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Como jovens que nasceram nos primeiros minutos do ano 2000 chegam a 2020

Desde que Maria Luiza e Thiago nasceram, Brasil viveu tanto avanços socioeconômicos quanto recessos - Arquivo Pessoal
Desde que Maria Luiza e Thiago nasceram, Brasil viveu tanto avanços socioeconômicos quanto recessos Imagem: Arquivo Pessoal

Vinícius Lemos - De Cuiabá para BBC News Brasil

Da BBC News Brasil, em Cuiabá

01/01/2020 06h16

Durante infância e início da adolescência deles, país vivia crescimento econômico e avanços sociais; no fim da adolescência e início da vida adulta, porém, veio a crise econômica, com piora do desemprego e do acesso à educação.

31 de dezembro de 1999.

Maria Luiza Schubert a princípio viria à luz dez dias depois, mas sua mãe sentiu contrações enquanto preparava a festa de Ano Novo e acabou que todos os convidados foram parar na maternidade, em São Paulo.

O nascimento, ocorrido justamente à meia-noite, era aguardado ali também por jornalistas em busca do primeiro bebê do ano 2000 na cidade e chegou a ser transmitido ao vivo na TV, em meio a imagens de shows e queimas de fogos. "É um espetáculo de vida que nos enche de emoção", resumiu o apresentador José Luiz Datena, à época, da Record.

Seis minutos depois, Thiago de Almeida nascia a mais de 400 km dali, também bagunçando planos de Réveillon. Era o primeiro a nascer em Curitiba naquele ano, o que lhe rendeu o apelido de "bebê do bug" ? havia um temor global em torno dos relógios de computadores na virada do ano.

Naquele janeiro de 2000, quase 8 mil crianças nasceram vivas por dia no Brasil, em média, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Desde então, a geração de Maria Luiza e Thiago, conhecida também como Z (hoje com idades em torno de 10 e 24 anos), viu o Brasil ampliar o acesso à educação dos jovens, viver períodos de bonança e recessão e enfrentar explosão da violência.

Durante a infância e o início da adolescência deles, o país vivia uma época de crescimento econômico e avanços sociais. No fim da adolescência e início da vida adulta, porém, o Brasil começou a enfrentar período de crise econômica, com piora do desemprego e do acesso à educação.

Para estudiosos, os jovens, como os nascidos no primeiro dia de 2000, são os mais atingidos pelas dificuldades que o Brasil tem enfrentado nos últimos cinco anos, principalmente a falta de vagas de trabalho e as mortes violentas. Em contrapartida, fazem parte da geração que mais teve oportunidades de estudos.

Os anos 2000

Apesar de toda a expectativa em torno do ano 2000, o terceiro milênio e o século 21 só começariam, de fato, em 2001. Mas a data redonda e o eventual bug do milênio marcaram aquela virada de ano.

Estimava-se que uma falha de programação poderia levar computadores ao redor do mundo a "acharem" que depois de 1999 viria 1900, em razão das duas últimas casas numéricas. Mas aviões não caíram e contas de banco não desapareceram.

Os zeros, porém, interferiram no registro civil de Maria Luiza. "Meus pais contam que tiveram de registrar minha certidão de nascimento como se eu tivesse nascido meia-noite e um, porque não poderiam colocar vários zeros."

Tanto ela quanto Thiago dizem que a data de nascimento gera bastante desconfiança alheia, e precisam mostrar documentos para provar.

"Bebê do bug", o jovem curitibano hoje ri da coincidência de sua área de estudos envolver computadores.

Acesso à educação

O Brasil do início dos anos 2000 apresentou melhoras em diferentes aspectos, em relação à década de 1990 ? marcada por períodos de instabilidade política e econômica.

Ainda assim, nos anos 1990, o Brasil tomou iniciativas para garantir a universalização do ensino fundamental e a diminuição do analfabetismo, conforme o estipulado pela Constituição Federal de 1988.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2001 apontou que 12,4% da população brasileira acima dos 15 anos, ou 14,9 milhões de pessoas, não sabia ler ou escrever. Em 2009, a fatia representava 9,7%, ou 14,1 milhões de pessoas, e em 2018, eram 6,8%, ou 11,3 milhões de brasileiros. A meta do país é erradicar o analfabetismo até 2024.

O Brasil também passou no período por uma forte expansão do ensino superior. Houve a criação de políticas de financiamento estudantil, bolsas em instituições privadas, cotas sociais ou raciais, unificação de processos seletivos, criação de universidades e ampliação de vagas.

No ano passado, 25% das pessoas de 18 a 24 anos frequentavam ou haviam completado curso superior ? entretanto, a mudança de metodologia impede comparar esses dados com os de 2000, segundo o IBGE. A meta do país é chegar ao patamar de 33%, também até 2024.

Para Marta Teresa Arretche, professora da Universidade de São Paulo (USP) e autora de Trajetórias das Desigualdades - Como o Brasil Mudou nos Últimos Cinquenta Anos, "o Brasil progrediu nos índices de escolaridade ao longo dos últimos 20 anos, porque as taxas de matrículas aumentaram, mas não foi capaz de aumentar os níveis da qualidade da Educação na mesma velocidade".

Tanto Maria Luiza Schubert quando Thiago de Almeida se beneficiaram de políticas públicas de ensino superior surgidas ao longo das vidas deles: ele passou por cotas destinadas a oriundos de escolas públicas, e ela entrou numa universidade de outro Estado por meio do Sisu, que reúne e distribui vagas a partir do desempenho dos alunos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Thiago sempre estudou em escolas públicas. O jovem, que atualmente mora em Valinhos (SP), queria cursar Engenharia de Telecomunicações na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mas passou no vestibular apenas na segunda tentativa, após fazer cursinho. Em sua opinião, a formação escolar que recebeu até ali não havia sido suficiente para prepará-lo para passar no curso.

Maria Luiza, que está no primeiro ano de Farmácia, somente conseguiu uma vaga na Universidade Federal Fluminense (UFF) em razão do Sisu. Ela, que morava em São Paulo com a família, não foi aprovada em universidades paulistas. Por isso, usou a nota no Enem para tentar uma vaga em outra região.

"Eu queria estudar em uma universidade pública. Como não passei nas de São Paulo, meus pais me disseram para optar por universidades que fossem mais próximas de São Paulo, para que não ficasse muito longe deles. Optei pela UFF", explica a jovem, que sempre estudou em escola particular.

O pai de Maria Luiza é empresário e a mãe, professora de ioga. Eles são os responsáveis por arcar com as despesas da filha em Niterói. "Me incomoda saber que estou dando despesas, porque sei que se eles não estariam gastando tanto comigo se ainda estivéssemos morando juntos", afirma a jovem.

Na nova fase da vida, a estudante relata que a saudade que sente dos pais, que neste ano se mudaram para Sorocaba (SP), é uma das maiores dificuldades. Ela os visita a cada dois meses. "Foi muito difícil sair da casa deles, principalmente no começo. Mas acabei me adaptando", afirma ela, que mora em uma república com outras seis jovens.

Desemprego piora entre os jovens

Chegar à universidade não é sinônimo de emprego garantido, mas pode levar a uma renda 2,5 vezes maior do que alguém com ensino médio, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, ou "clube dos países ricos").

Diferenças metodológicas não permitem comparações entre as taxas de desemprego registradas em 2000 e 2019, segundo o IBGE, mas quem nasceu no país há 19 anos viu a taxa de desemprego cair gradativamente por uma década (2004-14) até o início da pior recessão econômica desde 1989.

Em 2010, o pai de Thiago foi demitido do posto de gerente de vendas em Curitiba. A família chegou a enfrentar algumas dificuldades, mas havia mais postos abertos do que hoje e ele se recolocou relativamente rápido em uma cidade no interior paulista, Valinhos, para onde mudou a família inteira.

Nessa crise econômica recente, um brasileiro que perdia o emprego demorava em média cerca de oito meses para se recolocar ? um mês a mais que no período pré-crise. O país, que agora vive uma lenta retomada econômica, fechou o ano de 2018 com taxa de desocupação de 12,3%, ou 12,8 milhões de brasileiros.

Uma característica do desemprego no Brasil, desde décadas anteriores, é atingir mais comumente os mais jovens. No terceiro semestre deste ano, 25,7% dos jovens de 18 a 24 anos estavam sem emprego, mais que o dobro do índice geral. Em novembro, o governo de Jair Bolsonaro criou um programa (Emprego Verde e Amarelo) para atacar esse flanco, ao reduzir a tributação de empresas que contratarem trabalhadores de 18 a 29 anos no primeiro emprego.

No fim de 2017, logo após concluir o ensino médio, Thiago passou três meses em busca de um emprego. Ele conta que conseguiu uma vaga de vendedor em uma loja somente após ser indicado por um conhecido, no começo de 2018. Naquele ano, passou quase os 12 meses trabalhando. Grande parte do salário que recebia era usada para pagar um cursinho pré-vestibular. "Precisava trabalhar para que pudesse me preparar para conseguir uma vaga na Unicamp."

"Eu trabalhava o dia inteiro, até as 18h. Depois, pegava um ônibus lotado para fazer o cursinho, que começava às 19h. Era bem corrido. Após a aula, chegava em casa e ficava até umas 2h da madrugada estudando, porque durante o trabalho não conseguia estudar", relata.

Ele saiu do emprego um mês antes do Enem, conseguiu uma vaga na Unicamp e hoje se dedica integralmente à universidade. Thiago conta que a conquista foi uma grande felicidade para a família. O único irmão dele, cinco anos mais velho, cursa Engenharia Ambiental na mesma instituição.

Thiago e o irmão moram com o pai, que é gerente de vendas, e com a mãe, que é dona de casa. O patriarca é o responsável pelo sustento da família. Para ter uma renda própria, Thiago, que anos atrás fez curso técnico de Eletrônica, faz painéis luminosos junto com um amigo. Em geral, os serviços são feitos pelo jovem quando há tempo livre na universidade. "Mas não são todos os meses em que aparece serviço", diz o estudante.

Violência mata mais os jovens

A falta de emprego e a educação pública precária se refletem no aumento da violência, segundo a professora Marta Teresa Arretche, da USP.

"No contexto da crise econômica, da expansão da desigualdade e da pobreza, os jovens têm sido mais penalizados. Isso fornece espaço para o crescimento do crime organizado, que se torna uma alternativa de ocupação, pois oferece renda e ganhos rápidos para os jovens menos qualificados."

Segundo o Atlas da Violência 2019, mapeamento das mortes violentas no país feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Brasil é um dos países mais perigosos para os jovens.

Foram registrados 65.602 homicídios em 2017. O número equivale a 31,6 mortes para cada 100 mil habitantes ? a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera epidêmicas taxas de homicídio superiores a 10 homicídios a cada 100 mil habitantes.

Uma reportagem da BBC News Brasil de junho deste ano apontou que, se levarmos em conta apenas os dados da violência contra os jovens, o cenário se torna ainda mais preocupante: entre os homicídios no Brasil em 2017, mais da metade ? ou 35.783 ? vitimaram pessoas entre 15 a 29 anos, o que leva o Ipea e o FBSP a falarem em uma "juventude perdida por mortes precoces".

Considerando-se apenas essa faixa etária, a taxa brasileira de homicídios por 100 mil habitantes sobe para 69,9. É equivalente à taxa de homicídios (70) que o Haiti, país mais pobre das Américas, registrou nessa faixa etária em 2015, segundo o dado mais recente da OMS.

Há riscos também para os jovens no trânsito. Segundo a ONU, os acidentes representam a maior causa de morte de pessoas de 15 a 29 anos em todo o mundo. No Brasil, foram registradas 35,3 mil mortes no trânsito em 2017, dado mais recente, das quais 36,75% das vítimas eram homens de 20 a 39 anos.

O futuro

Apesar de dados pouco animadores em relação ao futuro, como os altos índices de desemprego e de violência, os jovens dizem tentar manter as esperanças, ainda que esparsas. Para Arretche, um dos maiores desafios do Brasil atualmente é melhorar a qualidade da educação e a inclusão dessa faixa etária no mercado de trabalho. "A juventude tem sido o setor da sociedade brasileira que tem sido mais atingido pela crise e é importante incluí-la", diz a estudiosa.

Thiago se mostra pouco esperançoso em relação ao futuro do Brasil. "Estou vendo que o país está regredindo em vários aspectos", diz o rapaz. Ele se mostra contrário à plataforma do presidente Bolsonaro, mas afirma não acompanhar muito as notícias sobre política.

Maria Luiza também faz críticas ao presidente, mas diz não ser muito atenta à política. "Ele se mostra, por meio dos comentários que faz, a favor de diferentes tipos de violência, como o machismo, o racismo a homofobia. Mas acredito que ele sozinho no poder não é o problema, ele é apenas a ponta do iceberg", afirma.

Em meio às reflexões sobre o futuro do Brasil, os jovens nascidos em 1º de janeiro de 2000 fazem os planos para os seus próximos anos. Thiago quer conhecer o mundo, se formar em engenharia e usar os conhecimentos para trabalhar com automobilismo. "Gosto muito dessa área. Uma das minhas atividades preferidas é andar de kart", diz.

Maria pretende seguir carreira acadêmica. "Quero ser professora, conseguir estabilidade financeira, poder ajudar os meus pais no que eles precisarem, ajudar causas sociais e viajar bastante", conta.

Uma característica se assemelha entre os jovens nascidos em 2000 e as gerações anteriores: a vontade de mudar o mundo. "Dizem que os nascidos nos anos 2000 são muito novos e já querem dominar o mundo. Mas eu não vejo assim. Acho que a minha geração enxerga formas para melhorar o planeta. O mundo passa por uma época meio estranha, onde há pessoas querendo reviver coisas antigas e ruins. Penso que minha geração nasceu em tempos de mudanças, temos visões diferentes dos mais velhos e podemos melhorar muita coisa", afirma Thiago.


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