Por dentro da prisão de Evin, no Irã: 'não posso imaginar o que os presos estão passando'
Pelo menos oito prisioneiros morreram e dezenas ficaram feridos no incêndio na prisão iraniana de Evin na noite do último 15 de outubro. Ainda não está claro como o fogo começou e se o incidente na prisão está ligado à onda de protestos no país.
"Ouvimos mais de 200 tiros", disse uma testemunha dentro da prisão, conhecida por abrigar presos políticos, ao serviço persa da BBC.
Um vídeo sobre o presídio, postado nas redes sociais no fim de semana, acabou viralizando no país. Nele, é possível ver chamas e fumaça. Tiros e explosões também podiam ser ouvidos.
"Estou preocupada que a fonte do incêndio ainda seja um grande ponto de interrogação", diz Ana Diamond, uma ex-prisioneira que passou mais de 200 dias em confinamento solitário na notória prisão de Teerã em 2016.
Ana Diamond, uma iraniana-britânica, tinha apenas 21 anos quando foi forçada a entrar em uma van por oficiais armados da Guarda Revolucionária do Irã e presa em janeiro de 2016. Ela foi acusada de espionagem, o que negou.
Mas, como era dentro da prisão?
"Evin é um labirinto", diz Diamond.
Depois de ser libertada sob fiança em agosto de 2016, Ana foi conduzida por um guarda para fora da prisão através de seus corredores estreitos.
"E então, de repente, uma porta se abriu e eu estava Teerã. Bastou uma porta para me colocar bem no meio da cidade", lembra Diamond.
A prisão foi originalmente construída nos arredores da capital iraniana, mas à medida que a cidade cresceu, a prisão tornou-se parte do movimentado norte de Teerã.
'Violação dos direitos humanos'
A prisão de Evin foi construída em 1972, sob o reinado do xá Mohammad Reza Pahlevi. Seu propósito inicial era abrigar mais de 300 detentos, mas sua população carcerária acabou se expandindo para 15 mil sob a República Islâmica do Irã.
Na década de 1980, a prisão de Evin se tornou conhecida por sua notoriedade. De acordo com relatórios da Anistia Internacional e relatos coletados pela ONG Human Rights Watch, tortura e morte, execuções, enforcamentos, desaparecimento de numerosos detidos políticos e brutalidade eram práticas comuns ali.
A prisão foi apelidada de "Universidade Evin" devido ao grande número de intelectuais, ativistas estudantis e jornalistas detidos no local.
As práticas na prisão foram criticadas por grupos de direitos humanos; a organização que administra as prisões de Teerã e seu chefe Sohrab Soleimani (irmão do general Qasem Soleimani, morto pelos EUA em 2020), foram colocados, em 2018, na lista de pessoas e instituições que sofrem sanções impostas pelo governo americano em 2018, por causa dos "graves abusos de direitos humanos".
No ano passado, a Anistia Internacional disse que imagens de vigilância vazadas da prisão mostravam prisioneiros sendo abusados, espancados e assediados.
Ana Diamond diz que seu corpo jamais esquecerá o frio que sentiu quando esteve presa.
"Sempre que estou em um lugar frio hoje, fico com a frequência cardíaca acelerada e preciso sair. Mesmo que na minha mente eu esteja calma, meu corpo não gosta de sentir essa sensação."
Mas o frio não é a pior coisa que ela experimentou em Evin.
"Eles estavam tentando me humilhar de maneiras muito específicas para o meu gênero", diz Diamond.
'Teste de virgindade'
Ana Diamond diz que também foi obrigada a fazer o chamado teste de virgindade.
É um exame em que o médico insere dois dedos na vagina da mulher para verificar se o hímen está intacto. O teste não tem base científica.
"Minha pena inicial, quando fui condenada por espionagem e quando eles sugeriram que eu havia usado intimidade ou sedução durante meu suposto trabalho de espiã, foi a pena de morte", explica Diamond.
Hoje ela acredita que isso foi "parte da longa e elaborada peça de tortura psicológica deles". E afirma: "Foi uma maneira de me humilhar de maneiras muito específicas ao meu gênero".
"Foi apenas um mecanismo para reduzir minha identidade e experiências ao que eles definiriam como indigno e vergonhoso, até criminoso, e semear medo em mim pelo que eles poderiam ser capazes de fazer a seguir", diz Diamond.
Após passar meses em confinamento solitário, Ana Diamond foi transferida para a enfermaria pública onde conheceu outras mulheres que eram prisioneiras políticas.
Ela se lembra de como a enfermaria estava lotada.
"Se agora centenas de manifestantes foram presos e alguns levados a Evin, suponho que muitos deles teriam que dormir no chão".
"Não consigo imaginar o que as prisioneiras estão passando agora", diz Diamond.
O que aconteceu no sábado à noite?
O incêndio na noite do dia 15 de outubro ocorreu após semanas de protestos contra o governo em todo o Irã depois da morte de Mahsa Amini, de 22 anos, sob custódia policial.
Centenas de manifestantes foram enviados para a prisão de Evin.
"A prisão era como uma zona de guerra", diz uma fonte próxima à família de um dos prisioneiros ao serviço persa da BBC, ao descrever o que aconteceu dentro dos muros da prisão.
Mas há relatos conflitantes sobre o incidente.
A Justiça do país diz que o incêndio começou em uma oficina da prisão após uma briga entre detentos e, segundo a imprensa estatal, foi um plano de fuga "premeditado", que o chefe das prisões em Teerã disse ter sido frustrado pelas forças de segurança.
É difícil saber o que aconteceu exatamente naquela noite.
Mas, em entrevista ao serviço persa da BBC, um prisioneiro negou a versão oficial e disse que a tensão começou quando alguns detentos protestaram contra a transferência de seus companheiros de cela para outra prisão.
Quando os prisioneiros das outras alas ouviram brigas e gritos, eles invadiram o pátio principal. Os guardas responderam com gás lacrimogêneo, acrescentou o detento.
Em seguida, a tensão escalou para outras alas.
"Os prisioneiros correram para as portas e os derrubaram. Os guardas antimotim atacaram e lançaram gás lacrimogêneo de todos os lugares. Muitos de nós passaram mal."
*Com reportagem adicional de Farnoosh Amirshahi, do Serviço Persa da BBC.
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