Lula eleito: 'Bolsonaro se vai, mas seu movimento não', diz especialista em extrema-direita
Legado de Bolsonaro é que a ameaça de um governo antidemocrático estará sempre a quatro anos de distância, avalia Benjamin Teitelbaum, autor do livro 'Guerra pela Eternidade'.
A lição que a derrota de Donald Trump nos Estados Unidos deixa para a derrota de Jair Bolsonaro no Brasil é que o homem se vai, mas seu movimento não desaparece.
Esse é o recado de Benjamin Teitelbaum, professor de relações internacionais na Universidade de Colorado (EUA) e autor do livro Guerra pela Eternidade (Unicamp, 2020), sobre a corrente de pensamento que inspirou Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump, e Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo falecido em janeiro deste ano.
Para Teitelbaum, Bolsonaro foi uma força imensamente desestabilizadora para a política brasileira. E seu legado é uma mudança dramática do espectro político doméstico, cuja principal marca é o desaparecimento da centro-direita.
No âmbito internacional, a herança de Bolsonaro é uma severa degradação da posição do Brasil no exterior, avalia o pesquisador.
"Há razões para acreditar que esses legados serão de alguma forma permanentes e nós enfrentamos o mesmo nos Estados Unidos", disse Teitelbaum em entrevista à BBC News Brasil, pouco depois de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarar a vitória de Lula neste domingo (30/10).
"Os líderes mundiais podem gostar mais de Lula e de [Joe] Biden, mas agora a perspectiva sempre existirá de que um Trump ou Bolsonaro está potencialmente a apenas quatro anos de distância", afirma o estudioso da extrema-direita.
Coalizão de forças é, na verdade, uma fraqueza
Para Teitelbaum, os mais de 58 milhões de votos obtidos por Bolsonaro e a distância de apenas 2,1 milhões de votos em relação a Lula representam um resultado surpreendentemente forte.
Mas ele avalia que, mais do que essa votação, o que demonstra a potência do populismo representado por Bolsonaro como uma força social é o tamanho da aliança de centro-esquerda que foi necessária para derrotá-lo.
Para o professor da Universidade de Colorado, essa imensa coalizão que elegeu Lula será um fator de dificuldade para seu futuro governo.
"Para a campanha é difícil, porque não há uma mensagem unificada. E para governar será muito difícil também, porque as políticas poderão ser confusas", afirma. "Lula ganhou essa eleição, e isso é ótimo, mas essa não é uma situação muito boa para se estar."
Teitelbaum afirma que a Europa dá bons exemplos disso, como Emmanuel Macron, na França, que conseguiu sua base de apoio ao se estabelecer como a alternativa à candidata de extrema-direita de Marine Le Pen.
"A Suécia é outro bom exemplo. Lá, um movimento de extrema-direita ganhou força. Todos os demais se uniram contra a extrema-direita e isso fortaleceu essa extrema-direita, que então se tornou a única força de oposição no país. E todos os partidos que tentavam trabalhar juntos contra isso numa coalizão nunca conseguiram ter uma mensagem, nunca puderam governar com uma agenda específica porque, entre si, eles eram muito diversos", afirma.
"Eu prevejo que algo do tipo aconteça com a coalizão de Lula, porque os atores que ele teve que reunir para fazer sua vitória acontecer são muito distintos. Há liberais, socialistas, grupos que em diversos temas se consideram oponentes."
O pesquisador diz ainda que outra coisa que o preocupa é a força de Bolsonaro junto à burocracia estatal. Isso porque, nos EUA, o funcionalismo teve papel fundamental para barrar a tentativa de Trump de contestar ilegalmente o resultado eleitoral.
"Há um perigo em especial no Brasil por conta disso, que não existe nos Estados Unidos. Porque se ele [Bolsonaro] quiser contestar o resultado, ele tem muito mais recursos do que Trump teve", avalia.
Na noite de domingo após a divulgação do resultado, no entanto, aliados de Bolsonaro fizeram declarações nas redes sociais que demonstravam aceitar o resultado, a exemplo dos ex-ministros Ricardo Salles e Sergio Moro, eleitos respectivamente para a Câmara e o Senado.
Ocaso do liberalismo econômico
Apesar dessa diferença entre EUA e Brasil, Teitelbaum avalia que uma semelhança entre os dois países é o colapso da centro-direita. Segundo ele, isso é menos visível nos EUA devido ao sistema bipartidário, mas, no Partido Republicano, a ala mais centrista e liberal na economia do partido foi marginalizada após Trump.
Para o pesquisador, a perda de ressonância do liberalismo econômico na sociedade está relacionada à sua incapacidade em reduzir a desigualdade e diminuir a pobreza.
Questionado por que então os eleitorados não se voltaram para a esquerda, já que essas são preocupações típicas desse campo político, o analista avalia que primeiro, a centro-direita sempre foi uma espécie de anteparo da extrema-direita. Quando ela se rendeu à extrema-direita, esse foi um ponto de virada.
Em países industrializados, a classe trabalhadora industrial empobrecida volta-se contra minorias, um fruto da guerra cultural, que acaba se sobrepondo à política econômica, diz o pesquisador.
Ele reconhece que esse não é um fator relevante no Brasil, onde a imigração e a xenofobia não são itens centrais na ascensão do populismo de direita. Mas ele avalia que aqui há a ascensão do pentencostalismo evangélico que serviu como elemento nesta disputa cultural.
Um país, dois entendimentos sobre o que é democracia
Uma pesquisa Datafolha divulgada entre o primeiro e o segundo turnos da eleição mostrou que a democracia tem o apoio de 79% dos brasileiros, um recorde histórico.
Apesar disso, 49% dos brasileiros votaram em um candidato percebido como antidemocrático. E seus apoiadores entendem que a ação do STF (Supremo Tribunal Federal) para pôr limites a Bolsonaro é a verdadeira ameaça à democracia.
Em entrevistas anteriores, Teitelbaum identificou fenômeno semelhante nos Estados Unidos, que os diferentes campos políticos daquele país se dizem defensores da democracia, mas têm entendimentos distintos do que é essa democracia.
Por que isso acontece? Como as sociedades chegam a um ponto de divisão em que há entendimentos tão diversos acerca de um conceito tão fundamental?
"Na base disso está nosso consumo de informação. Estamos observando o mundo com entendimentos de realidade cada vez mais polarizados pois uma questão-chave é que a sociedade tem canais diferentes para conhecer a realidade, as notícias e entender o que é bom e ruim", afirma, referindo-se ao fato de que parte da estratégia da extrema-direita é contar com uma rede de comunicação própria, formada por redes sociais e redes de comunicação.
Teitelbaum também já destacou no passado que uma diferença importante entre Brasil e EUA é o fato de a democracia brasileira ser jovem, com o passado ditatorial ainda recente.
Nesse cenário, a experiência do governo Bolsonaro poderá causar um dano permanente à jovem democracia brasileira?
"Me preocupo, no caso do Brasil, que a alternativa à democracia sempre estará lá como uma opção, especialmente em momentos de instabilidade. Esse é meu medo e o papel que eu penso que o histórico do seu país com a democracia pode ter."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63421488
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.