Ronilso Pacheco

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Opinião

Extrema direita entre passeio nos EUA e uso político da tragédia no RS

No marco de pouco mais de uma semana da tragédia que se abateu no Rio Grande do Sul, o país vai lidando, simultaneamente, com a dor das perdas que se somam a cada dia e a batalha política de versões e narrativas que, em grande parte, tem sido imposta por políticos da extrema direita no país.

Ao longo de uma semana, uma batalha que começou com as críticas à realização do show da cantora Madonna por parte dos conservadores tomou as redes sociais.

Era como se houvesse uma relação direta entre os recursos envolvidos no show da popstar e a tragédia no Rio Grande do Sul. Quando a narrativa do recurso financeiro deixou de fazer sentido, passou-se a uma pressão de ordem ética. Seria "imoral" a realização do show em face da tragédia.

A tragédia no RS, no entanto, não impediu que oito parlamentares brasileiros deixassem o Brasil rumo aos Estados Unidos, para uma "missão" de audiência no Congresso americano no dia 7 de maio. É preciso enfatizar que, neste dia, o número de mortos no Sul chegava a 95.

O senador Eduardo Girão (Novo-CE) foi um dos que estavam integrando a comissão, liderada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, que mantiveram a audiência na Comissão de Assuntos Exteriores dos Estados Unidos para, segundo eles, denunciar a perseguição política e a censura no Brasil.

O senador Girão (ou sua assessoria) também pareceu o mais animado com a viagem. Sua conta no no X conseguiu postar, só no dia 7 de maio, nada menos que 25 tuítes. E curiosamente, apenas um tuíte tratava da tragédia no estado gaúcho.

Sim, Girão postou 24 postagens no X em um único dia. Uma destas se referia à votação do DPVAT no Congresso. Mas, curiosamente, 20 postagens falaram única e exclusivamente da festejada audiência no Congresso americano.

Apesar das 95 mortes, apenas 3 postagens de Girão no dia 7 falavam sobre a tragédia no Sul. As postagens usavam a recusa do governo Brasileiro do envio de uma lancha e dois drones como uma forma de atacar o governo e politizar a decisão. Ou seja, nada que ele mesmo estivesse fazendo.

Ataques a ministra

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) usou a tragédia para fazer ataques diretos à ministra da Igualdade Racial Anielle Franco. Enquanto estava nos Estados Unidos, também integrando a comissão de parlamentares conservadores, a conta na rede X de Nikolas fez duas postagens com ataques à Anielle.

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No primeiro, o deputado põe o print de uma postagem da ministra e escreve: "Nem na tragédia há sanidade no governo Lula". A postagem é uma crítica ao Ministério da Igualdade Racial, que pediu prioridade para as comunidades quilombolas e ciganos na distribuição de alimentos.

É uma clara aposta no engajamento de ataques e hostilidades a ministra Anielle, repercutida em veículos de imprensa mais conservadores. Obviamente, faz sentido o ministério enfatizar "prioridade" para os grupos que não são lembrados cotidianamente. Não é difícil entender que "prioridade" aqui não é sobre serem privilegiados na tragédia, mas não serem esquecidos.

No segundo, Nikolas põe o print de uma postagem de Anielle e escreve: "Sim, depois da prioridade para distribuição de alimentos, ela está usando a tragédia para pedir votos". Inacreditável".

No entanto, a postagem de Anielle, entitulada "Sobre a importância do seu voto", fala sobre consciência na hora de votar. Sobre "votar em quem atua em prol da vida das pessoas e do povo brasileiro". Usa o momento para lembrar o prazo de regularização do título de eleitor junto ao TSE.

Parece razoável que, em momentos como esse, alguém lembre que um critério importante para o voto em uma eleição é observar bem o compromisso público do candidato com a cidade e os cidadãos. Parece, mas nada é razoável diante da busca incansável pela oportunidade de derrubar o seu inimigo.

Ofensas a parlamentares

O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) também curtiu bastante o passeio nos Estados Unidos. Em vídeo, Gayer afirmou que na audiência havia deputados republicanos e deputados "democratas comunistas, socialistas de merda".

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Sem dúvida, um ótimo registro em vídeo para um parlamentar brasileiro que integra uma comissão que quer denunciar falta de liberdade de expressão, ofendendo parlamentares do Congresso onde foi visitar.

O deputado goiano chegou a escrever em sua conta no X, há três dias atrás, que "o descaso do governo Lula no RS merece CPI", e que o governo Lula era "o mais perverso da história". Porque, obviamente, o Brasil foi um exemplo de gestão durante a maior pandemia da história.

Lacrações com recortes de ofensas à Globo, moção de aplausos a Luciano Hang, comemoração por ter alcançado 1 milhão e meio de seguidores… tudo. O que menos se vê é sobre a gravidade da tragédia e o compartilhamento de propostas e iniciativas.

Um aprendizado poderoso que a tragédia no Sul tem nos dado é que radicalização e extremismo não se abrem à sensibilidade e à trégua. A extrema direita parece estar convicta de que encontrou o momento ideal para impor ao governo. Mas isso não é disputa política. Isso é um projeto mesquinho, autoritário e pequeno em cima do sofrimento humano.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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