Por que os governos duram em média apenas 13 meses na Itália
Giuseppe Conte assumiu na quinta-feira apoiado pelo Movimento 5 Estrelas e pelo Partido Democrata e comandará o 66º governo italiano desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Quanto tempo vai durar?
A Itália tem um novo governo, mais uma vez. Em uma cerimônia do Palácio Quirinale, em Roma, o advogado Giuseppe Conte assumiu na quinta-feira (5) como primeiro-ministro do país europeu.
Seu governo é o 66º desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Ou seja, os comandantes do Executivo italiano permaneceram no cargo por uma média de 405 dias: um ano, um mês e dez dias - o mandato extremamente curto se comparado aos demais países ocidentais.
No total, 29 políticos italianos, todos homens, ocuparam o cargo de premiê. Nesse mesmo período, a Alemanha teve nove chanceleres - o equivalente ao cargo de primeiro-ministro - e 25 governos.
O mais longo governo italiano foi o segundo mandato de Silvio Berlusconi, entre 2001 e 2005, por um total de 3 anos, 10 meses e 12 dias. Desde a formação do Estado italiano, em 1861, apenas o líder fascista Benito Mussolini (1883-1945) permaneceu no cargo por mais tempo.
Por outro lado, Amintore Fanfani teve a duvidosa honra de ser o primeiro-ministro mais breve da história contemporânea da Itália, quando ocupou o cargo por apenas 21 dias: entre 18 de janeiro e 8 de fevereiro de 1954. Mas isso não foi exceção. Dos 65 governos que a Itália teve até agora, doze duraram entre três e seis meses e dois, menos de três meses.
Mas por que há essa peculiaridade na política italiana?
Conte sucede a Conte
A Itália é uma república parlamentar: seus constituintes elegem 630 deputados e 315 senadores a cada 5 anos.
O primeiro-ministro, formalmente conhecido como presidente do Conselho de Ministros, precisa ter maioria tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado para poder governar.
Para isso, deve negociar a nomeação dos membros de seu gabinete com os partidos que representam a maioria no Congresso, porque cada novo governo deve receber um voto de confiança do Parlamento. E foi o que aconteceu nas últimas semanas.
Giuseppe Conte era desde junho de 2018 chefe do Executivo apoiado pelo Movimento 5 Estrelas (M5S) e pela Liga do Norte e renunciou em 20 de agosto, porque o partido de Matteo Salvini, a Liga, solicitou uma moção de censura.
Sergio Mattarella, presidente da República, buscou as forças políticas do Parlamento para formar uma nova maioria e estabeleceu uma coalizão entre o populista M5S e o Partido Democrata (PD), de centro-esquerda, que haviam ficado respectivamente em primeiro e segundo nas eleições legislativas de 2018.
As duas partes assinaram um acordo programático e propuseram que Conte presidisse um governo apoiado por seus deputados e senadores. Assim, Conte, após 1 ano, 3 meses e 5 dias como primeiro-ministro, sucede a si próprio e volta ao cargo de chefe de governo.
As causas da instabilidade do governo
Mas a estrutura institucional da Itália não explica por si só por que os governos duram tão pouco. Gianfranco Pasquino, professor de ciência política da Universidade de Bolonha, identifica três causas principais que explicam essa anomalia.
"Na primeira fase da república", que vai de 1946 a 1992, período marcado internacionalmente pela Guerra Fria, "não houve alternância entre os partidos. Nem o Partido Comunista Italiano nem os neofascistas podiam governar", diz Pasquino.
A maioria dos governos desse período foi liderada pelo partido centrista Democracia Cristã (DC), às vezes com o apoio de outros 4 ou 5 partidos menores. E aí reside a segunda razão apresentada por Pasquino para explicar a brevidade dos Executivos italianos.
"Ao longo desses anos, o Democracia Cristã teve até nove correntes adversárias dentro dele. Portanto, os governos mudaram com base nos equilíbrios de poder entre essas facções".
Isso também explica por que alguns líderes históricos dessa formação política presidiram vários governos, passando vários anos no cargo. É o caso, por exemplo, de Giulio Andreotti (1919-2013), que, em quase 70 anos de carreira política, foi sete vezes chefe de governo, oito vezes ministro da Defesa e cinco vezes ministro de Relações Exteriores, além de ter ocupado dezenas de cargos institucionais.
No entanto, apenas dois líderes conseguiram permanecer mais de cinco anos consecutivos no poder: Alcide De Gasperi, entre 1946 e 1953, e Aldo Moro, de 1963 a 1968.
Finalmente, a terceira razão refere-se à natureza fragmentada e diversificada da atual sociedade italiana. "Isso gera um sistema político composto por muitos partidos", acrescenta Pasquino, "algo que dificulta a formação de coalizões estáveis."
De fato, nas últimas eleições legislativas italianas, 11 partidos, divididos em três coalizões, obtiveram representação parlamentar. "Não existe um sistema eleitoral que possa dar soluções simples para um resultado assim", diz Luca Tentoni, analista político e autor de várias publicações sobre o assunto. "A instabilidade do governo italiano é claramente uma anomalia."
De fato, embora nos últimos anos outros países europeus, como Espanha, Bélgica e Holanda, tenham experimentado longos períodos de instabilidade política, nenhum deles tem uma tradição tão enraizada de governos breves quanto os italianos.
As consequências econômicas da 'anomalia' italiana
Segundo Pasquino, existem profundas consequências políticas e econômicas causadas por essa peculiaridade, e a mais óbvia é a impossibilidade de planejar a médio ou longo prazo.
"Ninguém conseguiu governar durante os cinco anos de duração de uma legislatura", lamenta Pasquino. "Isso tem consequências na esfera econômica, porque, se um governo é incapaz de planejar, empresas italianas e estrangeiras desistem de investir, e enormes recursos do país são desperdiçados."
No entanto, Tentoni aponta um lado positivo paradoxal nessa instabilidade governamental. "Para vencer a eleição, os partidos são obrigados a fazer grandes propostas durante a campanha eleitoral. Mas, uma vez vencidas as eleições, não podem cumprir suas promessas, porque não são economicamente sustentáveis".
Assim, diz ele, "se apenas um partido conquistasse a maioria, provavelmente arruinaria os cofres públicos".
Então, esse novo governo está destinado a durar mais ou menos que os anteriores?
Tentoni acredita que harmonizar os programas de dois partidos tão diferentes quanto o PD e o M5S será muito difícil, e o novo governo terminará após a aprovação dos orçamentos e de algumas reformas muito populares entre a sociedade italiana, como a redução no número de parlamentares de 945 para 600. "Para marcar uma data, digamos junho de 2020", prevê Tentoni, ou seja, menos de um ano.
Pasquino, por outro lado, acredita que o novo governo de Conte tem "75% de chance de terminar este mandato", que, se for cumprido até o final, se encerrará no início de 2023.
"Aposto que chegarão até pelo menos janeiro de 2022, quando o novo presidente da República será eleito". Aliás, o presidente é uma figura política muito importante na Itália, por ser eleito por todos os membros do Parlamento e, como garante da Constituição, ser considerado um árbitro da disputa política.
"A possibilidade de o presidente ser decidido por maioria de direita ou mesmo por Salvini forçará o PD e o Movimento 5 Estrelas a se entenderem", avalia Pasquino. Mas, em nenhum desses dois casos- terminando antes ou em 2022- esse será o governo italiano mais longevo.
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