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Novas cercas na UE ameaçam vida selvagem

Irene Banos (av)

29/06/2016 16h12

Além das perdas humanas, a crise dos refugiados na Europa poderá fazer vítimas entre os animais silvestres na área das cercas. Ecologistas aconselham monitoramento ambiental e interação com autoridades.

As medidas das autoridades da União Europeia para lidar com a onda de refugiados no continente ameaçam ter consequências devastadoras não só para os seres humanos: lobos, ursos e linces estão entre as espécies candidatas a inclusão na lista das vítimas.

Segundo estudo publicado pela revista especializada PLOS Biology, foram erguidos ou estão em construção dentro da UE cerca de 400 quilômetros de cercas de fronteiras, além de mais de 2 mil quilômetros separando os países-membros dos Estados externos à UE.

A pesquisa, pioneira na Europa, mostrou que a construção dessas barreiras representa uma ameaça grave à vida selvagem. Elas podem causar mortes, impedir o acesso a recursos vitais e até reduzir a população das espécies. Além disso, interferem com projetos ambientais europeus como a rede Natura 2000 e a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2020.

Cerceamento fatal

O caso não é único no planeta: também a fronteira entre o México e os Estados Unidos tem sério impacto sobre a vida selvagem. Mas na Europa o cenário é novo e, como tal, exige novas medidas de combate.

As espécies que vivem perto das fronteiras estão sobretudo sujeitas a morte por enredamento nas cercas ou a eletrocussão. Esses, porém, são apenas os efeitos imediatos e de curto prazo. Em escala maior, as consequências incluem obstrução da circulação e do acesso a fontes vitais, fragmentação genética das populações e perda de habitat.

Entre a Croácia e a Eslovênia está planejado um total de 600 quilômetros de cercas, dos quais no mínimo 167 quilômetros de arame laminado já estão instalados, segundo a Organização Internacional de Migração. Desse total, 349 quilômetros cortam uma das áreas naturais mais ricas da Europa, na cordilheira dos Alpes Dináricos, lar de espécies raras e ameaçadas de extinção, como o urso-pardo, o lobo-cinzento ou o lince-eurasiano, que estão entre os cinco maiores carnívoros europeus.

Apesar de sua baixa densidade populacional e do amplo espaço de que precisam, essas três espécies conseguiram sobreviver nos últimos anos graças a sua capacidade de se mover entre diferentes subpopulações, assim como a esforços conservacionistas bem sucedidos. Mas agora as cercas de segurança põem em risco o futuro delas.

Por exemplo: a área de habitat de cinco alcateias de lobos da Eslovênia (de um total de 10 ou 11) se estende dos dois lados da fronteira com a vizinha Croácia. Caso fiquem isolados pelas barreiras, é possível que os espécimes eslovenos não sobrevivam.

Grande retrocesso para a conservação

Na visão do principal autor do estudo, John D.C. Linnell, a implementação de cercas fronteiriças em áreas naturais reconhecidas representa um passo atrás nos esforços europeus de conservação.

Os pesquisadores acrescentam que a cerca eslovena-croata também está em conflito direto com projetos europeus como a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2020, além de cortar uma zona incluída na rede Natura 2000.

Desse modo, eles denunciam que algumas das novas estruturas desrespeitam critérios de tratados europeus de conservação da vida silvestre, em especial da Diretriz dos Habitats, a qual, "assegura a conservação de uma ampla gama de espécies animais e vegetais raras, ameaçadas ou endêmicas", como descreve a Comissão Europeia.

O comissariado para Ambiente, Assuntos Marítimos e Pescas afirma estar monitorando de perto a construção das cercas, a fim de identificar qualquer problema relativo a aspectos ambientais. "Mas até o momento não houve nenhuma indicação nesse sentido", assegura a porta-voz da pasta, Iris Petsa, embora ressalvando que "tentativas de construir muros ou cercas entre Estados-membros não têm lugar na UE".

Exemplo da cerca EUA-México

O exame de casos passados, porém, confirma os motivos de preocupação entre os ambientalistas. A equipe de Linnell estudou, por exemplo, o impacto da cerca entre a Mongólia e a China sobre o asno selvagem mongol, ou khulan. E a famosa fronteira separando o México dos Estados Unidos, com quase mil quilômetros de cercas, também impede a movimentação de numerosos animais terrestres, de bisões a répteis, e incluindo espécies ameaçadas.

Uma pesquisa publicada em 2011 mostrou que, entre os mais afetados, quatro animais estão listados pela União Internacional para Conservação da Natureza como ameaçados ou sob risco de extinção. Além disso, a cerca EUA-México causou a fragmentação do habitat de animais extremamente raros, como o ocelote, um felino com apenas 100 espécimes restantes no Texas.

Projetando para o futuro, o Serviço dos EUA para Peixes e Vida Selvagem (USFWS) estima que o projeto do pré-candidato republicano à Casa Branca Donald Trump, de estender as cercas da fronteira, teria impacto sobre 223 dos recursos administrados pela USFWS, entre os quais 111 espécies ameaçadas e quatro refúgios de vida selvagem.

Efeitos positivos exigem trabalho

Em contrapartida, o autor do estudo da PLOS Biology John D.C. Linnell lembra que nada é só preto ou branco. Pois as estruturas têm o potencial positivo de prevenir o contrabando dos animais silvestres, preservá-los da caça ilegal e constituir para eles um refúgio pacífico, pleno de fauna e longe da presença humana. Mas esses aspectos exigem trabalho intensificado.

"Agora é a hora de fortalecer as colaborações e trabalhar ainda mais duro", exorta o ecologista. Entre as sugestões da equipe de pesquisadores constam abrir determinadas seções das barreiras nas temporadas de migração e aprimorar o design das cercas a fim de reduzir o risco de enredamento e eletrocução.

Linnell espera que cercas futuras, como as planejadas para separar os Países Bálticos da Rússia e Belarus, sejam submetidas a avaliações de impacto ambiental meticulosas, levando em consideração as necessidades das espécies selvagens.

Para alcançar isso, contudo, os conservacionistas precisam interagir intensamente como os agentes governamentais e começar a se comunicar em nível mais alto. "O trabalho que a Europa vem realizando há décadas para ampliar os projetos de conservação tem que ser agora revisto e adaptado a um novo cenário", aconselha Linnell.