Vi colega ser 'mais amistoso que o normal' com caminhoneiros, diz policial rodoviário federal
Policial que conversou com a BBC News Brasil sobre atuação nos últimos dias disse que teve que 'bater o pé pra gente fazer algumas coisas, como monitorar melhor os pontos de ação'.
"Ele conversava em particular com um ou outro caminhoneiro e dava para ver que era em tom mais amistoso que o normal, falando que entendia o lado (dos manifestantes)."
Esse é o relato de um policial rodoviário federal sobre a postura de seu colega de trabalho durante atuação em rodovia no sul do país nesta segunda-feira (31/10). Bernardo (nome fictício) conversou com a BBC News Brasil em condição de anonimato.
"Puxei plantão com um colega que não estava com muita vontade de trabalhar ontem. Foi difícil, estressante em alguns momentos. Tive que bater o pé para fazermos algumas coisas, como monitorar melhor os pontos de ação", conta Bernardo.
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Ele também relata que, durante seu trabalho nos últimos dias, viu os manifestantes buscarem demonstrações de apoio dos policiais em atividade.
"Teve uma hora que um grupo de caminhoneiros perguntou pra gente: 'sei que vocês estão trabalhando e não podem falar, mas não estamos gravando, qual o posicionamento particular?' E aí eu já me posicionei, falei que não existia isso, que éramos servidores públicos, uma polícia de Estado, e deixávamos de lado questões pessoais, que nos pautamos pela legalidade e impessoalidade, princípios que regem a administração pública", disse. "Não sei o que ele falaria, mas precisei tomar dianteira antes que ele falasse besteira."
A conduta da Polícia Rodoviária Federal (PRF) foi alvo de questionamentos depois que viralizaram vídeos em que profissionais supostamente apoiam manifestantes que bloquearam rodovias após o resultado das eleições.
Mara (nome fictício), outra policial rodoviária federal ouvida pela reportagem, lembrou que os profissionais têm que seguir ordens superiores e diz que a orientação recebida foi para não usar força para liberar rodovias.
"Ouvi relatos de colegas que queriam usar gás lacrimogêneo para tentar dispersar e foi determinado que não fizessem", afirmou.
"Uma coisa é manifestação, outra coisa é bloquear rodovias federais por 48h e dizendo que só vai sair se o Exército tomar conta do país. Com todas as ressalvas que tenho sobre uso de força (...), contra um levante popular com mais de 48h eu não vejo outra solução que não o uso da força."
Na opinião dela, a polícia é "seletiva" e "a depender do público que está do outro lado da ponta, o tratamento é diferente".
"Então, diante do público que está na ponta agora, e levando em consideração que a ordem é também não usar força, o policial na ponta fica em situação que para um observador externo ele pode parecer que está confraternizando. Mas pode ser um momento que ele não teve opção. Eu não me apressaria a julgar esses policiais", disse, em referência a vídeos que circulam na internet com suposto apoio de agentes aos manifestantes.
Bernardo fez a ressalva de que adotar um tom agressivo logo de cara pode ser perigoso, visto que muitas vezes os policiais estão em duplas. "Na primeira intervenção, eu não posso chegar em tom agressivo. são dois contra cinquenta, contra cem."
Ele contou, ainda, que os protestos não são compostos apenas por caminhoneiros e avalia que a situação deve demorar mais a ser resolvida nas regiões em que Bolsonaro teve mais apoio na eleição, como no sul do país.
O que diz a PRF
Em coletiva de imprensa nesta terça-feira (1/11), a direção da PRF defendeu que a instituição não foi passiva em momento algum e que "sempre buscou resolução do problema nos primeiros instantes".
Sobre suposto apoio de agentes da PRF a manifestantes, disse que a polícia "age no cumprimento da lei, não apoia a ilegalidade ou fechamentos de rodovias federais" e que os casos que apareceram na internet já foram identificados e que há procedimento na corregedoria do órgão para apurar se houve desvio de conduta.
Desde o domingo, a PRF está no centro da crise - com abordagens a ônibus no dia da eleição e, depois, com sua atuação diante de bloqueio de rodovias sendo criticada.
No dia do segundo turno, a PRF contrariou determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao realizar centenas de abordagens a ônibus.
No dia anterior, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes havia proibido qualquer operação relacionada a transportes públicos por entender que elas poderiam atrasar ou impedir eleitores de se deslocarem até as seções eleitorais.
Depois disso, o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, voltou ao centro das atenções após Moraes determinar na segunda-feira (31/10) adoção imediata de "todas as medidas necessárias e suficientes" para desobstruir as rodovias ocupadas por bolsonaristas em protesto contra o resultado das eleições.
Os policiais ouvidos pela reportagem criticaram a proximidade de Vasques ao presidente Jair Bolsonaro e um deles disse que a visão de alguns colegas é a de que a postura de apoio a Bolsonaro "fere a impessoalidade do serviço público".
'Dever legal'
O presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF), Dovercino Neto, disse que os policiais têm "consciência do seu dever legal". "E nossa orientação nesse momento de crise, de tensão, é esse ? cumprir o dever legal. E ele está lá na ponta para prestar serviço à sociedade, não para fazer a vontade de A ou B", diz. "Mas o que acontece é que quem move o funcionamento do órgão é a alta gestão."
Questionado pela reportagem sobre um caso como o relatado por Bernardo, Neto disse:
"Eu acho difícil um colega se expor a esse ponto e falar 'eu sou bolsonarista, então vou colaborar com esse movimento, mesmo sendo contra o meu dever legal'. Mas é impossível acontecer? Não é impossível. Mas acho difícil e temos preparo para não incorrer numa armadilha dessa aí. Ele está colocando em risco o emprego dele."
Neto afirmou que a postura do presidente Jair Bolsonaro de se manter em silêncio após o resultado da eleição, vencida por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dá força às manifestações em rodovias que, por sua vez, impactam os policiais rodoviários federais.
"Esse movimento ganhou corpo em função desse silêncio do presidente em não reconhecer a derrota nas urnas em uma eleição que, na nossa visão, foi democrática, transparente e não existe motivo para questionamento. Esse silêncio dele provoca esse acirramento de ânimos de parte dos seus seguidores e isso impacta diretamente na PRF a partir do momento que esse pessoal fecha a rodovia", disse.
E afirmou que "é inegável que a imagem da instituição foi abalada".
Mais cedo, a FenaPRF criticou em nota a postura do atual presidente e disse que os policiais rodoviários federais "seguem trabalhando diuturnamente para o restabelecimento do direito de ir e vir da população". Afirmou, ainda, que "compete exclusivamente à gestão do Departamento de Polícia Rodoviária Federal providenciar e disponibilizar os meios e a organização do efetivo necessários para dar cumprimento à desobstrução das rodovias federais".
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63473244
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