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Proud Boys: extremistas apoiadores de Trump adotam camisa como uniforme e levam marca a retirá-la do mercado

Grupo supremacista branco é pivô da principal controvérsia do primeiro debate entre Donald Trump e Joe Biden - Getty Images
Grupo supremacista branco é pivô da principal controvérsia do primeiro debate entre Donald Trump e Joe Biden Imagem: Getty Images

Ricardo Senra

02/10/2020 08h23

Se o diabo veste Prada, como diz o filme, os radicais e supremacistas brancos do grupo Proud Boys, pivô da principal controvérsia do primeiro debate entre Donald Trump e Joe Biden, nos EUA, vestem Fred Perry. Ou vestiam.

Na última sexta-feira, quatro dias antes do encontro entre os dois presidenciáveis, a tradicional marca inglesa anunciou que decidiu eliminar a peça mais conhecida de seu catálogo após vendê-la por mais de 50 anos.

A icônica camisa polo preta com duplas de faixas amarelas na gola e nas mangas se tornou desde 2016 uma espécie de uniforme informal do grupo de extrema direita.

Classificados pelo FBI em 2018 como "grupo extremista" e definidos como "grupo de ódio" pelo Southern Poverty Law Center, tradicional organização que mapeia intolerância nos EUA, os Proud Boys se tornaram um dos assuntos mais discutidos nas redes desde a última terça-feira (29/9), quando o presidente norte-americano se recusou a criticá-los.

Perguntado pelo moderador Chris Wallace durante o debate se condenaria o grupo, Donald Trump limitou-se a pedir para que eles "recuem e aguardem". Membros do grupo comemoraram e responderam que "estão a postos".

Encurralada e alvo de boicotes após seguidas tentativas frustradas de se distanciar dos Proud Boys, a marca conhecida pelo logo bordado com dois ramos de folhas de louro optou por descontinuar a peça mais vendida de seu acervo.

"É incrivelmente frustrante que este grupo tenha se apropriado de nossa camisa preta e amarela e subvertido nossa coroa de louros para seus próprios fins", disse a empresa em nota à imprensa.

A marca foi fundada em 1952 pelo ex- jogador de tênis homônimo - Fred Perry era filho de um político socialista do partido trabalhista britânico. "A Fred Perry não apoia e de forma alguma é filiada aos Proud Boys", informou a grife em um tuíte curtido e compartilhado por 25 mil pessoas.

Mas a história da marca, que em 2010 teve uma coleção assinada pela cantora Amy Winehouse, se mistura a episódios violentos e disputas políticas desde os anos 1960.

Das quadras às ruas

Pai da marca, Fred Perry se diferenciava dos colegas tenistas pelo passado modesto: ele era filho de um fiador de algodão, enquanto a maioria de seus oponentes vinha de famílias ricas e importantes na Inglaterra.

Autodidata, ele venceu os torneios mais importantes da época - incluindo três troféus máximos em Wimbledon, onde uma estátua foi inaugurada em sua homenagem em 1984.

Em 1952, numa espécie de resposta às grifes caras vestidas pelos tenistas, Perry lançou sua marca com foco na classe trabalhadora. Inicialmente branca, a camisa polo ganhou novas cores (a favorita dos Proud Boys surgiu no início dos anos 1970) e caiu no gosto dos ingleses.

O principal trunfo da marca era oferecer versões "cool" e populares das peças vestidas pela elite - enquanto os tenistas e yuppies ricos usavam Lacoste, uma nova geração de ingleses optava pela Fred Perry.

As diversas combinações de cores tornaram as camisas frequentes em arquibancadas de futebol - e foi aí que as primeiras associações entre a marca e episódios violentos, neste caso por obra de hooligans, surgiram.

Ainda assim, "em meados da década de 1960, a Fred Perry era tida por jovens da classe trabalhadora de Londres como uma marca que aliava estética descolada e preços acessíveis", destaca um artigo publicado pelo jornal The Independent.

Mas, como aponta uma reportagem de 2013 do jornal The Guardian, os problemas da marca ganharam corpo em 1966, "quando um pequeno grupo conhecido como Hard Mods apareceu nas ruas de Londres".

"Cabeças raspadas"

"Esses mods (abreviação para modernistas) eram descolados, não violentos e não políticos. Eles cortavam o cabelo bem curto e nos três anos seguintes o visual ganhou elementos mais casuais, combinando a camisa Fred Perry com suspensórios e jeans. Em setembro de 1969, um artigo do (jornal) Daily Mirror chamou esses jovens de skinheads", diz a reportagem.

Em tradução literal, skinhead significa "pele cabeça" - ou "cabeça raspada".

Com origem na classe trabalhadora e formado inicialmente por jovens ingleses e da chamada geração "windrush" (geração de britânicos com ascendência caribenha, filhos de nativos de ex-colônias como Barbados e Jamaica, recrutados para trabalhar no país depois da Segunda Guerra), o movimento skinhead cresceu e se diversificou.

Até que, nos anos 1970, parte de seus membros se associaram a jovens de extrema-direita da extinta Frente Nacional Britânica. Desde então, os skinheads se dividem entre supremacistas brancos e antifascistas.

Se a marca já tinha a simpatia dos membros nos primórdios do movimento, foi oficialmente adotada pelos Proud Boys - a ponto de seus líderes sugerirem, segundo a imprensa dos EUA, que os membros usassem a polo preta e amarela até em fotos no Tinder para serem reconhecidos.

"A camisa Fred Perry é uma peça do uniforme da contracultura britânica, adotada por vários grupos de pessoas que reconhecem seus valores naquilo que ela representa. Temos orgulho de sua origem e do que a coroa de louros representa há mais de 65 anos: inclusão, diversidade e independência. A camisa preta e amarela tem sido uma parte importante desse uniforme desde sua introdução no final dos anos 1970, e tem sido adotada geração após geração por várias subculturas, sem preconceitos", diz a marca.

"Apesar de sua origem, vimos que a camisa está ganhando um significado novo e muito diferente na América do Norte como resultado de sua associação com os Proud Boys", prossegue a grife. "Precisamos dar o nosso melhor para acabar com essa associação."

Debate

Fundado em 2016 pelo militante de extrema-direita canadense-britânico Gavin McInnes, o Proud Boys é um grupo de extrema direita, anti-imigrantes e exclusivamente masculino, com histórico de violência nas ruas contra oponentes de esquerda.

Alheios ao turbilhão enfrentado pela marca, Donald Trump e Joe Biden foram questionados sobre suas supostas associações com extremistas.

Após se recusar a condenar os supremacistas brancos, Trump inverteu a pergunta e disse que a violência em protestos nos EUA viria de ativistas de extrema esquerda: "Alguém tem que fazer algo sobre os antifa e a esquerda, porque este não é um problema de direita."

O democrata Joe Biden emendou: "Antifa é uma ideia, não uma organização. Isso é o que disse o diretor do FBI."

O nome Proud Boys é uma referência a uma citação que aparece no musical Aladdin, da Disney. Além das camisas polo Fred Perry, os membros usam bonés vermelhos com a inscrição "Make America Great Again" (ou "Torne a América Grande Novamente", lema de campanha de Donald Trump).

A plataforma dos Proud Boys inclui propostas como fechar fronteiras, dar armas para todos, acabar com politicas de bem-estar social e defender papéis tradicionais de gênero (como "venerar a dona de casa"). A maioria das teses é defendida pelo presidente Trump.

Eles não são exclusivamente brancos - mas, ainda assim, ganharam fama por confrontos políticos violentos, muitos deles contra ativistas negros.

Os Proud Boys e afiliados enfrentaram antifas em diversos protestos violentos nos últimos dois anos, principalmente em Oregon, Washington e Nova York.

Dois membros foram presos no ano passado por agressão.

Facebook, Instagram, Twitter e YouTube baniram o grupo de suas plataformas. Assim, os membros migraram para redes sociais menos populares.

McInnes se desassociou publicamente do grupo em 2018, dizendo que seguia um conselho de sua equipe jurídica. Mas em um vídeo reagindo ao debate de terça-feira, ele disse (em tom ironico): "Eu controlo os Proud Boys, Donald. Não desistam, não recuem."