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O que acontece com outros processos da Lava Jato com suspeição de Moro no caso de Lula?

Julgamento que analisa se ex-juiz foi parcial contra Lula foi suspenso por pedido de vista de Nunes Marques - Reuters
Julgamento que analisa se ex-juiz foi parcial contra Lula foi suspenso por pedido de vista de Nunes Marques Imagem: Reuters

Letícia Mori - Da BBC News Brasil em São Paulo

23/03/2021 18h51

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta terça-feira (23/03) de que o ex-juiz Sergio Moro não teve imparcialidade no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá deve se estender para os outros processos contra o ex-presidente no âmbito da Lava Jato. Mas o que essa decisão significa para os outros réus em outros processos da Lava Jato?

As condenações de Lula já tinham sido anuladas, no início de março, quando o ministro Edson Fachin reconheceu que a 13ª Vara de Curitiba não tinha competência para julgar os casos envolvendo Lula pois os atos pelos quais ele foi condenado não aconteceram no Paraná.

Mas a decisão do STF sobre a suspeição de Moro, ou seja, sobre sua falta de imparcialidade, tem efeitos ainda mais fortes: não apenas anula as decisões do juiz sobre o ex-presidente, mas todos os atos do processo contra Lula se tornam nulos, explica o criminalista Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP. "As consequências jurídicas do reconhecimento de uma parcialidade são muito mais graves", diz ele.

Com a declaração de incompetência de Moro, provas utilizadas no julgamento em Curitiba poderiam ser aproveitadas em novos julgamentos de Lula por um juiz competente. Mas o reconhecimento da suspeição de Moro faz com que todos os atos dos processos sejam considerados nulos e os processos voltem à estaca zero.

A segunda turma do STF considerou que Moro não teve a imparcialidade exigida de um juiz e teve uma "atuação grave" com o objetivo maior de "inviabilizar de forma definitiva a participação de Lula na vida política nacional", de acordo com o voto do ministro Gilmar Mendes.

moro e lula - Presidência da República/AFP - Presidência da República/AFP
Moro foi responsável por julgar os processos de Lula na Lava Jato
Imagem: Presidência da República/AFP

Decisão fortalece argumentos contra Moro em outros casos

A princípio, a decisão não tem efeito direto imediato em outros casos, explica Gontijo. O próprio ministro Gilmar Mendes explicou em seu voto que a decisão, tomada após pedido da defesa de Lula, é válida apenas para o caso individual do ex-presidente e não se transfere para outros casos.

"O habeas corpus julgado trata da parcialidade de Moro um caso só, o do tríplex. A decisão do STF não é automática nem mesmo para os outros casos Lula, que terá que pedir a extensão da decisão para eles ? e é altíssima a probabilidade que a decisão seja aplicada aos outros casos do ex-presidente. Mas não há efeito automático para outros processos de outros réus", explica o advogado criminalista Bruno Salles, mestre em direito pela USP.

"O fato de a Justiça ter reconhecido que o juiz não foi imparcial em um caso semelhante não torna ele automaticamente suspeito para outro réu de outro caso", diz Salles.

No entanto, o fato da Justiça reconhecer a parcialidade de Moro no caso de Lula pode fortalecer pedidos similares de outros réus em processos da Lava Jato, afirma o advogado.

Gontijo concorda. "A decisão pode levar à argumentação das defesas de que todo o caminho percorrido na operação tinha como objetivo alcançar Lula, o que comprometeria outros processos", diz Gontijo.

"A atual decisão do STF descredibiliza por completo o trabalho feito por Moro nos processos ? credibilidade que já era fraca por causa das conversas do juiz com os promotores do caso."

Ou seja, se outros réus da Lava Jato quiserem argumentar que Moro não foi imparcial também em seus casos, terão que pedir individualmente. Mas a decisão da Justiça no caso de Lula é algo que pode fortalecer esse tipo de questionamento.

Entre as evidências de parcialidade de Moro apresentadas pela defesa de Lula, estavam conversas entre Moro e membros do Ministério Público em que detalhes do caso eram discutidos.

"Questionamentos sobre a imparcialidade de Sergio Moro já existem há bastante tempo, mas cada interessado que quiser pedir suspeição para o caso vai ter que provar individualmente a suspeição no seu caso", afirma Gontijo.

Salles lembra, no entanto, que a Lava Jato é uma operação de muitos anos, com várias partes envolvidas ? e a maioria dos casos não tem nada a ver com o ex-presidente Lula.

"Para que outro réu consiga uma decisão semelhante de suspeição, ele precisa de provas de que, também no caso dele, houve parcialidade. Não é rápido e não é simples", afirma Salles.

Como votou o STF

A suspeição de Moro foi decidida na 2ª turma por 3 votos a favor do pedido da defesa de Lula e 2 votos contra.

Já haviam votado pela suspeição os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. A ministra Carmen Lucia, que havia votado contra a suspeição no início da análise do processo, mudou seu voto antes do fim da votação.

Votaram contra os ministros Edson Fachin, relator do caso, e o ministro Kassio Nunes Marques.

Nunes Marques afirmou que as mensagens de Moro conversando com o Ministério Público divulgadas por hackers são ilegais e vão contra o "garantismo" (uma teoria do direito em defesa dos direitos do cidadão). Também afirmou que o habeas corpus pedido pela defesa de Lula não seria mecanismo para julgar a suspeição do juiz, pois ele não teria como se defender.

Após voto de Marques, o ministro Gilmar Mendes, que já havia votado, pediu a palavra e lembrou que o garantismo é em defesa do réu ? Moro não é réu no processo, mas juiz do caso. Mendes também lembrou que a jurisprudência do STF aceita, sim, habeas corpus como mecanismo para julgamento de suspeição de juiz, o que foi reforçado pela ministra Carmen Lucia.

Mendes também disse que apenas citou as gravações, e que as provas contra Moro são as que estão no processo.

A ministra Carmen Lucia afirmou que "todo mundo tem direito a um julgamento justo", e que os novos dados que foram sendo adicionados ao processo deixaram claro que há provas de que o julgamento do ex-presidente não teve um juiz imparcial.

A ministra não se baseia nos vazamentos da Lava Jato, mas em diversas provas nos autos, como, entre outras, a divulgação de conversas de Lula pouco antes da eleição, a autorização dado por Moro de grampo entre Lula e seus advogados e o que a ministra chamou de "espetacularização" da condução coercitiva de Lula.