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O estranho 'Efeito Mandela' que a ciência tenta explicar

14/10/2022 19h46

Pesquisas indicam que as pessoas tendem a esquecer e lembrar de detalhes das mesmas imagens, independentemente da diversidade das suas experiências individuais.

Pense naquele senhor de cartola que é o mascote do jogo Monopoly. Ele usa monóculo, certo? Ou não?

Se você imaginou o personagem do popular jogo de tabuleiro usando um monóculo, você errou. Na verdade, ele nunca usou esse acessório.

Isso pode ter te surpreendido, mas você não está sozinho. Muitas pessoas têm essa mesma memória falsa do personagem.

E este fenômeno também ocorre com outros personagens, logotipos e citações. O Pikachu, do desenho Pokémon, por exemplo. Muitas pessoas acham que a cauda do personagem tem uma ponta preta, o que não é verdade. E o logotipo da marca de roupas americana Fruit of the Loom não tem uma cornucópia - um vaso em forma de chifre que na mitologia greco-romana é representado cheio de frutos e flores, simbolizando fertilidade e abundância -, ao contrário do que muitas pessoas acreditam.

Chamamos este fenômeno - de falsas memórias compartilhadas para certos ícones culturais - de "Efeito Mandela visual".

As pessoas costumam ficar surpresas quando percebem que têm as mesmas memórias falsas que outras pessoas. Isso ocorre, em parte, porque elas acreditam que aquilo que elas lembram e esquecem é subjetivo e baseado nas experiências pessoais.

Mas nossas pesquisas indicam que as pessoas tendem a esquecer e lembrar das mesmas imagens, independentemente da diversidade das suas experiências individuais. E demonstramos recentemente que essas similaridades de memória estendem-se até mesmo para as nossas recordações falsas.

O que é o Efeito Mandela?

A expressão "Efeito Mandela" foi criada por Fiona Broome, que se autodefine como pesquisadora paranormal. Broome descreve sua falsa memória de que o ex-presidente sul-africano Nelson Mandela (1918-2013) teria morrido na prisão nos anos 1980.

Ela percebeu que muitas outras pessoas também tinham essa mesma recordação falsa e escreveu um artigo sobre a experiência no seu site. Dali, o conceito de memórias falsas comuns espalhou-se para outros fóruns e sites, incluindo as redes sociais.

Desde então, exemplos do Efeito Mandela vêm sendo amplamente compartilhados na internet. Um deles é a série canadense de livros infantis e desenhos animados Os Ursos Berenstain, que as pessoas recordam como "Berenstein" em vez do final correto "ain". Outro caso é o do personagem C-3PO, da série Star Wars, que as pessoas relembram erroneamente com duas pernas douradas, em vez de uma perna dourada e outra prateada.

O Efeito Mandela já alimentou teorias da conspiração. As memórias falsas são tão fortes e específicas que algumas pessoas acreditam que elas provam a existência de uma dimensão alternativa.

Por isso, as pesquisas científicas somente estudaram o Efeito Mandela como um exemplo de como teorias da conspiração se espalham pela internet. Poucas pesquisas foram feitas para estudar o Efeito Mandela como um fenômeno da memória.

Mas compreender por que esses ícones acionam tantas memórias falsas específicas pode oferecer mais indicações sobre como se formam essas falsas recordações. O Efeito Mandela visual, que afeta especificamente ícones, foi uma forma perfeita de realizar este estudo.

Fenômeno consistente de memória falsa

Para verificar se o Efeito Mandela visual realmente existe, conduzimos um experimento apresentando às pessoas três versões do mesmo ícone. Uma dessas versões era correta e duas foram manipuladas. Nós pedimos a elas que selecionassem o ícone correto.

Havia 40 conjuntos de ícones, que incluíram o personagem C-3PO da franquia Star Wars, o logotipo da marca americana de roupas Fruit of the Loom e o mascote do jogo de tabuleiro Monopoly.

Os resultados foram aceitos para publicação no Psychological Sciences e demonstraram que as pessoas se saíram muito mal em sete deles, escolhendo a imagem correta apenas a cada 33% das vezes ou menos. Para essas sete imagens, as pessoas frequentemente indicaram a mesma versão incorreta, não apenas selecionando qualquer uma das duas versões incorretas.

Além disso, os participantes relataram estar muito confiantes nas suas escolhas e afirmaram ter grande familiaridade com aqueles ícones, mesmo estando errados.

Essas conclusões reunidas comprovam claramente aquilo que as pessoas vinham falando na internet há anos: o Efeito Mandela visual é um erro de memória real e consistente.

Concluímos que esse efeito de recordações falsas é incrivelmente forte em diversas formas diferentes de testes de memória. Mesmo quando as pessoas viam a versão correta do ícone, elas ainda escolhiam a versão incorreta poucos minutos depois.

E, quando se solicitava que elas desenhassem livremente os ícones de memória, as pessoas também incluíam as mesmas características incorretas.

Não existe causa universal

Mas o que causa essa falsa memória compartilhada por ícones específicos? Nossa conclusão foi que características visuais, como cor e brilho, não podiam explicar o efeito.

Também rastreamos os movimentos de mouse dos participantes enquanto eles observavam as imagens em uma tela de computador para ver se eles não percorriam partes específicas, como a cauda do Pikachu. Mas, mesmo quando as pessoas observavam diretamente a parte correta da imagem, elas ainda escolhiam a versão falsa imediatamente em seguida.

Também concluímos que, para a maior parte dos ícones, era improvável que as pessoas tivessem observado a versão falsa anteriormente e apenas se lembrassem daquela versão e não da versão correta.

Talvez não haja uma causa universal. Diferentes imagens podem gerar o Efeito Mandela visual por diferentes razões.

Algumas dessas razões podem ser relacionadas a expectativas anteriores para uma imagem, outras a uma experiência visual anterior com uma imagem. Ainda outras podem ter a ver com algo totalmente diferente das imagens em si.

Nós concluímos, por exemplo, que a maior parte das pessoas só vê a parte superior do corpo de C-3PO nos meios de comunicação. A perna dourada da recordação falsa pode ser resultado do uso do seu conhecimento anterior - os corpos normalmente têm uma cor só - para preencher essa lacuna informativa.

Mas o fato de que pudemos demonstrar consistências nas memórias falsas de certos ícones indica que parte daquilo que dirige as recordações falsas depende do nosso ambiente - independentemente das nossas experiências subjetivas com o mundo exterior.

* Deepasri Prasad é estudante de PhD em neurociência cognitiva do Dartmouth College, nos Estados Unidos.

Wilma Bainbridge é professora assistente de psicologia da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.