentos que não se sustentam do ponto de vista acadêmico e científico para promover propostas que carecem de detalhes", afirma.

Para difundir propostas sem ter de respaldá-las com dados que comprovem eficácia, os dois líderes se utilizam, segundo Stuenkel, das paixões evocadas pelo nacionalismo.

No caso de Johnson, a principal agenda é o Brexit- a saída do Reino Unido da União Europeia. O atual primeiro-ministro foi um dos líderes da campanha pelo Brexit no plebiscito realizado em 2016.

Apostando em ideias nacionalistas, de resgate da soberania e de retorno a um império global, o premiê aposta numa ruptura radical com a União Europeia apesar de o Banco da Inglaterra (equivalente ao Banco Central brasileiro) apontar para o risco de o Reino Unido entrar numa recessão pior que a provocada pela crise financeira internacional de 2008.

"Vejo semelhanças nessa estratégia de oferecer soluções simplistas a problemas que são muito complexos e que requereriam participação ativa da população", avalia Stuenkel.

O professor americano Christopher Sabatini também aponta o nacionalismo, a retórica e a aparência como principais semelhanças entre Trump e Johnson.

"Claramente tanto Boris Johnson quanto Trump compartilham da vontade de sacudir o sistema internacional atual e os dois são nacionalistas. Boris Johnson quer um Brexit radical e Trump tem focado nos interesses dos Estados Unidos em acordos comerciais com a União Europeia e em decisões da ONU", diz.

"Eles usam a mesma estratégia de fomentar uma base eleitoral nacionalista em busca de apoio para isso."

'Outsiders'?

Johnson se vende como irreverente, tem um aspecto físico até parecido com Trump e é conhecido por frases polêmicas. Mas, diferentemente do presidente americano, ele não é um "outsider" ou uma figura de fora da política tradicional.

Foi parlamentar, prefeito de Londres, ministro de Relações Exteriores e ocupou postos de destaque no partido político mais tradicional do Reino Unido.

Nisso, Johnson também se difere de Bolsonaro, que embora tenha sido deputado por 27 anos, sempre foi do baixo clero e nunca ocupou postos de liderança nos partidos que integrou.

"Boris Johnson pertence ao 'establishment', enquanto Trump e Bolsonaro não. Boris é mais afeito ao toma-lá-dá-cá da política. Ele é um produto do partido, embora tenha um aspecto e estilo diferentes dos políticos britânicos tradicionais", ressalta Sabatini, da Universidade de Columbia.

Já Stuenkel acredita que, embora Johnson tenha um currículo tradicional como político britânico, o novo primeiro-ministro se utiliza de gafes "programadas" e do estilo irreverente para se apresentar como "diferente dos políticos tradicionais".

"Ele usa de maneira bem pensada gafes para se diferenciar. Inclusive diz em entrevistas que tem plantado gafes para confundir seus inimigos. Claro que essa é uma maneira de projetar autenticidade e de difundir a imagem de que ele não é aquele político cauteloso, burocrata."

Mas a principal diferença entre Bolsonaro, Trump e Johnson diz respeito a questões de costume e direitos sociais, apontam Sabatini e Stuenkel. E são essas diferenças que tornam difícil a possibilidade de uma "tripla aliança".

Igualdade de gênero, aborto e direitos LGBT

O novo premiê britânico é defensor de amplos direitos reprodutivos para as mulheres (o aborto é liberado no Reino Unido), do respeito aos direitos LGBT e de medidas ambiciosas no combate ao aquecimento global.

Como prefeito de Londres, ficou conhecido por estimular o "transporte limpo" na cidade, com ampliação de ciclovias e estímulo para que bicicletas passassem a ser distribuídas para aluguel em todos os pontos da capital britânica.

Johnson também não é afeito a ataques diretos à imprensa profissional, diferentemente de Trump e Bolsonaro.

"Nesse sentido, acho que Boris Johnson não é como Trump e Bolsonaro. Ele não tem posições ultraconservadoras em relação a questões como aborto e liberdade de expressão. Esses não são temas dele. Johnson tem uma veia mais liberal que os populistas de direita", diz Stuenkel.

"Bolsonaro é um político conservador e eu diria que até retrógrado em questões relacionadas a inclusão social, direitos LGBT, direitos das mulheres e direitos humanos em geral", opina Christian Sabatini, da Universidade de Columbia e da Chatham House.

"Boris Johnson não é isso. O que quer que pensemos sobre as visões dele sobre Brexit, nacionalismo e populismo, o gabinete dele é diverso e inclui ingleses de origem indiana, paquistanesa, mulheres... Algo que está longe de ser do DNA de Bolsonaro."

E como deve ser a relação Reino Unido-Brasil na gestão Boris Johnson?

Jair Bolsonaro reagiu com entusiasmo à eleição de Johnson. Como costume, publicou no Twitter sua visão sobre o novo primeiro-ministro.

"Parabéns @BorisJohnson, novo Primeiro-Ministro do Reino Unido, eleito com o compromisso louvável de respeitar os desígnios do povo britânico. Conte com o Brasil na busca por livre comércio, na promoção da prosperidade para nossos povos, e na defesa da liberdade e da democracia", escreveu o presidente no Twitter.

Para o professor Oliver Stuenkel, as necessidades econômicas do Reino Unido em caso de um Brexit radical com a União Europeia serão o fator decisivo numa relação mais ou menos próxima com o Brasil.

Johnson tem reiterado que seu país vai deixar o bloco europeu no dia 31 de outubro (data marcada para o Brexit) com ou sem acordo comercial e de transição com os europeus.

Se isso ocorrer, o Reino Unido terá que firmar rapidamente acordos comerciais com outros países, para evitar desabastecimento e suprir o consumo de produtos antes importados a preços baratos da União Europeia.

Atualmente, 28% dos alimentos consumidos pelos britânicos chegam de países europeus. O Brasil, como um dos maiores exportadores de commodities do mundo, seria um candidato natural a parcerias comerciais.

"Não acho que esse paralelismo entre Boris Johnson e Trump possa ser um fator decisivo para aproximar Johnson de Bolsonaro. Mas há uma chance real de haver uma aproximação comercial entre Brasil, ou o Mercosul, e o Reino Unido", diz Stuenkel.

O professor Christian Sabatini diz que o acordo recentemente firmado entre Mercosul e União Europeia favorece a visão no exterior de que Bolsonaro é um político aberto ao "livre comércio" e a firmar parcerias do tipo com outros blocos e nações.

Essa característica do presidente brasileiro pode favorecer, segundo Sabatini, uma aproximação entre Brasil e Reino Unido na gestão de Boris Johnson.

"Se Boris Johnson pressionar por um Brexti radical, o Reino Unido vai perder acesso a commodities mais baratas. Como consequência disso, pode ter de buscar acordos de livre comércio com o restante do mundo, especialmente com países produtores de commodities, como Brasil", afirma.

"Um acordo com o Brasil, por meio do Mercosul, pode muito bem ser de interesse de Boris Johnson para contrabalançar o Brexit."