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Movimento 'defund the police': o que defendem ativistas que pedem menos verbas para a polícia após morte de George Floyd

Caso George Floyd levou a protestos contra a polícia em diversas partes do mundo, como Londres - Reuters
Caso George Floyd levou a protestos contra a polícia em diversas partes do mundo, como Londres Imagem: Reuters

Ricardo Senra - @ricksenra - Da BBC News Brasil em Londres

Da BBC News Brasil em Londres

09/06/2020 12h51

Atendendo pedido de manifestantes, prefeitos de cidades como Los Angeles e Nova York anunciaram que vão desviar verbas da polícia para projetos sociais; proposta não faria sentido no Brasil, diz especialista

Uma das principais pautas a emergirem junto à onda global de protestos antirracismo desencadeada após a morte de George Floyd, nos EUA, é o "defund the police" - ou corte recursos da polícia, em tradução livre.

Os defensores da ideia dizem que forças policiais e prisões recebem financiamento desproporcionalmente alto de governos, em detrimento de outros serviços essenciais que poderiam reduzir índices de criminalidade, como educação, moradia, infraestrutura e programas ligados à juventude.

Hoje, os EUA investem aproximadamente 2% de seu PIB em policiamento, enquanto a metade deste valor é aplicada em programas de assistência social. O Brasil, a título de comparação, investe em torno de 1,4% do PIB nas polícias - um valor considerado insuficiente na visão de especialistas.

Para os críticos dos cortes das verbas para polícias, a violência seria um sinal de que os investimentos em policiamento são insuficientes e que, ao contrário, deveriam ser intensificados.

O presidente dos EUA, Donald Trump, e os sindicatos que representam os policiais no país surgem como as principal vozes antagônicas às propostas. O presidente tem atribuído o pleito a "radicais" e "esquerdistas" que "querem o fim da polícia".

Em meio à polêmica, o "defund the police" estampa centenas de cartazes em diversas cidades e parece estar próximo de colher os primeiros resultados práticos.

Heterogêneo, o movimento abriga propostas distintas - desde o corte pontual de verbas, passando pelo investimento em formação dos policiais, até pedidos mais radicais de extinção total das forças policiais como conhecemos.

Efeitos práticos

No último domingo, nove dos 13 conselheiros municipais de Minneapolis, onde George Floyd morreu sob custódia policial, anunciaram "o início de um processo de encerramento do Departamento de Polícia" da cidade.

Eles disseram que um "novo modelo de segurança pública" será criado na cidade, que tem longo histórico ligado ao racismo. O Conselho da Cidade representa o corpo legislativo de Minneapolis - o equivalente à Câmara municipal no Brasil.

Seus membros desempenham funções similares às dos vereadores.

Já o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, prometeu, sem dar detalhes, realocar parte dos fundos destinados ao Departamento de Polícia da cidade em projetos sociais para a juventude.

Em Portland, a prefeitura anunciou a remoção de policiais das escolas da cidade e a realocação de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5 milhões), originalmente destinados ao policiamento escolar, para projetos comunitários.

Na quarta-feira, o prefeito de Los Angeles, Eric Garcetti, anunciou planos de cortar US$ 150 milhões (cerca de R$ 750 milhões) do orçamento da polícia e investir o valor em programas dedicados a comunidades negras na cidade.

Mas a resposta de Jamie McBride, um dos diretores do Sindicato de Policiais de Los Angeles, ao projeto do prefeito ilustra a resistência que a ideia enfrenta dentro das corporações.

"Eric, você realmente acredita que os policiais de Los Angeles são assassinos? (...) Os mesmos policiais que oferecem 24h de proteção na sua residência, 365 dias por ano? Os mesmos que você envia para responder ao seu fracasso em controlar a expansão de pessoas vivendo na rua? Acho que não", disse o oficial.

Carta

Na capital americana, a frase "defund the police" foi pintada por ativistas ao lado de uma enorme faixa dizendo "Black Lives Matter" (vidas negras importam), esta última patrocinada pela prefeitura de Washington.

O gesto foi visto como uma provocação à prefeita democrata Muriel Bowser, que teria agido politicamente ao pintar a homenagem ao movimento após conceder aumentos consecutivos nos orçamentos policiais da cidade, onde bairros tradicionalmente ocupados pela população negra vêm passando por um processo de "embranquecimento" com a chegada de estrangeiros nas últimas décadas.

Estopim para a onda de pedidos, uma carta pública proposta por Patrisse Cullors, uma das fundadoras do movimento Black Lives Matter, pede que verbas milionárias hoje investidas em polícias tenham outros fins.

O texto já ganhou apoio de personalidades como John Legend, Jane Fonda, Lizzo, Chris Martin, Joaquim Phoenix e Natalie Portman.

Além de George Floyd, que morreu em 25 de maio enquanto um policial pressionava com o joelho o seu pescoço contra o chão por quase nove minutos, em Minneapolis, a carta aberta cita outros casos de pessoas negras mortas em operações policiais nos EUA.

"Isso sem falar nos outros casos que ainda não sabemos e que talvez nunca saibamos porque aconteceram longe das câmeras", diz a carta, que mostra que comunidades negras são desproporcionalmente atingidas pela pandemia do novo coronavírus - nos EUA, negros têm quatro vezes mais chances de morrer que brancos pelo covid-19.

"As mortes por covid-19 e as mortes causadas pelo terror policial estão conectadas entre si", continua o texto. "Os EUA não têm um sistema nacional de saúde. Em vez disso, temos o maior orçamento militar do mundo e também alguns dos departamentos de polícia mais bem financiados e militarizados do planeta. O policiamento e a militarização dominam predominantemente a maior parte dos orçamentos nacionais e locais."

Segundo o texto, "as comunidades negras vivem com o medo constante de serem mortas por autoridades estaduais, como polícia, agentes de imigração ou mesmo vigilantes brancos, encorajados pelos atores estatais".

A carta cita dados do Urban Institute, que aponta que, em 1977, US$ 60 bilhões haviam sido gastos por governos estaduais em atividades policiais e prisionais.

"Em 2017, eles gastaram US$ 194 bilhões. Um aumento de 220%", prossegue o texto, afirmando que "apesar das constantes abordagens, assédios, terror e matança das comunidades negras, os tomadores de decisão locais e federais continuam investindo na polícia, o que deixa os negros vulneráveis e não torna nossas comunidades mais seguras.

"Os autores propõe que o dinheiro seja investido "na construção de comunidades saudáveis, na saúde de nossos idosos e crianças, na infraestrutura de bairros, educação, assistência à infância e medidas de apoio para um futuro brilhante das comunidades negras."

"As possibilidades são infinitas", diz o texto.

Injustiça

De outro lado, liderados pelo presidente Trump, os opositores da proposta tratam a ideia como radicalismo.

"Lei e ordem, não a tirar recursos e abolir a polícia. Os esquerdistas radicais democratas ficaram loucos!", tuitou Trump nesta segunda-feira.

Apesar de a abolição total da polícia ser defendida apenas por uma minoria entre os que defendem a redução do financiamento policial, o alerta de radicalismo feito por Trump ressoa entre os americanos.

Uma pesquisa de opinião da ABC/Ipsos mostrou que 52% dos que vivem no país aprovam a possiblidade levantada pelo presidente de enviar tropas do Exército para controlar protestos violentos no país.

Em um programa de televisão, o reverendo Al Sharpton, líder histórico do movimento negro no país, disse nesta segunda-feira que o slogan de "cortar recursos da polícia" pode levar a interpretações equivocadas.

Segundo ele, o objetivo da campanha é "transformar a atividade policial como conhecemos" e "reinterpretar a forma como fazemos segurança pública" por meio da redistribuição de parte dos recursos.

"Não acho que alguém, além dos extremos, esteja dizendo que não queremos nenhum tipo de policiamento, nenhum tipo de segurança pública", disse.

A parlamentar Karen Bass, que faz parte da bancada negra no congresso dos EUA, diz que "não acredita que se deva extinguir departamentos de polícia", mas sugere que se reveja a forma como os investimentos estão sendo feitos.

"Precisamos rever como estamos gastando estes recursos e investir mais em nossas comunidades", disse ela à CNN.

Ao jornal Washington Post, o conselheiro comunitário Paul Trantham, que atua em uma área violenta da cidade, afirmou que, quando um morador perde um familiar em uma situação violenta, a primeira questão sempre é "onde estava a polícia?".

"Se tirarem os recursos policiais, estarão cometendo uma injustiça", afirmou.

E no Brasil?

Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor do Departamento de Gestão Pública da FGV, a discussão no Brasil está em outro patamar.

Hoje o Brasil gasta em torno de R$ 90 bilhões - ou 1,4% do PIB - com as polícias. Já o custo social da violência - ou seja, soma das despesas do Estado para lidar com consequências da violência, como tratamentos em emergências e leitos hospitalares, seguros, segurança privada, entre outros - é superior 5%.

"A violência no Brasil tem um custo muito maior do que o próprio investimento público nas polícias", diz o especialista.

Para Lima, o problema no Brasil não seria um excesso de financiamento às polícias que poderia ser destinado a outras áreas, como apontado por defensores do "defund the police" nos EUA.

Na avaliação do professor, o governo brasileiro, ao contrário, ainda investe pouco - e mal - quando o assunto é policiamento.

"A polícia, quando bem supervisionada e controlada, com todos os defeitos, porque não existe polícia perfeita, tem muito mais capacidade de gerar confiança e empatia na medida em que se coloca ao lado da população na resolução de problemas, e não como parte deles", diz.

"O gasto em segurança no Brasil tem que ser melhorado. A segurança pública tem que ser política pública como outra qualquer", diz, citando como exemplos investimentos necessários em valorização profissional, mecanismos de transparência e controle e a definição de padrões para uso da força policial.

Lima aponta que as verbas destinadas à segurança pública no Brasil são essencialmente "consumidas em uma lógica da guerra às drogas".

"O recurso deveria ser investido na valorização do policial enquanto cidadão, porque no Brasil eles são privados de uma série de direitos. A ideia aqui, portanto, seria reorientar os investimentos para a contenção da violência por meio da confiança, e não pela ideia de a polícia como grande ponta de lança de guerra ao tráfico."

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