Carlos Madeiro

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Reportagem

Em 15 meses, país enfrenta caos climático com chuvas, calor e seca recordes

A devastação gerada pelas chuvas recorde no Rio Grande do Sul foi mais um capítulo de eventos extremos que o Brasil tem enfrentado de norte a sul nos últimos 15 meses. O caos climático gerado pelo aquecimento global levou o país a bater vários recordes de extremos nesse período.

As chuvas acima da média levaram a deslizamentos e inundações. O problema, porém, não foi só causado pela água em excesso: a Amazônia enfrentou sua pior seca, e o Sudeste registrou temperaturas muito acima da média.

Desde 2022, somente em razão das fortes chuvas, 2.709 municípios brasileiros (48,5% do total) tiveram decretos de emergência ou calamidade pública reconhecidos pelo governo federal.

Tragédias se sucedem

Em fevereiro de 2023, temporais castigaram o Sudeste: foram 64 mortos em razão das chuvas em São Sebastião (SP) e 241 em Petrópolis (RJ). A cidade na região serrana do Rio sofreu deslizamentos e inundações e chegou a receber 530 mm de chuva em 24 horas (no dia 15) — mais do que o dobro da média histórica.

Em outubro de 2023, o mundo se assustou com as imagens de áreas desertas e morte em massa de botos por causa da seca na Amazônia.

O rio Negro, que corta Manaus, atingiu o menor índice em 120 anos de medições. Os níveis também foram recorde nos rios Amazonas, Solimões e Madeira.

Grande vazante do rio Negro em São Gabriel da Cachoeira (AM)
Grande vazante do rio Negro em São Gabriel da Cachoeira (AM) Imagem: Ray Baniwa/Rede Wayuri
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Roraima também enfrentou seca sem precedentes a partir de fevereiro, o que fez o estado decretar emergência após uma explosão recorde de queimadas e altas temperaturas.

No mesmo momento em que Roraima sofria com a severa seca, cidades do Acre enfrentaram sua pior cheia com a subida de nível de rios e igarapés. Mais de 100 mil pessoas foram afetadas, e cidades ficaram isoladas no estado.

O último verão teve uma temperatura 0,71ºC acima da média histórica do período. Em março, o Rio de Janeiro chegou a ter sensação térmica recorde de 60,1°C durante onda de calor.

O ano de 2023 foi o mais quente já registrado na história das medições brasileiras, segundo o Inmet. A média ficou em 24,92°C.

Agora, no Rio Grande do Sul, medições do Inmet mostraram que, das 44 estações automáticas, 15 tiveram recorde de chuva em um dia entre 2023 (8) e 2024 (7). Muitas cidades tiveram em 48 horas chuva igual ao triplo da média histórica para os meses de maio.

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Chegando ao ponto de ruptura

O coordenador-geral do MapBiomas (rede com mais de 70 organizações que estudam uso do solo), Tasso Azevedo, afirma que as temperaturas do oceano em 2023 ficaram muito acima das máximas históricas e isso teve influência direta no clima. "E os primeiros meses deste ano ficaram muito acima de 2023."

Ele lembra que isso não causa efeitos só no Brasil. Não é à toa que o mundo tem batido recorde de calor por dez meses consecutivos, mês após mês.

Segundo ele, esse aumento de temperatura sempre acontece em anos de El Niño. Tasso alerta, porém, que as temperaturas nunca tinham subido tanto, como agora.

Isso traz mais água à atmosfera, mas na terra há um efeito contrário, tende a secar. Por isso você teve seca histórica na Amazônia. Aquela água toda não consegue entrar no continente.
Tasso Azevedo

20.out.2023 - Lago do Puraquequara, na zona leste da cidade de Manaus, em meio à seca história na Região Norte
20.out.2023 - Lago do Puraquequara, na zona leste da cidade de Manaus, em meio à seca história na Região Norte Imagem: Suamy Beydoun/AGIF/Estadão Conteúdo
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Tasso diz que, no caso das chuvas extremas do Acre e do Rio Grande do Sul, houve uma confluência de fatores ligados ao calor: as massas de ar seco bloquearam a movimentação de nuvens carregadas, gerando assim grandes precipitações em uma área mais restrita.

No caso do Brasil, ele explica que a situação é agravada pela forma do uso da terra.

Esse efeito é amplificado tanto pelas cidades, como pelo desmatamento da Amazônia, da mata ciliar. A vegetação nativa, que poderia absorver água e reduzir a quantidade de enchentes, está sendo destruída. E quanto mais duro o solo, mas água se acumula, e há menos infiltração.
Tasso Azevedo

Para ele, o clima deve estar passando por um "efeito de ponto de ruptura". "Isso ocorre quando a situação não tem mais volta. Assim, o que anos atrás era extremo, hoje passa a ser normal; e vamos ter novos extremos, que estão muito mais fortes."

Desmatamento de mais de 100 hectares dentro da TI Karipuna na região do Rio Formoso, Rondônia
Desmatamento de mais de 100 hectares dentro da TI Karipuna na região do Rio Formoso, Rondônia Imagem: Christian Braga/Greenpeace

El Niño e clima "bagunçado"

O meteorologista Humberto Barbosa, professor e pesquisador da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), explica que o fenômeno El Niño teve contribuição importante na variação climática recente.

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Desde agosto há essas anomalias. O oceano está mais quente com taxa de aumento bastante significativa. Em dezembro e janeiro houve El Niño extremo em resposta às temperaturas mais altas.
Humberto Barbosa

Ele cita que, apesar do pico do fenômeno ter ocorrido entre dezembro e janeiro, os impactos vieram depois.

A resposta começou agora no final de março e em abril. Nesse período, a atmosfera acumulou esse calor, e várias partes do mundo tiveram extremos parecidos, de um final climático provocado pelo El Niño.
Humberto Barbosa

Um ponto que chama a atenção de Humberto é que o El Niño não trouxe estiagem para a região Nordeste, como costumava ocorrer.

Desde os anos 1980 não tínhamos visto um El Niño tão intenso sem reduzir as chuvas no Nordeste. Isso é um sinal claro e indireto de como o aquecimento global também bagunça essas respostas esperadas para ocorrer.
Humberto Barbosa

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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